O malabarismo do Copom
RODRIGO CONSTANTINO*
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Nesta quinta-feira foi divulgada a ata do Copom – Comitê de Política Monetária, da reunião que decidiu por uma queda mais acelerada na taxa básica de juros (Selic). O que se extrai da ata é aquilo que já era esperado por alguns economistas: o Copom forçou a barra para derrubar mais rápido o juro, sem o devido respaldo técnico para tanto.
A inflação acumulada segue em patamares elevados, acima da meta do Banco Central. A inflação esperada pelo mercado, para 2012 e 2013, também está acima da meta. É verdade que a economia brasileira se desacelerou nos últimos meses. Mas o mercado de trabalho segue aquecido, em pleno emprego na verdade, enquanto o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) da indústria de transformação continua firme, perto de 83%. Em outras palavras, a economia nacional está sem “slack”, sem capacidade ociosa que permita uma retomada da atividade sem pressionar a inflação.
O Copom tentou justificar sua medida com base no cenário externo. A hipótese adotada admite que “a deterioração do quadro internacional cause um impacto sobre a economia brasileira equivalente a um quarto do impacto observado durante a crise internacional de 2008/2009”. Se os dados internacionais melhorarem, como foi o caso nos EUA recentemente, o Copom ficará em uma sinuca de bico.
Curiosamente, o Copom reconhece, ao menos no discurso, que é uma falácia aceitar um pouco mais de inflação para ter mais crescimento. A ata é clara ao afirmar que as taxas elevadas de inflação “não trazem qualquer resultado duradouro em termos de crescimento da economia e do emprego, mas, em contrapartida, trazem prejuízos permanentes para essas variáveis no médio e no longo prazos”. O problema é que, na prática, a política de juros tem permitido justamente mais inflação para estimular a economia. E o que é pior: o PIB não parece reagir conforme o esperado pelo governo.
O BNDES foi alvo de uma crítica indireta no parágrafo 27: “[…] o Comitê considera oportuna a introdução de iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito”. O problema é que, novamente, a prática mostra algo bem diferente. O governo Dilma, com Guido Mantega no controle da economia, tem avaliado constantemente a possibilidade de novos aumentos de capital no BNDES, para conceder ainda mais crédito subsidiado aos grandes grupos nacionais.
Mas eis onde todo o malabarismo lingüístico do Copom fica evidente, para justificar o injustificável: “Em suma, desde a última reunião do Copom, o cenário central para a inflação evoluiu, em linhas gerais, conforme então esperado pelo Comitê, que, desta forma, não detecta mudanças substantivas nas estimativas para o ajuste total das condições monetárias subjacentes a esse cenário. À vista disso, dois membros do Comitê ponderam que seria oportuna a manutenção do ritmo de ajuste da taxa Selic. Entretanto, a maioria argumenta que desenvolvimentos como os mencionados no parágrafo anterior recomendam, neste momento, redistribuição temporal do ajuste total das condições monetárias como a estratégia mais apropriada” (meu grifo).
Traduzindo, ou tentando traduzir: tudo ocorreu dentro do esperado, sendo que a inflação atual e esperada está acima da meta do Copom, mas a maioria resolveu que era adequado acelerar a queda de juros logo de uma vez. Por quê? Não se sabe ao certo. O Copom parece trabalhar com uma meta de juros, não de inflação. Esta meta, como fica claro na ata, é de algo bem perto de 9%. E o Copom resolveu, a despeito de todos os dados dentro do esperado, partir logo para esta meta em prazo mais curto. Só Deus sabe o porquê desta mudança!
Eis uma hipótese: a presidente Dilma andou falando no “tsunami monetário”, e novas medidas protecionistas foram adotadas. Com o cenário externo do jeito que está, com taxa de juros negativa em termos reais, há uma enxurrada de recursos para países emergentes como o Brasil. O câmbio se valoriza, e a indústria reclama. Como o governo não faz uma única reforma estrutural para reduzir o velho Custo Brasil (e a Presidente ainda descartou qualquer chance de reforma trabalhista), resta partir para medidas paliativas para acalmar os industriais. Protecionismo, subsídios do BNDES e queda de juros na marra, eis o que resta como opção. E às favas com o controle da inflação!
O Copom deixa claro que conta com um “permanente” fluxo de poupança externa para financiar nosso crescimento, uma vez que falta poupança doméstica (o governo arrecada muito e gasta muito). Eis o que diz o parágrafo 34: “O Copom também pondera que têm contribuído para a redução das taxas de juros domésticas, inclusive da taxa neutra, o aumento na oferta de poupança externa e a redução no seu custo de captação, as quais, na avaliação do Comitê, em grande parte, são desenvolvimentos de caráter permanente” (meus grifos). Atentai para o uso deliberado do termo “permanente”. Os estrangeiros sempre estarão dispostos a investir no Brasil. Parece uma premissa bastante arrojada, para dizer o mínimo.
Até quando esta perigosa brincadeira pode durar? Ninguém sabe ao certo. O que podemos afirmar com maior grau de convicção é que o governo parece um adolescente bêbado riscando fósforos em um paiol repleto de pólvora. Para esta ousada (ou irresponsável) aposta “dar certo” (leia-se não explodir no curto prazo), o cenário externo tem que permanecer como está por muito mais tempo. O governo vai testar até onde pode levar a taxa de juros real no Brasil, contando com a negligência dos agentes econômicos, amarrados pelas igualmente irresponsáveis medidas do Fed, BCE, Bank of England e Bank of Japan. Nunca foi boa desculpa fazer besteira só porque o vizinho também faz.
*DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL
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