Menos pragmatismo e mais princípios

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Adolfo Sacshida publicou ontem, aqui neste espaço, comentário a respeito das convergências e divergências entre liberais e conservadores.  Sustenta, como também já havia feito o Leonardo Correa, que deveríamos deixar as divergências de lado e focar apenas nas ideias e nos inimigos comuns.  Seu parágrafo final resume bem a ideia geral:

Para uma ideia ser boa não basta a mesma ser boa, ela precisa ser operacionalmente viável. No Brasil atual a única questão operacionalmente viável que separa liberais de conservadores é a liberação da maconha (que aliás é defendida por todos os partidos de esquerda). Vale a pena essa briga? Vale a pena dividirmos nosso pequeno efetivo para apoiar uma causa que, além de polêmica, só tende a fortalecer os inimigos da sociedade aberta? Não peço aos conservadores que apoiem a liberação da maconha. Não peço aos libertários que sejam contra a liberação da maconha. Peço apenas para que enxerguemos um espectro político maior: no Brasil atual nós somos nossos únicos aliados. Deixemos nossas brigas para, com sorte, daqui 20 anos.”

Como cidadão, concordo que uma das prioridades de qualquer cidadão de bem é defenestrar o PT do poder.  Entretanto, não vejo como o debate civilizado de ideias possa, de alguma maneira, prejudicar a luta contra o PT.  Entendo como debate civilizado aquele que é centrado nas ideias, nos conceitos, nos aspectos filosóficos, morais e políticos.

É fato que há muita gente por aí que prefere atacar não as opiniões contrárias, mas o seu interlocutor.  Infelizmente, no Brasil, debate virou sinônimo de agressões gratuitas, ataques “ad hominem”, xingamentos, discussões acaloradas, sarcasmos  e até ameaças.  Evidentemente, não me refiro aqui a este tipo de debate.

O Instituto Liberal é um think tank voltado para a disseminação do pensamento liberal.  Seu estatuto é explicito quanto ao fato de ele ser apartidário.  Ora, disseminar a filosofia liberal é algo muito diferente de fazer política.  O foco de um think tank é no longo prazo.  É na educação, nas ideias, na história.  Não dá para disseminar o liberalismo evitando falar de liberação das drogas, de eutanásia, de liberdade sexual, de casamento gay, de censura, etc.  Liberalismo não é só economia, não é só livre mercado, não é só estado mínimo – ou melhor, não é estado mínimo somente na economia.

Ademais, já li e ouvi muita gente convocando os liberais a deixar as discordâncias de lado para não melindrar os nossos aliados da hora.  Tenho visto inúmeros liberais adotando esta postura.  Mas, e do outro lado?  Será que eles estão dispostos a abrir mão da defesa de suas ideias e opiniões em nome da aliança com os liberais, para não nos magoar?  Não creio.  Basta um giro pelos principais sites conservadores para atestar que isso não ocorre.  Continuam batendo forte contra a liberação da maconha, contra o casamento gay, contra o aborto.  Estão errados?  Não!  Estão apenas disseminando suas ideias, defendendo suas causas.

Não censuro aqueles que têm urgência em derrubar o PT et caterva.  Mas acho que focar exclusivamente no curto prazo é dar um tiro no pé.  A esquerda só sonseguiu obter essa imensa hegemonia cultural que vemos hoje no Brasil porque investiu na disseminação de suas ideias durante décadas.  Conquistou espaços na imprensa, nas igrejas, nas universidades, nas escolas e onde mais pudesse espalhar sua ideologia.

Acredito que o objetivo central dos liberais, portanto, é lutar para mudar o zeitgeist. E isso requer um trabalho árduo, paciente e ininterrupto no campo das idéias e da educação. Precisamos, acima de tudo, gerar argumentos bem fundamentados, claros e inequívocos. Se hoje o discurso dominante é socialista, com propostas exclusivamente estatizantes, assistencialistas e igualitaristas, é porque tal pensamento encontra-se disseminado nos quatro cantos do país, fruto de um trabalho incansável dos intelectuais de esquerda durante os últimos quarenta anos.  Essa cultura, infelizmente, não se muda da noite para o dia. É preciso que trabalhemos incansavelmente para mudá-la.

Respeito aqueles que acham que nós não deveríamos amedrontar as mentes mais pragmáticas com tanta “ortodoxia”; que poderíamos evitar expor alguns dos programas e fundamentos do liberalismo na sua totalidade, notadamente aqueles cuja consecução parece tão distante.

O problema dessa visão – nem tanto quando defendida por conservadores, mas principalmente quando encampada por liberais – é que, ao concentrar-se estritamente em programas cuja adoção possa ser imediata, estará abrindo caminho para o inexorável esquecimento dos objetivos fundamentais do movimento, os quais, em última instância, são a sua própria razão de existir.  Em Individualismo: o Verdadeiro e o Falso, Hayek confronta a tese então disseminada do olhar exclusivo no pragmatismo.  Diz ele:

Após a experiência dos últimos trinta anos, provavelmente nem sequer seja preciso enfatizar que estaremos à deriva sem princípios. A atitude pragmática, que foi dominante durante este período, longe de aumentar o nosso controle sobre os eventos, levou-nos, de fato, a uma situação que ninguém queria; e o único resultado da nossa falta de preocupação com os princípios, aparentemente, é que somos governados por uma lógica de eventos que em vão tentamos ignorar.”

Hayek (visto por muitos, equivocadamente, como um conservador) compreendeu também, com clareza, a importância de se preservar uma certa pureza doutrinária, ainda que ela possa parecer a alguns utópica.  Diz ele:

“A menos que nós possamos fazer dos fundamentos filosóficos de uma sociedade livre uma estimulante questão intelectual, bem como da sua implementação um desafio que provoque a ingenuidade e a imaginação de nossas mentes mais jovens, as perspectivas da liberdade serão realmente negras. Por outro lado, se nós pudermos recuperar a velha confiança na força das idéias, que foram o marco do liberalismo no seu esplendor, a batalha não estará perdida”.

Os princípios liberais, como bem frisou Anthony Gregory, sempre terão o seu lugar e são, de fato, muito importantes para a sobrevivência e difusão da doutrina. Um movimento político nunca chegará a lugar algum sem um conjunto de fundamentos básicos, cuja adoção por parte de seus seguidores esteja vinculada, necessariamente, à crença em alguns princípios e à descrença noutros. O liberalismo não pode, portanto, prescindir hoje e sempre de uma certa ortodoxia de valores, seja para manter no rumo correto os seus seguidores, seja para relembrar a todos os seus objetivos primordiais.  Que me desculpem os pragmáticos, mas abrir mão disso é suicídio.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

3 comentários em “Menos pragmatismo e mais princípios

  • Adriel Santana
    16/02/2014 em 12:52 pm
    Permalink

    Acredito que a diferença de estratégia de ambos os grupos por ser explicada de forma didática fazendo uma analogia com o tratamento de uma doença:

    Os conservadores e os libertários seriam como médicos tentando lidar com uma “doença”.

    A diferença em nossas prescrições é que os primeiros se concentram em meios de combater os sintomas (dentre os quais, um certo “PT” é o mais tenebroso). Eles acham que fazendo o sintoma mais em destaque desaparecer, a doença regredirá juntamente.

    Já os libertários consideram os sintomas, dentre eles o PT, apenas… sintomas, e por isso preferem se focar em atacar a causa da “doença”, chamada estatismo, que permitiu, em primeiro lugar, que esses sintomas, como o PT, viessem a tona.

    Evidente que, como médicos, concordamos que temos que tentar amenizar os sintomas, em especial os mais nefastos, pensando no bem do paciente a curto prazo; contudo, não podemos ignorar que é a doença que precisa sem combatida com atenção mais que redobrada do que a que dedicamos aos sintomas, pensando no bem do paciente a médio e longo prazo.

    No mais, excelente artigo como sempre, Mauad.

    Abs.

  • Avatar
    16/02/2014 em 11:12 am
    Permalink

    Caríssimo Mauad,

    Você afirmou o seguinte em seu texto: “Não dá para disseminar o liberalismo evitando falar de liberação das drogas, de eutanásia, de liberdade sexual, de casamento gay, de censura, etc. Liberalismo não é só economia, não é só livre mercado, não é só estado mínimo – ou melhor, não é estado mínimo somente na economia.” Quem definiu isso? Não é possível ser liberal e, por exemplo, não concordar com a liberação das drogas? Noutros termos, um liberal é obrigado a aceitar tudo isso, caso contrário ele é taxado de conservador? Na minha modesta opinião, qualquer imposição é anti-liberal.

    Em outro trecho constatei o seguinte: “Ademais, já li e ouvi muita gente convocando os liberais a deixar as discordâncias de lado para não melindrar os nossos aliados da hora. Tenho visto inúmeros liberais adotando esta postura. Mas, e do outro lado? Será que eles estão dispostos a abrir mão da defesa de suas ideias e opiniões em nome da aliança com os liberais, para não nos magoar? Não creio.”

    Como você fez referência expressa ao meu texto, em seu primeiro parágrafo, devo dizer que nunca defendi isso. O que escrevi foi claro, ambos (liberais e conservadores) devem deixar as diferenças de lado nesse momento. Nunca disse que apenas os liberais deveriam ceder. Mas, com todo o respeito, atacar conservadores não ajuda. Aliás, você mesmo disse – e concordo com isso – que “há muita gente por aí que prefere atacar não as opiniões contrárias, mas o seu interlocutor. Infelizmente, no Brasil, debate virou sinônimo de agressões gratuitas, ataques “ad hominem”, xingamentos, discussões acaloradas, sarcasmos e até ameaças.”

    Acredito ser plenamente possível defender ideias liberais sem atacar conservadores. Sequer é necessário usar a palavra “conservador”. Basta defender o que você acredita.

    Abraço,

    Leo

    • João Luiz Mauad
      16/02/2014 em 1:23 pm
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      Caro Leo,

      Na verdade, quem definiu isso foi a história do pensamento liberal. Liberdade é muito mais do que liberdade econômica. Liberdade é, principalmente, o direito de fazer com o seu próprio corpo aquilo que bem entender, desde que não agrida o mesmo direito dos demais. Tem gente que defende todo tipo de intervenção governamental e se diz liberal. Por mim, tudo bem, mas quando se quer discutir filosofia liberal a sério, não dá para misturar as coisas. Quem defende que o Estado proíba as drogas, a eutanásia, o casamento gay, etc. não é liberal, é conservador – o que, aliás, não acho que seja nenhuma vergonha, nenhum demérito. Mas conceitos existem justamente para definir limites, caso contrário não têm qualquer validade.

      Na parte em que falo que os conservadores não estão nem aí para nós, na hora de defender as suas idéias, faço links para artigos recentes deles. Não falava do seu texto. Reafirmo que o debate de ideias, sem ataques “ad hominem”, sem xingamentos, sem sarcasmos desnecessários, não ofende ninguém. Eu, por exemplo, não me sinto ofendido quando leio artigos conservadores contra a liberação da maconha. Portanto, não vejo nenhum sentido em que eles se sintam melindrados quando leem nossos textos em defesa da descriminação.

      Abrs
      Mauad

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