O retrato da justiça brasileira
JOÃO LUIZ MAUAD *
O Ministro Celso de Melo está com uma batata quente nas mãos. Ele vai decidir se os “mensaleiros”, contra a vontade da imensa maioria da nação, terão ou não direito aos chamados recursos infringentes, os quais, resumidamente, equivalem quase a um novo julgamento.
Infelizmente, este imbróglio no STF, algo sem pé nem cabeça para qualquer cidadão de país civilizado, é o retrato da justiça brasileira, onde sobram leis, normas e regulamentos, muitas vezes contraditórios entre si, tornando os resultados sempre incertos e dependentes dos humores dos julgadores. No caso em tela, qualquer que seja o voto do Ministro Celso de Melo (um homem honrado, diga-se de passagem), ninguém poderá dizer que está julgando à revelia da lei.
Uma das grandes conquistas da humanidade é o que comumente chamamos de “Império da Lei”, um conjunto de princípios básicos de justiça e do devido processo legal que regem a aplicação do poder. Richard Epstein explica que, num estado de direito, o Império da Lei exige que todas as disputas – não importa se entre particulares ou entre partes pública e privada – sejam julgados por juízes neutros, ao abrigo de regras conhecidas antecipadamente. Cada parte deve ter conhecimento prévio da acusação contra ela e a oportunidade de ser ouvida em resposta. Além disso, cada regra deve ser compatível com todas as outras, de modo que nenhuma pessoa seja obrigada a violar uma norma legal a fim de satisfazer outra. Nos países desenvolvidos, o respeito a esses princípios tem tornado a economia mais forte e os cidadãos mais livres.
No Brasil, isso não acontece. Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), desde 5 de outubro de 1988 (data da promulgação da atual Constituição Federal), até 5 de outubro de 2012 (seu 24º aniversário), foram editadas 4.615.306 normas que regem a vida dos cidadãos brasileiros. Isto representa, em média, 788 por dia útil.
Trata-se de um evidente exagero, alimentado por uma lógica perversa segundo a qual a eficiência de políticos e burocratas seria diretamente proporcional à quantidade de leis editadas, ainda que amplamente desrespeitadas.
Diante dessa voracidade legiferante, resulta impossível a qualquer um conhecer o inteiro teor de uma determinada legislação. A existência de direitos e deveres pouco nítidos transforma os brasileiros em personagens kafkianos, reféns de processos burocráticos absurdos e totalmente vulneráveis à ação de agentes públicos mal intencionados. Em resumo, é isso que os especialistas chamam de insegurança jurídica.
Por isso, os liberais defendem que as normas devem ser poucas, simples e objetivas, a fim de facilitar não só a sua aplicação como também a fiscalização. Se não for assim, advogados competentes e julgadores sem escrúpulos sempre acabarão encontrando, na própria legislação, brechas que livram a cara de eventuais infratores. Esperemos que este não seja o caso, pelo manos desta vez.
* ADMINISTRADOR DE EMPRESAS