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O problema da “solução final”

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solucaofinalDiante dos problemas que enfrentamos, existe um sentimento muito natural de que precisamos “cortar os males pela raiz”, estabelecer uma “solução final”, definitiva. De acordo com essa mentalidade, não vale a pena se limitar a atacar as ramificações, os desdobramentos de um estorvo; é preciso aplicar-lhe um golpe fatal e definitivo, que não lhe deixe possibilidades de se manifestar ou se adaptar a novas circunstâncias. O princípio parece sábio, mas as consequências, se falamos em termos absolutos, podem ser trágicas.

Em primeiro lugar, esse raciocínio pode conduzir à inércia. Concluem muitos que, se você não pode resolver absolutamente tudo e eliminar todas as possíveis fontes de dificuldades, melhor é cruzar os braços e deixar o mundo se afundar. Se não pode fazer tudo, não faça nada – é justamente isso que o político Whig irlandês Edmund Burke considerava o maior erro que alguém poderia cometer. Na delicada realidade política atual do Brasil, esse argumento tem sido usado para justificar os posicionamentos mais covardes e reticentes. É o caso, por exemplo, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que vem sendo apontado por colegas de partido como um dos mais hesitantes diante da tomada de posições mais duras contra o governo Dilma Rousseff, como o possível impeachment. Fernando Henrique, com o Plano Real, a nosso ver, já tem garantido o seu lugar na História. Mesmo seu mandato merece críticas, mas entendemos seja imperioso reconhecer que lançou mão de recursos que antecessores não se encorajaram a empregar, e criou um ambiente de economia mais saudável para o Brasil. No entanto, quando é chamado pela mesma História, uma vez mais, a fazer jus a isso, suas simpatias sociais democratas basicamente europeias acabam por fazer com que “respeite” o petismo muito além do que mereceria. Julgando-se, talvez, muito nobre, acima das lutas políticas que os brasileiros vêm travando – a partir da VERDADEIRA e valente oposição -, FHC procura salvaguardar seu esquerdismo difuso e pedante tratando o adversário com condescendência, insistindo em um “concurso de socialismo” que, de antemão, não pode vencer. E usa a “desculpa”: se tirarmos Dilma, se por acaso nossas iniciativas a levarem a cair, entra o Temer no lugar. Que ganhamos com isso? Entre Burke e FHC, sou mais Burke, que provavelmente responderia: “apenas cumpra seu dever de oposicionista! O senhor não pode, nem é sua missão fazer isso, solucionar todos os problemas do seu país. Não pode eliminar todas as mazelas e dificuldades de uma sociedade bem mais antiga que o senhor. Se o senhor pode, entretanto, fazer com que, em algum ponto, a justiça se cumpra; se o senhor pode evitar que uma legenda autoritária se adense sobre o seu país e se perpetue no poder; se o senhor pode, afinal, aplicar a ela um golpe moral certeiro, é sua OBRIGAÇÃO agir!”

Já dizia Hayek, o respeitado economista da Escola Austríaca, que é uma arrogância fatal pretender que um grupo de pessoas ou de intelectuais possui o saber suficiente para programar todo o desenvolvimento social, para aparar todas as arestas, para eliminar todos os conflitos; que isso, a História soberana demonstra, “conduz às piores catástrofes”. Nisso reside o outro problema da solução final, exatamente oposto ao primeiro e ainda mais terrível: em vez de nada fazer, tentemos, então, fazer TUDO! A expressão hayekiana é uma das mais felizes que conheço; o que move esse tipo de conclusão é, precisamente, a arrogância. A arrogância de quem pretende, movido pela mais atrevida imaturidade, revolver toda a estrutura social e eliminar por completo e à força alguma das instituições ou elementos desenvolvidos espontaneamente pela sociedade – por exemplo, o “capitalismo” ou o “Cristianismo” –, gera as consequências mais tenebrosas, como aquelas a que lamentamos ter assistido no século XX. Afinal de contas, os ignorantes costumam ter respostas prontas para tudo e conhecem tudo, por oposição aos sábios, que reconhecem os limites imensos do próprio conhecimento. Estes últimos não ousariam ser eles mesmos a apresentar essa “solução final”, essa grande panaceia perfeita que nenhuma cabeça humana isolada poderia se sentir no direito de impor à coletividade.

Por aí começam todos os excessos e extremismos a serem combatidos, não importando sob que rótulo se apresentem; digam-se de “direita” ou de “esquerda”, digam-se amantes deste ou daquele regime de exceção, desta ou daquela ditadura, seu desejo é eliminar o outro, cuja existência os “incomoda”. É a consequência última desse perigoso raciocínio; não adianta aparar arestas na medida em que elas aparecem. Não adianta travar os embates democráticos e não-violentos, dentro de uma ordem civilizada; não adianta apenas competir através do debate, apenas negociar. É preciso eliminar toda a divergência, todo o enfrentamento, todos os obstáculos – que, não passa pela cabeça de quem pensa dessa maneira, são importantes para nos fazer crescer. Só se pode chegar a esse resultado iluminado se você perseguir, matar, proibir, vedar ao diferente o direito à existência.

São essas as duas alternativas que Burke, novamente ele, disse que precisávamos rejeitar: “destruir completamente as instituições ou deixá-las subsistir sem nenhuma reforma”. Aqui, como diria o Buda, vale a regra do Caminho do Meio. Entre as duas problemáticas escolhas, norteadas pela ideia da “solução final”, a da inércia e da omissão traz alguma responsabilidade pelo sangue e sofrimento que poderiam ser evitados se algo fosse feito. Sobre a outra, da ação radical direta, nem é preciso comentar. Ela foi tentada, certa vez, em nome dessa mesma “solução final”, por um grupo político que via em um povo inteiro a peste a ser exterminada. Hermann Goering, em 1941, autorizou o início das preparações para a implementação da chamada “solução final para a questão judaica”. O resultado? Algumas das cenas mais horrorosas que a humanidade já conheceu.

Resolvamos nossos problemas dia a dia, vez por vez, cientes de que, como diria o ex-presidente americano, Ronald Reagan, a liberdade é algo por que se luta sempre, a cada geração. Sem a luta constante e vigilante, não há garantias de que ela não será cedida em troca do primeiro tirano populista que despontar. Nossa condição humana não nos permite conhecer uma “solução final”; aquele que a pretender apresentar, meus amigos, fujamos dele.

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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