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O “tiro no pé” sindical: Motoristas do Uber querem direitos trabalhistas

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Ricardo  Bordin*

O jornal Extra informou ontem, em sua versão digital, que “Motoristas do Uber ameaçam ir à Justiça por direitos trabalhistas”, a exemplo do que já ocorre nos Estados Unidos, sob a alegação de que esta prestação de serviço configura relação de emprego – e daí adviriam diversas obrigações patronais, como concessão de férias, pagamento de 13º salário, e tudo o mais previsto em nossa legislação. A discussão jurídica ainda vai render bastante, mas o ponto central da celeuma, a meu ver, deveria ser outro: quais seriam as consequências práticas de condenar o UBER a registrar todos os motoristas cadastrados como empregados? E a quem elas beneficiariam de fato?

Comecemos por analisar a viabilidade da petição em questão: seria possível considerar, à luz do ordenamento jurídico pátrio e da jurisprudência dominante, que estariam presentes os pressupostos que caracterizam a relação de emprego – positivados em nosso Direito nos artigos 2º e 3º da CLT? Acredito que sim, muito embora dificilmente tal entendimento venha a ser unânime entre juristas. Conceber a adesão dos empregados ao regulamento estabelecido pela empresa como Subordinação, ou o fato de que não pode o motorista se fazer substituir por outro trabalhador no desempenho da atividade como Pessoalidade, são linhas de interpretação que provavelmente serão adotadas pelos magistrados a quem venham a se distribuídos os referidos pleitos – e que irão, por conseguinte, favorecer aos litigantes.

Todavia, esses mesmos elementos estão presentes, por exemplo, na relação de trabalho dos árbitros de competições esportivas com as federações e confederações a quais são filiados, ou, melhor ainda, entre os motoristas de táxi e os detentores das correspondentes licenças municipais. E por que, então, estes trabalhadores não acionam o Judiciário em busca de reconhecimento da relação empregatícia? E, quando o fazem, têm seus pedidos rotineiramente indeferidos?

Frederick Hayke afirmava que “no conflito entre os vários grupos de pressão não prevalecem, necessariamente, os interesses dos grupos mais pobres e mais numerosos”. Eis aí o X da questão: como é deveras oneroso manter empregados com carteira assinada no Brasil (especialmente em função dos encargos, como INSS e FGTS), resta aos empregadores buscarem formas de fugir de tais obrigações, apelando, claro, para os legisladores. E enquanto determinados “grupos de pressão” logram êxito nesta empreitada, os demais cidadãos precisam arcar com o peso destes privilégios concedidos aos amigos do Rei.

Vejamos primeiramente a questão dos árbitros: a lei 9.615/1998, conhecida como “Lei Pelé”, prescreve, no parágrafo único do artigo 88, que “Independentemente da constituição de sociedade ou entidades, os árbitros e seus auxiliares não terão qualquer vínculo empregatício com as entidades desportivas diretivas onde atuarem, e sua remuneração como autônomos exonera tais entidades de quaisquer outras responsabilidades trabalhistas, securitárias e previdenciárias”. Pronto: as federações esportivas estão livres das amarras trabalhistas. Observando os escândalos recentes que atingiram a CBF e também outras entidades desportivas, pode-se imaginar que métodos foram utilizados para convencer o Estado a conceder-lhes tal isenção.

Agora analisemos porque os motoristas de táxi não são considerados empregados dos detentores das autorizações municipais. Observe-se este trecho de um julgado do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, proferido em 2011: “Taxista que trabalha nos moldes da Lei 6094/71 e cuja forma autônoma de atuar é confirmada pelos elementos de prova colhidos, não pode ser declarado empregado nos moldes do artigo 3º da CLT. Incidência do princípio da primazia da realidade, que impede o reconhecimento de vínculo empregatício a trabalhador que não se encontra juridicamente subordinado ao dono do carro, apenas trabalhando em regime de colaboração com este, tal como previsto na citada Lei que regulamenta a atividade e que inclusive define, de forma expressa, o caráter autônomo de situações como a dos autos”. Pois é: a referida lei concede aos proprietários de licenças de táxi esta salvaguarda contra a CLT, garantindo-lhes uma espécie de imunidade contra ações judiciais. E o círculo de amigos do Rei vai aumentando – assim como a parcela de riqueza sugada do restante da sociedade para manter estes amigos contentes.

Resta saber se o Uber também logrará conseguir um tratamento diferenciado dos demais empregadores, mas não parece ser esta a tendência. Ao contrário, os taxistas tem levado vantagem nesta queda de braço em diversas cidades do Brasil, onde o Uber já foi regulamentado, como em São Paulo. Como resultado, temos o encarecimento do serviço, por óbvio, e um malefício ainda pior é gerado: dinheiro que circulava na mão dos cidadãos é canalizado para órgãos públicos, notadamente mais ineficientes (e desonestos) que os investidores da esfera privada. É a questão do custo de oportunidade: se os consumidores seguissem pagando menos pelo transporte urbano, tal qual estava ocorrendo antes da regulamentação, eles iriam gastar estes recursos economizados (ou mesmo poupá-los, aumentando a oferta de crédito e contribuindo para a redução das taxas de juros) em outros produtos e serviços, girando a roda da economia de forma muito mais eficaz. Como diria Bastiat: o que se vê, após a regulamentação, são taxistas sorridentes (mas nem tanto, vez que eles ansiavam por mais privilégios); o que não se vê é o empobrecimento geral que tal medida causa – e que gera, inclusive, desemprego.

Digamos, então, que o Uber seja obrigado a assinar a carteira de todos os seus motoristas. Isso vai representar, necessariamente, uma melhoria em suas vidas? Contar-lhes-ei uma história que ouvi de um amigo, ano passado:
Meu irmão, que é engenheiro, estava sendo contratado por uma grande empresa canadense. O diretor que o entrevistava apresentou a proposta de emprego: “O senhor vai ter 20 dias de férias e feriados (isso mesmo, os feriados são deduzidos das férias!), stock options, salário de 90 mil dólares canadenses por ano…” Nisso, meu irmão gentilmente o interrompeu: “Senhor, desculpe-me, mas minha família reside no Brasil e eu gostaria de ter 30 dias por ano de descanso…” Impassível, o diretor fez algumas contas rapidamente e emendou: “OK, o senhor terá 30 dias de férias e feriados, salário de CAD 87 mil por ano…

Moral da história: do couro sai a correia. Qualquer empresa possui uma determinada capacidade financeira com a qual pode remunerar seus empregados, e tanto faz se o fará por meio de dezenas de verbas trabalhistas criadas por governantes populistas ou se, simplesmente, vai entregar tudo na mão do empregado como salário. Quando o trabalhador vai até o mercado fazer compras, o comerciante não quer saber se o pagamento saiu do 13º, das férias, das horas extras; ele só quer ouvir o “tin-tin” na máquina registradora. E assim deveria também pensar o brasileiro.

Ou seja, se o Uber for obrigado a contratar como motoristas todos os cadastrados, e passar a cumprir todas as imposições legais próprias, certamente precisará dispensar uma grande parcela destes profissionais – isso se suas atividades não forem inviabilizadas por completo. Direitos trabalhistas são altamente custosos para a produção e roubam nossa competitividade. E sem competitividade, não há emprego. Em suma, as infindáveis lutas por melhorias no meio sindical são, na verdade, um tiro no pé. Se a empresa não pode negociar reduções, demite. E não será diferente desta vez.

Mas como melhorar então o rendimento dos motoristas autônomos que fazem uso de aplicativos para conectar-se a seus clientes? Ora, basta o Estado brasileiro parar de embarreirar a entrada destes aplicativos no mercado. Diversas outras iniciativas do gênero tem surgido no Brasil, e todas essas empresas precisarão disputar a mão de obra dos motoristas – o que irá levar, inevitavelmente, à elevação dos ganhos destes. A demanda por esta mão de obra aumenta em relação à oferta, aumentando, naturalmente, o preço do trabalho (o bom e velho salário). Não percamos de vista que os motoristas podem, inclusive, ficar cadastrados em mais de um aplicativo, e, como não há jornada de trabalho estipulada, trabalharem mais horas para aquele que lhe oferecer mais benefícios – o que pode variar com o tempo, em virtude da disputa entre os aplicativos e do decorrente oferecimento de estímulos. Nada os impede de colocarem o Uber no off e ficarem atendendo as chamadas do WillGo, se assim lhes for mais oportuno; ou vice-versa.

Conheço pessoas que trabalham como motoristas do Uber. Algumas complementam a renda familiar dirigindo por algumas horas diárias. Outras sustentam a família com esta atividade porque perderam o emprego após o estouro da bolha financeira gerada pelo PT e suas pedalas fiscais “desenvolvimentistas”. E o mais curioso: há aquelas que costumavam ser motoristas de táxi e preferiram migrar para o Uber. Sinal de que a coisa não é tão ruim quanto parece. Eu não ficaria surpreso, inclusive, se vier à tona que tais pessoas que pleiteiam ingressar com medidas judiciais contra o aplicativo de transporte fossem apenas “laranjas” infiltrados pelas máfias do táxi, a fim de complicar a vida da concorrência. Livre mercado, afinal, é interesse da sociedade, e não de malandros que adoram uma reserva de mercado.

E ainda que não seja este o caso, e que haja, sim, muitos insatisfeitos, acredito que assim o seja devido à mentalidade paternalista da maior parte de nossa população. Seria mais vantajoso para todos (motoristas, Uber e usuários) que estes passassem a ver a si próprios como franqueados – e, como tais, podem obter maiores lucros se prestarem melhores serviços, ou podem ser descredenciados se não cumprirem as normas do franqueador. Pergunte no MC Donald’s mais próximo se assim não é a vida do proprietário.

Encerro a argumentação lançando mão, uma vez mais, da obra de Frederick Hayke, sob medida para este imbróglio:
Enquanto, num país, o movimento socialista estiver intimamente ligado aos interesses de um grupo particular, em geral constituído pelo operariado das categorias mais especializadas, será bastante simples criar uma opinião comum quanto ao status desejável dos diferentes membros da sociedade. A primeira preocupação do movimento será elevar o status de um grupo acima do dos outros grupos. O problema, todavia, muda de caráter à medida que, na marcha progressiva para o socialismo, evidencia-se para o indivíduo que sua renda, e de um modo geral sua posição, são determinadas pelo mecanismo coercitivo do estado e que ele só pode manter ou melhorar essa posição como membro de um grupo organizado capaz de influenciar ou controlar a máquina estatal”.

 

Sobre o autor: Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho, e no exercício da profissão constatou que, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, os verdadeiros exploradores da população humilde NÃO são os empreendedores. Formado na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR) como Profissional do Tráfego Aéreo e Bacharel em Letras Português/Inglês pela UFPR. Também publica artigos em seu site: https://bordinburke.wordpress.com/ 

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