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PEC do Teto dos Gastos: Salvação ou desastre?

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O teto para os gastos públicos conforme estabelecido na PEC 241 tem sido apresentado por uns como a salvação da lavoura e por outros como o fim da atuação social do governo. Da minha parte creio que é uma medida interessante que a depender de outras ações desse e dos próximos governos pode vir a ser uma medida excelente ou desastrosa. Em primeiro lugar é preciso ter em mente que reduzir o gasto público é essencial, não há como escapar disso. A necessidade de reduzir o gasto público não é uma tese de direita ou de esquerda nem de partido A ou partido B, é uma fato da vida que nenhum governo pode ignorar. Não por acaso ano passado a então presidente Dilma Roussef nomeou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda com objetivo explícito de fazer um ajuste fiscal. Apesar de não ter feito os cortes de gasto necessários e não ter conseguido justificar o apelido Mãos de Tesoura o discurso de Levy e de Dilma era que haveriam cortes de gastos (link aqui, aqui eaqui).

A posse de Temer e a chegada de Meirelles na Fazenda não mudaram o discurso de que é necessário cortar gastos, porém a estratégia mudou. No lugar de cortes drásticos como chegou a propor Levy ainda no governo Dilma, Meirelles fez uma proposta de congelar gastos em termos reais por vinte anos deixando com que o crescimento da economia reduzisse o gasto como proporção do PIB. Repare que o ajuste de vinte anos proposto por Temer e Meirelles é bem menos drástico que o ajuste proposto por Dilma e Levy, aliás é muito provável que a proposta tenha sido apresentada por conta das lições aprendidas com o fracasso de Levy.

Qualquer avaliação honesta da proposta de teto para o gasto por vinte anos deve levar em conta que a proposta impõe menos sacrifícios, pelo menos no curto prazo, do que a estratégia de Dilma e Levy. Considere os casos da educação e saúde que tanto tem ocupado espaço na imprensa. Nos últimos anos do governo Dilma estavam ocorrendo cortes de gastos na educação (link aqui), agora, no lugar dos cortes, se a regra for aplicada à educação, o que haverá é um congelamento. A troca de corte por não aumento já é um risco para a nova estratégia, não se temos tempo para esperar pelo ajuste.

Pelo lado positivo se a regra for de fato implementada o potencial de contenção de despesa é significativo. A figura abaixo mostra a despesa primária do governo central (dados da STN) como proporção do PIB e como estaria esta mesma despesa com a mesma trajetória do PIB e caso o teto tivesse sido imposto no começo do segundo mandato de FHC (1999), no começo dos dois mandatos de Lula (2003 2 2007) e no começo do mandato de Dilma (2011). Se FHC tivesse implementado a política proposta por Temer a despesa primária hoje seria 7,47% no lugar dos atuais 19,6% e o Brasil seria exemplo de equilíbrio fiscal para o mundo. Se Lula tivesse colocado o teto em seu primeiro mandato a despesa primária hoje seria de 8,96%, também um bom exemplo para o mundo. Caso Lula tivesse colocado o teto no começo do segundo mandato a despesa primária seria 10,94% do PIB, ainda um bom número. Se Dilma tivesse colocado o teto no começo de seu primeiro mandato a despesa primária estaria em 16,05%, um bom número se considerarmos o cenário atual.

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A questão do teto em 2011 traz um ponto curioso. De 2011 para cá a maior parte do funcionalismo público recebeu reajustes menores que a inflação, em média 5,5% ao ano para uma inflação sempre acima de 6% ao ano com mais de 10% em 2015. Na prática servidores públicos estão tendo redução de salários reais desde 2011, uma proposta que garantisse reajustes iguais à inflação, não é a proposta de Temer, teria garantido aos servidores um salário maior que os obtidos com os reajustes dados por Dilma.

Além de desmascarar o cinismo dos que eram contra greves no serviço público até maio deste ano e ficaram favoráveis à greve por conta de uma medida que, em tese, pode gerar maiores aumentos de salários e mais recursos para saúde e educação do que a política que vinha sendo tocada por Dilma, o exemplo do parágrafo acima mostra porque a o teto dos gastos pode ser uma medida desastrosa. Se a medida manter o espírito original de colocar um teto no gasto como um todo pode ser um excelente instrumento para o ajuste fiscal, porém, se o governo ceder às pressões que certamente vai receber e começar a fatiar o teto a medida pode se tornar desastrosa.

O primeiro risco vem do funcionalismo. Caso a medida seja aprovada é quase certo que os sindicatos vão pedir aumentos iguais à inflação alegando que tais aumentos estariam dentro do teto do gasto. Isso não é verdade, como existe um crescimento vegetativo do gasto real por conta de pessoas que se aposentam, funcionários que são promovidos e coisas do tipo se o governo corrigir todos os pagamentos que faz pela inflação o gasto aumentará mais que a inflação. O governo vai conseguir explicar isso para a sociedade quando os sindicatos pedirem correção de salário igual a correção do teto? Se os salários do funcionalismo passarem a ser corrigidos pela inflação vai por terra o esforço de reduzir o salário real dos servidores públicos, o que vinha ocorrendo para a maior parte das categorias desde 2011 e para quase todas desde 2015.

A lógica vale para outros fatiamentos. De fato, quanto mais fatiada a medida for menos eficaz e mais perigoso vai ficar. Um fatiamento que garanta reajuste pela inflação de salários, aposentadorias e gastos sociais, incluindo saúde e educação, pode ser suficiente para nos deixar em uma situação pior do que a situação que estamos. Trazer de volta indexação é algo que definitivamente não precisamos e não deveríamos desejar, o teto amplo não necessariamente significa a volta da indexação, o fatiamento do teto significa.

Outro ponto perigoso da PEC do teto é que o governo pressione o Banco Central para ser tolerante com inflação de forma a permitir que o governo conceda reajustes nos gastos destinados a grupos de interesse. Conceder ao Banco Central nos moldes da que o Ministério Público ou mesmo as Universidades Federais possuem reduziria muito esse risco.

Se bem implementado e se o governo resistir ás pressões dos grupos de interesse a PEC dos gastos pode ter um efeito similar ao Plano Real no sentido de mudar os rumos de nossa economia e mesmo de nossa sociedade. Obrigar políticos a fazer promessas dentro de um orçamento fixo pode ser melhor para o Brasil do que qualquer das reformas políticas que estão sendo debatidas no Congresso. No lugar de prometer tudo para todos os partidos e seus candidatos terão de dizer quais são suas prioridades, só isso já vale o risco de aprovar a PEC dos gastos. Se além disso o teto de fato funcionar e o gasto começar uma trajetória de queda como proporção do PIB é possível resolver nossos problemas de curto e médio prazo antes do gasto chegar no patamar ideal criando um círculo virtuoso de queda dos juros, aumento do PIB e redução do tempo necessário para colocar o gasto em um patamar razoável dado o tamanho do nosso PIB, abusando um pouco é possível até ver espaço para queda de impostos. Com os problemas de médio e curto prazo controlados podemos passar a discutir as reformas e os problemas de longo prazo de nossa economia, o documento “Ponte para o Futuro” do PMDB de Temer seria um bom ponto de partida.

No fim tudo vai depender da determinação deste e dos próximos governos em manter o gasto controlado. Se o leitor não acredita veja o que escreveram Henrique Meirelles, Ministro da Fazenda, e Dyogo Oliveira, Ministro do Planejamento:

Tal limitação levanta importante questão a respeito do Novo Regime Fiscal. Ele não é um instrumento que resolverá todos os problemas das finanças públicas federais. As regras aqui propostas só funcionarão se forem bem utilizadas por um governo imbuído de responsabilidade fiscal. A experiência do passado recente mostra que não há regra de conduta fiscal que seja blindada contra intenções distorcidas, mas o desenho institucional desta PEC dificultará no período de sua vigência o aumento da despesa primária do governo central.

É isso. Como todo bom instrumento a PEC 241 só vai funcionar se for bem utilizada, se mal utilizada pode ser desastrosa. Sei que é um pouco frustrante chegar a uma conclusão desse tipo, mas não vejo outra possível. Se serve de consolo a questão está clara para a equipe econômica, isso é um alento para quem passou uma década tendo de aguentar mentira óbvias de uma equipe econômica que parecia acreditar que mentir é a melhor forma de ganhar confiança dos outros.

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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