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“Personagens da política brasileira”: o novo trabalho de Antonio Paim

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Uma das mais longevas e produtivas inteligências do liberalismo brasileiro, o professor Antonio Paim trouxe à luz, de forma totalmente gratuita e virtual, em março, sua mais recente obra: Personagens da política brasileira. O trabalho é produto da atuação que o autor, aos 92 anos, vem empreendendo junto ao Espaço Democrático, fundação para estudos e formação política do atual PSD.

Preocupado com o aprimoramento do sistema representativo e com a necessidade de fortalecimento dos partidos políticos, o professor Antonio Paim jamais deixou de atentar para essa esfera. Neste opúsculo, organizado pelo cientista político Rogério Schmitt e prefaciado pelo ex-senador Jorge Bornhausen, o livro reúne trinta perfis de personalidades importantes da história política brasileira, com destaque para suas ideias e contribuições à institucionalidade nacional.

Segundo Paim em sua apresentação do livro, que pode ser acessado aqui, o Brasil permanece tendo como grande desafio para o pleno enraizamento do regime liberal-democrático a superação da chaga cultural do patrimonialismo, superação essa que é facilitada com o desenvolvimento da classe média. “Para tanto”, ele diz, “é preciso recuperar o prestígio da classe política. O propósito da identificação de personalidades marcantes ora empreendido evidencia a presença de figuras destacadas no meio político. Nada sugere que o ciclo histórico ora vivenciado seja diferente”.

Limito-me a fazer brevíssimas ponderações acerca dos 30 ensaios redigidos por Paim sobre os personagens que escolheu para sua lista, divididos nos períodos históricos identificados como “Independência e Novas Instituições”, “Império”, “Primeira República”, “Era Vargas e Regime Constitucional de 1946” e “Regime Militar e Redemocratização”.

José Hipólito da Costa: O patrono da imprensa brasileira é apresentado por Paim como um dos pioneiros na defesa do liberalismo no Brasil, editando seu célebre jornal Correio Braziliense de Londres até a consecução do processo de independência. O autor ressalta a identificação de Hipólito com a monarquia britânica e sua crença em que a aceitação de reformas constitucionalistas era a saída mais moderada para evitar o perigo revolucionário ao estilo francês.

Silvestre Pinheiro Ferreira: Uma breve biografia deste pensador, português de nascença, que teve vida agitada por sua fama de liberal, faz-se acompanhar da conhecida exaltação de Paim à sua teoria de que o sistema representativo se deveria basear na representação de interesses, o que inspirou a construção das instituições imperiais, particularmente após o período do chamado “Regresso” saquarema/conservador no Segundo Reinado.

Antônio Carlos de Andrada e Silva: Paim faz figurar na lista um dos irmãos do icônico Patriarca da Independência, José Bonifácio, e não ele próprio, para ressaltar sua atuação entre os representantes brasileiros junto às Cortes portuguesas, cujo ímpeto “recolonizador” levou à Independência, e sua participação central na elaboração da Constituição durante a malfada e dissolvida Constituinte de 1823, de que o trabalho resultante foi base da Constituição de 1824 – com alguns acréscimos, o mais relevante sendo o Poder Moderador.

Visconde de Uruguai: Paim revela admiração pelo esforço do grande estadista do Partido Conservador/saquarema pela unidade nacional, avaliando a experiência regencial, após a abdicação de D. Pedro I, como uma experiência quase republicana que se teria mergulhado em excessos, podados pelos saquaremas no “Regresso”. A posição de Paim parece distante da posição dos rivais dos saquaremas, os partidários do Partido Liberal ou “luzias”, a respeito da questão – lembrando-se que ambos eram egressos do grupo regencial dos “liberais moderados”.

Conselheiro Saraiva: O autor enfoca um dos luzias mais destacados, aquele que, como Presidente do Conselho de Ministros, obteve, em 1881, a principal realização de seu partido: a Lei Saraiva, que implementou as eleições diretas no Império. Aproveita para oferecer uma descrição comparativa do sistema eleitoral imperial em comparação com os demais sistemas políticos contemporâneos, bem como reproduzir uma análise do historiador mineiro João Camilo de Oliveira Torres, simpatizante dos saquaremas, sobre a base social dos partidos imperiais.

Visconde do Rio Branco: O pai do lendário diplomata Barão do Rio Branco é apresentado como um saquarema responsável por inúmeras realizações sociais e de infraestrutura no Império, em especial a Lei do Ventre Livre, uma das etapas fundamentais do processo abolicionista, combatendo o destaque exagerado que se dá apenas ao fato de que uma das polêmicas finais do Império, a Questão Religiosa, se deu sob seu governo.

Joaquim Nabuco: Paim reconhece ao grande liberal pernambucano sua profunda paixão pela libertação dos escravos, mas enxerga caráter excessivamente panfletário em seu livro clássico O Abolicionismo, questionando, por exemplo, a ignorância do fato de que parte do empresariado rural buscava alternativas à mão-de-obra escrava. Considera-o um grande historiador.

Quintino Bocaiúva: Ao jornalista de tendências radicais que ajudou a atiçar o golpe republicano, Paim destaca sua paixão pela Argentina e por sua República oligárquica, bem como sua aliança, mais tarde, com o castilhista Pinheiro Machado, visando a estabelecer um partido nacional, o Partido Republicano Conservador, que fracassou. Aborda também como ele e outros próceres da República exploraram o famigerado problema da “Questão Militar” para incentivar os militares a atacarem a monarquia.

Marechal Deodoro: Brevemente, o autor biografa o primeiro presidente brasileiro, mostrando-lhe o envolvimento com a “Questão Militar”, inaugurando a intromissão exagerada dos militares na política, e a luta entre os partidários de uma ditadura republicana e de uma República constitucional federativa que marcou o ciclo da República da Espada (os dois primeiros governos republicanos). Impedir que houvesse uma guerra civil e uma ditadura militar, tolerando a Constituinte de 1891, seria o mérito de Deodoro na opinião de Paim, apesar de seu temperamento incompatível com a relação com o Parlamento.

Floriano Peixoto: O segundo presidente, também militar, é apontado em seu autoritarismo extremado. Paim ressalta que Deodoro o considerava um homem desleal e como seu governo se assemelhou ao das demais ditaduras militares latino-americanas de seu tempo.

Benjamin Contant: O professor militar e ideólogo positivista é aproveitado para abordar a penetração da filosofia de Augusto Comte nas Forças Armadas, ingrediente essencial do golpe republicano. Destaca também a ideia de Constant, algo contraditória com o antimilitarismo típico do Positivismo ortodoxo, de que caberia ao Exército a implementação da ordem do “Estado positivo” comteano, fortalecendo a ideia de que os militares deveriam interferir na política.

Campos Sales: O presidente que saneou as finanças e formalizou a “política dos governadores”, que marcou o sistema oligárquico da República Velha, é visto por Paim como o grande sistematizador de uma prática autoritária, com a degola de parlamentares oposicionistas e os estados de sítio, que permitiu a relativa estabilidade do modelo até a Revolução de 30.

Rui Barbosa: Tal como em outras obras de sua lavra, Paim apresenta o diplomata, jurista, jornalista e intelectual baiano como o grande militante de um liberalismo antioligárquico e antimilitarista na República Velha, que influenciaria os liberais subsequentes no século XX – bem como ressalta sua adesão à chamada “questão social”. Critica o que considera uma herança positivista em seu pensamento, deixando de cuidar do problema dos partidos e da representação dos interesses, tal como fazia Silvestre Pinheiro Ferreira.

Pedro Lessa: O jurista, deputado e advogado é apresentado como um adversário do Positivismo no Direito e enaltecido por lutar, ao lado de Rui Barbosa, em defesa do habeas corpus contra o autoritarismo da República Velha.

Washington Luiz: Paim aponta a disposição do último presidente da República Velha por aliviar o autoritarismo com que seus imediatos antecessores lidaram com as revoltas tenentistas e sua preocupação com a estabilidade monetária e a construção de estradas, mas também sua teimosa obstinação em desafiar o pacto oligárquico, que, sob o impacto da crise de 29, provocou a Revolução de 30 no Brasil.

Lindolfo Collor: O autor mostra que esse gaúcho, que se tornou proeminente teórico do Castilhismo, o autoritarismo doutrinário do Rio Grande do Sul, foi central para, influenciado pelas teorias positivistas, conceber o sistema sindical tutelado pelo Estado que foi herança da Era Vargas.

Francisco Campos: O jurista é associado ao corporativismo, ao autoritarismo da década de 30 e à ideia de que o liberalismo havia fracassado. A despeito de seu perfil autoritário, Paim reconhece a Campos o mérito de uma reforma nas academias científicas, por conta de sua oposição ao dogmatismo positivista.

Góis Monteiro: O líder militar da Revolução de 30 e feitor do golpe de 1937 é apresentado em detalhes por Paim como um dos defensores mais intransigentes da ingerência militar na política, formando seu espírito no regime castilhista gaúcho e sendo defensor do papel das Armas para buscar uma completa unidade nacional, antipático que era aos partidos políticos.

Salles Oliveira: O governador de São Paulo é enaltecido por Paim como o grande nome que preservou a vitalidade do liberalismo nos sofridos anos 30, procurando mobilizar São Paulo em favor do Estado de Direito e contra o espírito separatista, em revanche à derrota na Revolução de 32, e sua União Democrática Brasileira como embrião da futura União Democrática Nacional (UDN).

Getúlio Vargas: O ditador e presidente eleito nos anos 50 é exposto como realizador de uma reforma industrialista que se associou ao legado patrimonialista brasileiro e o excitou, aprofundando problemas crônicos da economia nacional, conquanto servindo de parâmetro para o patrimonialismo modernizador consumado pelo regime militar posterior.

João Goulart: Paim traça um retrato preciso do líder intranquilo e destrambelhado que Vargas apontou como articulador do PTB e que era associado ao peronismo e à República sindicalista, bem como de sua queda pelo golpe militar de 1964.

João Mangabeira: O interessante caso de um político da República Velha que, egresso do grupo da chamada “Esquerda Democrática” que abandonou a UDN nos primeiros anos, procurou criar um Partido Socialista Brasileiro de visão liberal-democrática, apenas visando à “gradual socialização dos meios de produção”. Paim opina que o PSB permaneceu fielmente contrário à ditadura e ao marxismo-leninismo durante sua existência histórica, apesar do que se possa – e deva – pensar acerca de sua visão econômica.

Milton Campos: O governador udenista de Minas Gerais, para Paim, era um liberal parlamentarista que se manteve avesso ao autoritarismo e defendeu duas medidas elogiadas pelo autor: o fim das coligações em eleições proporcionais e a cláusula de barreira de desempenho de partidos. Porém, Paim faz sua conhecida crítica à ignorância em que se manteve o udenismo acerca do sucesso keynesiano – visão que os economistas austríacos, por exemplo, tenderão sempre a contestar.

Juscelino Kubitschek: Não obstante reconheça os prejuízos financeiros e orçamentários deixados ao fim de seu governo, de índole nacional-desenvolvimentista, Paim reconhece ao presidente mineiro a capacidade de serenar o país, mesmo tendo que conter algumas rebeliões militares. Senti falta da menção à censura imposta à oposição no rádio pela cláusula R.

Carlos Lacerda: Antonio Paim me deu a honra de prefaciar meu livro Lacerda: A Virtude da Polêmica, sobre este personagem. Ele o vê como um líder liberal que fez brilhante administração no Estado da Guanabara, mas que tinha uma “obsessão antigetulista” que o fez “apostar cada vez mais nas soluções de força”. Discordo de algumas ponderações e tons adotados pelo professor neste ensaio, mas a minha visão a respeito está detalhadamente exposta em meu livro.

Castelo Branco: Paim dá o devido destaque ao militar legalista e anticastilhista que chefiou o primeiro governo após o golpe de 64. De índole mais liberal e avesso à ingerência militar nos governos, Castelo é elogiado por uma reforma nas Forças Armadas que facilitou a sua profissionalização e preparou o fim do que enxergava como uma mentalidade miliciana e “politizante” no meio militar.

Ernesto Geisel: O professor enaltece o desempenho do penúltimo presidente militar na luta para se equilibrar entre a oposição encarniçada e a “linha dura” militar, em especial do rival Silvio Frota, para empreender a abertura “lenta, gradual e segura” do regime. Não ressalta muito, o que em minha opinião deveria fazer, os excessos estatizantes de seu governo.

Roberto Campos: O autor traça uma biografia merecida do grande liberal mato-grossense de ideias modernizantes e privatistas, apontando suas críticas ao patrimonialismo e ao anticapitalismo brasileiros e sua adesão às ideias do economista austríaco Friedrich Hayek.

Tancredo Neves: Paim considera o velho mineiro que se elegeu presidente e faleceu antes de assumir como a figura que se tornou central em 1985 na abertura política do regime militar, por sua capacidade de conciliação das forças democráticas. O maior mérito de Tancredo teria sido sobrepujar uma abertura revanchista, como teria desejado fazer o PT.

Ulysses Guimarães: Paim encerra o livro com uma apreciação do “Senhor Diretas”, o homem que personificou as principais bandeiras envolvidas na gênese da chamada Nova República. Ele é apontado como o artífice da exploração da brecha aberta pelos militares para uma oposição consentida, o que teria feito por se lembrar de que no Estado Novo, sem Parlamento, não havia forças democráticas em ação para as quais confluir quando surgissem condições para o fim do sistema autoritário. Entrementes, o autor o vê como um político frustrado na maior parte de suas ambições.

Espero que essa apresentação pincelada desperte o interesse do leitor de vasculhar o texto integral de mais essa contribuição preciosa desse grande nome de nosso torrão nacional que é o professor Antonio Paim.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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