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O Estado forte não pode nos salvar; ou: Ciao Juliana

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Nos últimos dias, a fotografia da enfermeira Elena Pagliarini debruçada em exaustão por cima do seu computador, de jaleco, máscara e tudo, nas dependências do hospital em Cremona, norte da Itália, depois de 10 horas consecutivas de trabalho, viralizou na internet e ganhou o mundo. A imagem é hoje símbolo do colapso do sistema de saúde italiano.

Aquela região é a mais rica e próspera do país. O seu sistema de saúde é considerado como de alto padrão. Lá, o forte Estado italiano, assim como o brasileiro, alardeia garantir a todos o direito à saúde, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Frise-se, tanto lá, quanto cá, o Estado obriga-se a garantir a saúde a todos.

Contudo, parece que a realidade dos fatos não anda cooperando com o Estado italiano nesses tempos de pandemia do novo Coronavírus, pois a mídia noticia que prefeitos de cidades italianas se queixam de que os médicos têm sido obrigados a deixar de tratar as pessoas mais idosas, deixando-as morrer, em face da escassez de material humano e hospitalar. Prefeitos e médicos, aí, são agentes do Estado que deveriam, segundo o próprio Estado, garantir o direito à saúde a todos, inclusive a tais idosos; mas, em menos de três semanas, um organismo microscópico subjugou o rico e forte Estado italiano, que se vê, por meio de seus agentes de saúde, obrigado a escolher quem vive e quem deve morrer.

Apesar dessa situação desoladora em que milhares de vidas humanas estão se perdendo, num cenário somente comparável ao da Segunda Guerra Mundial, há ainda aqueles que, quais beatos alucinados, teimam em negar a realidade dos fatos agarrando-se firmes à sua profissão de fé num tal Deus Estado Forte. É o caso, justamente, do Primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, que, no que parece ser febril delírio, afirmou em meio à crise descrita que: “Vivemos num sistema em que garantimos a saúde e o direito de todos de serem curados” .

E a pergunta que exala pelos poros de quem ainda guarda mínima ligação com o mundo real é: se garante, por que não está garantindo, cáspite!?

Por mais curioso que possa parecer, no entanto, lamentavelmente, a crença nas capacidades prodigiosas do Estado forte está impregnada mesmo no senso comum, seja dos italianos, seja dos brasileiros, que replicam sem pensar a propaganda da classe política e os clichês eruditos da classe intelectual. Aqui mesmo, em nossa comunidade, é comum esse tipo de opinião, por exemplo, nas redes sociais, em que pessoas comuns repetem o discurso que importantes personalidades políticas e prestigiadas figuras acadêmicas proferem nos meios de comunicação social.

Para ficar num único, porém significativo, exemplo dessa narrativa desarraigada do mundo fenomênico vejamos o que disse a Ilustre Professora Juliana Diniz em seu artigo publicado neste sábado no Jornal O’Povo, intitulado A Mão Invisível não Pode nos Salvar: “O coronavírus ensina que, numa economia de mercado, sujeita à influência flutuante de fatores absolutamente imprevisíveis, não se pode abrir mão da existência de um Estado forte que atue não apenas na regulação da livre movimentação dos agentes econômicos, mas que possa funcionar como efetivo garantidor do bem-estar geral em contextos de crise”. Indo além, conclui: “O Sistema Único de Saúde (SUS), mais do que nunca, se justifica como um patrimônio social do povo brasileiro”.

Considerando que a pandemia que assola o globo alastrou-se a partir de um laboratório do, muito mais que forte, Estado chinês, e que os fortíssimos Estados europeus jazem prostrados diante de sua incapacidade de conter o avanço da doença, é de causar profunda espécie testemunhar as recalcitrâncias dessa proclamação do Estado forte como garantidor do bem-estar geral.

Em face de uma rotina de falta de médicos; de longas filas de espera; de morosidade em procedimentos; de falta de leitos; de desperdício de recursos; de desumanização no atendimento; de falta crônica de material hospitalar e de medicamentos; de baixa eficiência nos tratamentos e de altíssima taxa de mortalidade; tudo isso fora de um contexto de crise e, justamente, na iminência do caos que se aproxima, é de causar embasbacamento ler a afirmação de que o SUS é um patrimônio social do povo brasileiro!

Quanta devoção, quanto fundamentalismo!

Pois bem; lá da Itália, mesmo que involuntariamente, Elena, pela força de sua imagem que traduz a mensagem do esgotamento, do cansaço, da impotência, do caos, da escassez, enfim, da realidade, manda lembranças do mundo concreto à Juliana, ou, como os italianos costumam falar, um ciao Juliana.

*Sobre o autor: Pedro Cabral é advogado e diretor de projetos do Instituto Liberal do Nordeste. 

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