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A maluquice dos que querem banir a “nega maluca”

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O politicamente correto não é uma cria dessa geração, tendo um desenvolvimento gradual que já perdura por décadas, emanando principalmente dos EUA. Porém, a cada novo ciclo ele parece vir mais forte, na mesma pedida que mais nonsense. Não faz muito tempo que fazíamos piadas com os exageros de identitaristas tresloucados e imaginávamos, em tom de deboche, desprovidos de qualquer seriedade, o momento em que as padarias precisariam alterar a partícula “nega” do bolo mais popular do país para “afrodescendente”.

Pois não demorou para que os identitaristas, turbinados com as redes sociais, passassem a fazer correr pelo Twitter e outros veículos onde vivem sua realidade paralela listas com palavras a serem banidas do nosso vocabulário por sua suposta conotação ofensiva. Para buscar algum tipo de legitimidade, se dedicaram a reconstruir a etimologia de diversas palavras, não raro mentindo descaradamente e produzindo pérolas dignas da Desciclopédia, ou mesmo da Deep Web. Como sempre há empresários dispostos a abraçar os modismos mais doentios; vimos até empresa de móveis abandonando o termo “criado-mudo”, já que ele supostamente faria uma alusão a escravos que ficariam prostrados ao lado da cama de seus senhores durante toda a noite, sendo passíveis de terem suas línguas decepadas. É claro que isso se trata de uma fake news ridícula, sem base histórica alguma e que só clarifica (ops, outro termo “racista”) o quanto esse pessoal é desprovido de bom-senso.

E por falar em fake news — que também não são uma cria dos tempos modernos, mas, sem dúvidas, têm tido o seu apogeu na era das mensagens instantâneas —, qual a nossa surpresa em ver que, galgando os degraus da loucura que iniciam na militância, passam pelo Twitter, encontram a acolhida de hostes do setor privado, o “Index” das palavras proibidas, impronunciáveis sob o risco de promovermos um genocídio de fadas, ganhe não só divulgação, mas o patrocínio da mesma corte que, em nome de um dito combate à desinformação, tem virado o ordenamento jurídico ao avesso?

A cartilha, lançada no dia 30/11 pelo TSE, é um produto do Encontro Democracia e Consciência Antirracista na Justiça Eleitoral, de autoria da Comissão de Promoção de Igualdade Racial do Tribunal Superior Eleitoral. Em seu objetivo, diz-se que a cartilha “traz termos de cunho racista e explica didaticamente o motivo para serem assim entendidos (grifo meu).” Muita atenção para a sutileza com a qual a postura arrogante dos proponentes do documento se revela. Tratam o repertório de bobagens que segue no decorrer das 55 páginas como algo mais do que devaneio, como um conjunto de fatos concretos que podem ser transmitidos “didaticamente”, como se não fosse tão somente um conteúdo opinativo de baixíssima qualidade.

A loucura é tanta que se sugere o banimento até da palavra “escravo”, já que, de acordo com “especialistas”, o termo denotaria que os cativos já teriam nascido sem liberdade, sendo preferível falar “escravizado”. A justificativa (uma suposta validação inata da escravidão) é uma baboseira que não passará pela cabeça de ninguém à exceção de adolescentes militantes (consideram-se aqui também os adolescentes em idade mental) e dos ditos “especialistas” que ganham a vida sendo identitaristas profissionais, costurando sua influência em diferentes instâncias da burocracia ociosa e integrando comissões que apenas servem para desperdiçar dinheiro público.

Para ser justo, há, no meio do besteirol, ao menos duas expressões que de fato parecem carregar uma conotação racista: serviço de preto e preto/negro de alma branca. Mesmo aqui, serão mesmo necessários e bem-vindos os apontamentos da burocracia estatal e dos “especialistas”? É provável que muitos dos leitores tenham algum “tiozão” que solta o desagradável “serviço de preto”. Agora, quantos têm sobrinhos que o fazem? Netos? Qual a proporção dos jovens de amanhã que ainda usarão a expressão? Trata-se, claramente, de algo que, merecidamente, beira já ao ostracismo vocabular, uma expressão cuja aceitação é cada vez mais decrescente, que gera desagrado, críticas e, aí sim, justificadas correções, e tudo isso sem precisarmos de uma cartilha. Essa é a diferença entre um termo flagrantemente racista (misturado a vários outros que não o são) e de uma ressignificação e interpretação forçada de palavras que sequer tem uma origem racial. Nem tudo que faz referência à cor preta (ausência total de luz) refere-se à cor de pele preta e nem tudo que se refere à cor de pele preta o faz de forma depreciativa.

Argumenta-se que, mesmo quando a origem racial não é clara, deve-se banir a palavra por uma associação moderna com o racismo. Vislumbramos aqui um raciocínio circular. O militante (ou instituição), querendo sinalizar virtude, inventa uma conotação racista para alguma expressão a qual, socialmente falando, ninguém usa com essa conotação. Aí, os porta-vozes da loucura, também querendo sinalizar virtude, fazem coro ao pedido de banimento até que isso culmine, como de fato culminou, no selo de algum órgão oficial falando “didaticamente” de uma associação que não partiu da cabeça de nenhum racista contumaz, mas de militantes racialistas. É o cachorro mordendo o próprio rabo.

Ainda que houvesse uma origem racial para estas palavras, seria necessário que elas fossem usadas com uma conotação intencionalmente racista, pelo óbvio de que a maior parte das pessoas não tem a etimologia dos termos em mente quando se comunicam no dia a dia. O que se tenta fazer, na ânsia de se multiplicarem as ocorrências de racismo (que é um problema real e deve ser encarado com seriedade), é transformar aqueles que fazem uso de uma ou outra destas palavras, ou seja, a maioria esmagadora das pessoas, em racistas, já que, após terem “aprendido didaticamente” sua etimologia por obra dos “especialistas”, insistem no seu uso. Não podemos dar trela para essa bobagem.

A demonização de palavras, independentemente do contexto em que são usadas, é coisa de quem procura monstros no armário e só colabora para reduzir a responsabilidade individual (a única que importa) daqueles que praticam o racismo real (que certamente não implica falar “lista negra”). Um exemplo disso é o fuzuê em torno do termo nigger nos EUA. É verdade que essa palavra é costumeiramente usada como um insulto racista da terra do Tio Sam, mas cumpre fazer aqui duas observações. A primeira é que seu uso não é exclusivo de brancos racistas, sendo incorporado como uma gíria por muitos negros — quem assistiu à série The Wire não me deixará mentir. A segunda é que é patético ver jornalistas e diferentes personalidades se referindo ao termo como the N-word (a palavra com n), mesmo quando estão a criticar sua conotação racista. Na ficção bruxa mais famosa, Lord Voldemort é referido como “aquele que não deve ser nomeado”. No mundo real (às vezes mais fantasioso do que a literatura de fantasia), adultos criam códigos para se referir a palavras como que para evitar a morte de uma fada. São casos clínicos.

É fundamental também destacar que não são os “negros” que se sentem ofendidos com o uso dessas expressões. A conotação racista, como demonstrado, na maior parte dos casos só existe na cabeça de militantes que tentam procurar pelo em ovo. Estes militantes podem ser adolescentes lacradores no Twitter, mas também podem ser identitaristas profissionais, com mestrado e doutorado, contando com o beneplácito de burocratas que se consideram iluminados, em especial quando do Judiciário. Entre estes, é claro, há negros. Ocorre que nem eles nem ninguém têm procuração para falar em nome de todos os negros, na mesma medida que um brasileiro não tem autoridade para falar em nome de todos os brasileiros, um índio em nome de todos os índios, e assim sucessivamente. Quem diz se sentir ofendido com expressões como mercado negro, boçal, feito nas coxas, mulata etc., incorre em duas e apenas duas possibilidades: é um militante identitarista cujo sentimento de ofensa é insincero e que, verdadeiramente só se ofende caso desafiem seu “lugar de fala”; é alguém em quem o sentimento de ofensa crava de forma sincera, hipótese em que deveria procurar um psicólogo.

A cartilha a princípio “recomenda” o banimento voluntário dessas expressões e, até então, não sugere nenhuma consequência legal para os que delas fazem uso. Seria, no entanto, exagero imaginar o dia em que essa fronteira será transposta e a censura se fará explícita? Recordemos que uma lista como essa não seria levada a sério há alguns anos atrás e muitos não levariam a sério se lhes dissessem que teria a benção de uma corte superior. Muitos de nós falhamos em subestimar o politicamente correto, acreditando que a flagrante insensatez bastaria para frear sua expansão a instituições de onde se espera seriedade. Mas a penetração institucional do identitarismo não é hipótese e sim fato consumado. Também é fato escancarado que alguns membros do poder Judiciário, alguns dos quais integrantes tanto do STF quanto do TSE, já atravessaram a fronteira da censura há muito tempo. Para ser sincero, há alguns anos eu não diria isso, mas hoje não acho absurdo pensar que o risco de algum padeiro vir a receber a visita da polícia por ter colocado uma etiqueta com o texto escrito “nega maluca” na vitrine de sua padaria possa ser uma realidade em um futuro não muito distante. Digo isso com base na cronologia relatada, na crescente penetração institucional do identitarismo, da índole autoritária dos identitários e da índole autoritária de certos membros da burocracia estatal e judicial.

Quando aceitamos o absurdo e a desproporção, quando abrimos margem para a vulgarização de termos como racismo, genocídio, nazismo, fascismo etc, e passamos a fugir de fantasmas de nossas imaginações, não me soa exagero pensar que aqueles com índole autoritária venham a se aproveitar disso e a tentar impor sua visão deturpada da realidade. A resposta a esse risco deve vir por duas frentes: legislativa e cultural. No plano legislativo, há, infelizmente, a necessidade de reforçar para resguardar aquilo que a constituição já garante: a liberdade de expressão. No plano cultural, não podemos abandonar o deboche (o ridículo deve mesmo ser ridicularizado) e precisamos entender que não há diálogo possível com esse pessoal e tampouco eles estão dispostos a isso. Ninguém seriamente competente e realmente interessado na defesa da igualdade (que não significa igualdade material), sempre cara aos princípios liberais, e ao combate ao racismo real, se dedica a produzir cartilhas dizendo que é racismo falar “lista negra”, “magia negra”, “denegrir”, “esclarecer”, “humor negro” e afins.

 

Fontes:

https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2019/11/21/marca-de-moveis-decide-abolir-termo-criado-mudo-de-seu-catalogo.ghtml

https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/tse-cria-lista-de-palavras-a-serem-banidas-do-vocabulario-por-suposto-racismo/

https://www.otempo.com.br/politica/judiciario/tse-lista-expressoes-racistas-a-serem-banidas-do-vocabulario-dos-brasileiros-1.2780805

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Novembro/em-encontro-tse-lanca-cartilha-expressoes-racistas-por-que-evita-las

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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