O Liberalismo
ALCIDES LEITE*
O liberalismo, filosofia política baseada no ideal de liberdade, ganhou corpo como movimento político durante a época do Iluminismo, quando se tornou popular entre filósofos e economistas do mundo ocidental. O liberalismo rejeitava noções, comuns naquela época, de privilégio hereditário, religião de Estado e monarquia absolutista.
John Locke, filósofo do século dezessete, tido como um dos fundadores do liberalismo, defendia que cada pessoa tem direito natural à vida, à liberdade e à propriedade e que, de acordo com um contrato social, os governos não podem violar esses direitos.
O verbete sobre liberalismo da enciclopédia de filosofia da Universidade de Stanford afirma que os liberais têm como Princípio Fundamental que a liberdade é a norma, e o ônus da prova cabe àqueles que desejam limitá-la. Como conseqüência disto, o exercício da autoridade política e da ordem legal, na medida em que limitam a liberdade dos cidadãos, devem ser justificados. Os liberais discordam, no entanto, sobre a extensão do conceito de liberdade e, conseqüentemente, sobre as tarefas do Estado na proteção da liberdade.
O conceito de Liberdade Negativa, desenvolvido por Isaiah Berlin, afirma que alguém só é livre quando nenhuma pessoa ou grupo de pessoas interfira injustificadamente em suas atividades. A liberdade, portanto, depende da ausência de coerção alheia. O Estado ideal deve assegurar que um cidadão não exerça coerção sobre outro sem uma justificativa convincente. A liberdade negativa é um conceito-oportunidade: ser livre é uma questão sobre o que podemos fazer, que opções são possíveis para nós, independentemente de exercemos ou não estas opções.
A concepção de Liberdade Positiva, desenvolvida pelos neo-hegelianos britânicos do final do século XIX e início do século XX, defende que uma pessoa é livre somente se ela é autônoma, senhora de suas escolhas. Esta concepção, baseada na autonomia, é frequentemente utilizada em conjunto com outra noção de liberdade positiva: liberdade como efetivo poder de agir de acordo com a vontade. Nesta visão, por exemplo, uma pessoa que não está proibida de ser membro de um clube de campo, mas que é muito pobre para tornar-se membro, não é livre para ser membro. Neste sentido, a liberdade positiva é um exercício-conceito que liga a liberdade ao domínio de si mesmo e à disponibilidade de recursos materiais. Assim, o governo ideal é aquele que garante igualdade de oportunidades para todos.
Uma noção mais antiga de liberdade, que tem raízes nos escritos de Cícero e Maquiavel, é a noção republicana. Nesta visão, o oposto de liberdade é dominação (líber se contrapõe a servus). O governo ideal, então, seria aquele que garante que ninguém, inclusive ele próprio, tenha poder arbitrário sobre os cidadãos. O meio pelo qual isto se torna possível é a igualitária distribuição do poder, onde cada um tem o poder de impedir o outro de interferir arbitrariamente em suas atividades.
A teoria política liberal, portanto, tem diferentes visões sobre o conceito de liberdade. Mas sua mais importante divisão diz respeito ao lugar da propriedade privada e da ordem do mercado.
Para os liberais clássicos, liberdade, propriedade privada e livre mercado estão intimamente ligados. O sistema econômico, baseado na propriedade privada, seria o único compatível com a liberdade individual. Se as pessoas não são livres para realizar contratos e vender seu trabalho, elas não são realmente livres. Por outro lado, a propriedade privada seria o único meio efetivo de proteção da liberdade. A distribuição do poder que resulta da economia de livre mercado, baseada na propriedade privada, protege a liberdade do indivíduo frente ao poder do Estado. Como argumenta Hayek: “não há liberdade de imprensa se os instrumentos de impressão estão sob o controle do Estado, não há liberdade de reunião se as salas necessárias para a reunião são controladas, não há liberdade de movimento se os meios de transporte são monopólio do governo”.
O liberalismo conhecido como ‘revisionista’, que surgiu no final do século XIX, era mais intervencionista. Na época, a capacidade do livre mercado de sustentar o equilíbrio econômico estava sendo fortemente questionada. A crença em que a propriedade privada baseada na economia de mercado poderia ser instável, como argumentou Keynes, gerando uma situação de alto desemprego, levou os novos liberais a colocar em dúvida se esta seria uma base sólida para uma sociedade livre. O papel desempenhado pelos governos para superar as dificuldades geradas pelas duas guerras mundiais e pela crise de 29 também influenciou o ‘novo liberalismo’. Esta reavaliação do papel do Estado foi estimulada pela democratização dos países ocidentais, e a convicção de que, pela primeira vez, os governantes eleitos passaram a ser verdadeiros representantes da comunidade. Os governos tornaram-se mais e mais genuinamente governos populares dirigidos pelo próprio povo.
Como vimos, há divergências entre os liberais em relação à extensão do conceito de liberdade e sobre o papel do Estado e da propriedade privada. Todos, no entanto, afirmam que o indivíduo, agindo livremente, deve ser o princípio de todo sistema político. Hoje, quando vemos a liberdade individual ser cerceada em várias partes do mundo, assume ainda maior importância o conhecimento e a difusão do ideário liberal.
* ECONOMISTA, professor da Trevisan Escola de Negócios