Minas Gerais pela Inconfidência Nacional

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libertasquaeEm diferentes momentos da trajetória nacional, o estado de Minas Gerais esteve em posição de protagonismo. Há 30 anos, quando caía o regime militar, os olhos se voltavam para Tancredo Neves, o líder civil que iria assumir a presidência depois de muitos anos de governos de exceção, se não fosse interrompido pela súbita partida, vítima de uma enfermidade. Quando caía, em 1945, o regime ditatorial de Getúlio Vargas, foi daquelas terras que saiu o Manifesto dos Mineiros, ancorado nas mais elevadas tradições políticas, pressionando pela aceleração da tão desejada liberdade. Em 21 de abril, porém, os brasileiros relembram a figura do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um dos integrantes da chamada Inconfidência Mineira. Um movimento de revoltosos – como muitos outros houve na época do Brasil colonial, diga-se de passagem – conspirava contra o poderio da Coroa absoluta portuguesa e desejava emancipar a província de Minas, diante das notícias de que seriam cobrados de uma só vez antigos débitos acumulados (na chamada “derrama”), somando-se à cobrança de 20 % do ouro encontrado na região (o chamado “quinto”). A lembrança do movimento e do alferes condenado à morte é motivo de feriado nacional para os brasileiros.

Tiradentes, na verdade, em sua época, não tinha nenhuma proporção de herói nacional. Os interesses do movimento não eram propriamente patrióticos, em um sentido brasileiro; seu foco era apenas a província de Minas Gerais. O sucesso alcançado pela Inconfidência em todo o país se deu a partir da divulgação empreendida pela República imposta em 1889 que, esforçando-se por criar uma narrativa que obscurecesse as figuras dos tempos da monarquia constitucional derrubada –muitas delas realmente grandes figuras e grandes homens públicos, a quem se deveria hoje fazer muito mais justiça -, buscou no passado um episódio que pudesse alçar como símbolo e um herói que pudesse fabricar. Ao contrário, porém, de certos monarquistas ressentidos – com todo respeito aos monarquistas, e é até compreensível que se sintam assim -, não considero que o resgate dos nobres nomes dos tempos monárquicos exija anular por completo o mérito simbólico de Tiradentes e do solo de Minas Gerais. Ao fim das contas, os inconfidentes desejavam um governo local com possibilidades de representação, baseado nos valores da independência americana, em oposição a uma monarquia absoluta chefiada a partir de uma nação distante, além-mar – que não era, frise-se, a monarquia constitucional que nasceria depois, após a independência. Isso, em princípio, é algo bom – ainda que, na prática, pudesse resultar em uma frágil República, presa fácil de caudilhos e autocratas, como ocorreu em nações vizinhas que se emanciparam, ao contrário do que se deu no modelo brasileiro, sobretudo durante o Segundo Reinado, com D.Pedro II. Acredito que o 21 de abril merece respeito, sobretudo em sua terra natal, Minas Gerais, onde ele pode servir como um símbolo das aspirações legítimas por liberdade. Respeito que o governador de Minas, Fernando Pimentel, lhe negou.

O petista – por isso mesmo, por natureza, avesso a qualquer nobre princípio de liberdade e ordem, ou ao menos alicerçado em uma legenda que se alimenta desse retumbante olvido da decência – entregou a Medalha da Inconfidência, compreensivelmente a maior honraria oficial de seu estado, criação de Juscelino Kubitschek em 1952, a ninguém mais, ninguém menos, que João Pedro Stédile, o líder do “exército” de Lula, o chefe do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Aquele que estendeu a mão ao tirano venezuelano, Nicolas Maduro, fazendo pouco caso da luta cruenta da população de nosso vizinho contra a tirania bolivariana. Pimentel, eleito para conduzir o estado que se orgulha de suas iniciativas por liberdade, estendeu a mão ao desrespeito ao direito de propriedade, à invasão beligerante, ao desapreço à ordem, a quem apoiou a repressão sangrenta de manifestações pacíficas. Não satisfeito, Pimentel ainda fez referência a Milton Campos e Tancredo, exaltando a tradição de seu estado de sustentar uma política calcada no “equilíbrio” e na “moderação”, ao mesmo tempo em que estendeu honrarias a um “movimento social” de práticas flagrantemente terroristas. Aos petistas e baderneiros que extorquem a nação e se riem dos honestos, não é mais suficiente surrupiar os recursos que o povo amealha com o suor do rosto. Eles não se contentam com isso; querem também emporcalhar o passado, encobrir com sua imundície as figuras que construíram a história brasileira séculos atrás. Querem fazer desses nomes, que já se foram há muito, elementos ou insígnias de sua quadrilha.

Pimentel traiu a pátria, à qual hoje o seu estado se integra por completo, e não apenas como uma entre tantas províncias do Império português, tal como ao tempo de Tiradentes; pois foi em defesa dessa pátria como um todo, e não apenas de seu estado, que os mineiros estiveram nas ruas para se impor sobre a desonra que, desta vez, tinha justamente Minas como palco. Aqueles que foram protestar, que promoveram “panelaço”, que ergueram faixas sentenciando que a “inconfidência não pertence ao PT”, talvez não fossem muitos, em número, mas passaram um recado claro e necessário. O Brasil não vai mais compactuar com esse escárnio que se promove contra a sua bandeira. E os mineiros, uma vez mais, tomam parte nisso.

Condecorar figuras do governo de Dilma Rousseff com a Medalha da Inconfidência é fazer troça com todos os brasileiros que foram às ruas nos últimos meses. É espezinhar os indignados, que enxergam nesse governo, e no partido que o capitaneia, a representação de tudo aquilo que é mais antitético à liberdade de que essa Medalha é um emblema. Em escala muito maior, diante de um quadro econômico grave e de uma carga tributária que faria os inconfidentes mineiros do século XVIII ruborizarem pela revolta contra o “quinto”, os brasileiros hoje clamam por uma nova Inconfidência – desta vez, inteiramente popular, pacífica e nacional, extirpando, em azul, verde e amarelo, os cânceres e metástases que se alastraram e entranharam pelas nossas instituições.

Deixo registrada aqui, portanto, minha homenagem a esses mineiros que se opuseram ao ato cerimonial com que Fernando Pimentel cuspiu nas melhores tradições de sua terra e nas melhores tradições nacionais. Como poucos políticos na história, Pimentel se atreveu, sem pudores, a desonrar o pavilhão da pátria. Para ele e outros como ele, que o emblema mineiro traduza nossa fé em um futuro melhor e em nossas próprias disposições para buscá-lo: libertas quae sera tamen. Liberdade ainda que tardia. Ela virá, e refulgirá em superioridade, relegando esses infames senhores aos porões da irrelevância de que são dignos.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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