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O fim do capitalismo e o mau uso da modelagem

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LUIZ ZOTTMANN*

Como bem sabe qualquer ser pensante ou aspirante a filósofo, a lógica está na essência da formulação de quaisquer relações de causa e efeito que procurem explicar até mesmo a origem do universo. Nada de diferente se poderia esperar, portanto, na formulação de teorias econômicas, sejam elas expressas apenas em palavras ou em palavras/equações.

Muito úteis por sua concisão, pela fácil identificação da lógica e consistência das relações de causa e efeito neles embutidos, pela elegância de sua apresentação, por facilitar a avaliação da plausibilidade das hipóteses neles admitidas, e por conferir aos que os utilizam a fama de verdadeiros gênios, os modelos matemáticos na formulação de teorias econômicas vêm se popularizando a cada dia.

Só que, não raro, eles são empregados para dar como verdades incontestáveis afirmações do tipo: dois mais dois são cinco.

É o caso do modelo utilizado no trabalho intitulado “Por que o Capitalismo vai terminar?“, de João Carlos Holland de Barcellos, disponibilizado no site Fórum Consciência**, e pelo qual seu autor busca explicar matematicamente um suposto fim do capitalismo. 

Será, portanto, sobre a consistência, o realismo e a coerência das hipóteses nele consideradas que concentraremos nossa atenção.

Como foi apresentado em partes, o mesmo faremos nesta análise.

Na primeira parte, o autor se limitou a conceituar o lucro, as receitas e as despesas de uma empresa capitalista, valendo-se de três equações.

Uma define o lucro (L) como sendo a diferença entre as receitas (R) e as despesas (D). Outra diz que as receitas (R) são compostas pela soma das vendas aos empregados de todo o sistema capitalista (VT) com as vendas a outras empresas do sistema capitalista (VF) e com as vendas externas ao sistema não capitalista (EXT). A terceira reza que as despesas (D) serão a soma dos salários pagos aos empregados da empresa (S) com os gastos na aquisição de insumos (C).

Nada de estranho até aqui. A não ser por dois detalhes.

O primeiro é o de que as três equações nos dizem apenas como calcular os lucros. Não como gerá-los. Nada trata, portanto, da essência do capitalismo.

O segundo é o da ausência de receitas oriundas das vendas ao governo e aos empresários; o que implica admitir uma sociedade capitalista sem governo e na qual os empresários não invistam e também não comprem bens de consumo. Nada mais longe da realidade.

Na segunda etapa do trabalho, o modelo é generalizado, de modo a retratar os lucros, as receitas e as despesas de todo um conjunto de empresas de uma “região, de uma cidade, de um país ou do mundo”. Assim, o que se deveria esperar é que a função agregada dos lucros de uma sociedade capitalista seria nada mais nada menos do que a soma dos lucros obtidos nas vendas tanto ao mercado interno quanto ao mercado externo.

Inobstante e surpreendentemente, a função agregada dos lucros explicitada no modelo estabelece que os lucros de uma sociedade capitalista seriam apenas as receitas de suas exportações para o mundo não capitalista.

Como, se o modelo admite que, individualmente, cada empresa possa lucrar com suas vendas no mercado interno? Onde o mistério?

Em uma engenhosa e peculiar apropriação dos custos de produção, baseada em duas hipóteses simplificadoras. A primeira é a de que as receitas das vendas de bens de consumo aos trabalhadores não possam ser superiores à massa de salários por eles percebidas e a de que as receitas das vendas realizadas às demais empresas do sistema capitalista não possam ser superiores aos seus gastos com a compra de insumos.

Com isto, os gastos com o pagamento de salários anulariam as receitas das vendas de bens de consumo aos trabalhadores e os gastos com as compras de insumos anulariam as receitas das vendas realizadas às demais empresas do sistema capitalista, fazendo com que a variável restante na função agregada dos lucros seja a das receitas das exportações.

Simples assim. Desde que se admita que os salários sejam a fonte única dos rendimentos dos trabalhadores e que as empresas não invistam.

Seria esse um retrato de uma sociedade capitalista? Claro que não. Seria, ao contrário, um retrato mais provável de uma sociedade não capitalista.

Mas, mesmo que ignorássemos essas impropriedades, há ainda algo muito estranho no modelo. De fato, como concluir que a simples dependência das exportações para o mundo não capitalista levaria o capitalismo ao seu fim?

 Em nada que tenha sido explicitado no modelo matemático, pois a partir deste ponto o estudo se volta para uma série de conjecturas e para novas hipóteses implícitas e heroicas.

Dessas, a primeira é a de que haveria um limite máximo e imutável para as exportações do sistema capitalista para as economias não capitalistas. Desse limite decorreria a estagnação dos lucros do sistema capitalista. Uma vez estagnados os lucros totais, os empresários iniciariam então uma luta autofágica para aumentarem a sua fatia nesse bolo, o que, por sua vez, geraria a quebra de inúmeras empresas, o aumento do desemprego, o progressivo e inexorável empobrecimento da classe trabalhadora e, com tudo isto, a instabilidade e o fim do sistema capitalista.

Com toda essa cadeia de eventos, o mínimo que se poderia esperar é que o estudo apresentasse, então, pelo menos razões plausíveis para a existência do alegado limite máximo e imutável das exportações dos países capitalistas para os de economia dirigida. Mas sobre isso não há uma só palavra. Como também não há nada com respeito à suposta luta autofágica dos empresários, que não investem, que nada consomem, mas que ainda assim desejam aumentar a sua fatia dos lucros totais. Para quê? E como?

Onde, portanto, as provas matemáticas do suposto fim do capitalismo, ou de um fenômeno não ocorrido? Em lugar nenhum.

O que temos é um belo exemplo do mau uso da modelagem na formulação de uma pretensa teoria econômica.


ECONOMISTA, PH.D. PELA UNIVERSIDADE DE COLUMBIA, NOVA YORK

** http://forum.consciencia.org/index.php?topic=3347.0

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