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Concorrência Institucional [I]: Lei, Ordem e Ascensão do Capitalismo

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Este trabalho é o primeiro de uma série de três artigos em que procuro mostrar de que maneira a concorrência institucional poderia funcionar como mecanismo promotor do desenvolvimento socioeconômico. Abordarei então, sucessivamente, os seguintes tópicos: a concorrência institucional, a farsa do ‘dumping fiscal’ e a farsa do ‘dumping social’, assuntos que estão, como veremos, intimamente relacionados. O primeiro texto tem por interesse relembrar intuições elementares, por intermédio de considerações simples procuro sobretudo introduzir algumas idéias envolvendo o tema da concorrência institucional. 

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Lei, Ordem e Capitalismo

{1} A compreensão da razão conduzindo a que algumas nações (ou algumas populações) reconheçam a importância da liberdade e do direito para a prosperidade econômica deveria ser buscada através de uma teoria da emergência e desenvolvimento das instituições nas sociedades humanas e no mercado. A ênfase tradicional das teorias institucionais se focaliza principalmente na importância dos direitos de propriedade: o advento e o reconhecimento dos direitos privados de propriedade foram motores do desenvolvimento econômico e garantia do respeito das liberdades individuais.

{2} A invenção dos direitos de propriedade explicaria o surgimento e a consolidação das trocas de mercado e o desenvolvimento das técnicas comerciais, bases sobre as quais foi possível que as relações econômicas evoluíssem até atingir estágios mais avançados na escala capitalista, em outras palavras, bases garantindo o surgimento e ascensão do capitalismo.

{3} Como procurou demonstrar Ludwig Von Mises (1920), o funcionamento de uma economia de mercado e a existência do capitalismo repousam sobre pré-condições institucionais – a propriedade privada sobre todos os bens e serviços apropriáveis, a liberdade de trocas e a existência de uma moeda sã –, fornecendo a possibilidade de uma unidade comum de cálculo que permite a contabilização, alocação, e execução racional dos processos produtivos e exploração capitalista dos recursos econômicos, isto quer dizer: o conhecimento do real rendimento das ações produtivas dos agentes.

{4} Não é demais lembrar que o nascimento do capitalismo não corresponde ao nascimento do comércio: o mercado pré-existe ao capitalismo. Contudo, a durabilidade das trocas comerciais também necessita do reconhecimento dos direitos privados e da apropriação legítima dos bens trocados. Do ponto de vista institucional, o desenvolvimento do comércio é uma primeira fase de generalização da propriedade privada sobre os bens e serviços apropriáveis.

{5} Esta generalização é fundamentalmente dependente do respeito do processo que conduz a que cada parte participando à troca reconheça o direito de apropriação da outra, e sobretudo, que evolua extensivamente a liberdade das trocas dos bens legitimamente apropriados entre os indivíduos. Compreender o surgimento do capitalismo é compreender a supremacia das sociedades onde cada um reconhece a legitimidade do direito de apropriação: trata-se de uma sociedade que reconhece o direito que os indivíduos têm de ser livres, e de agir independentemente do que pensa sua pequena comunidade relativamente à grande sociedade.

{6} Como propôs Milton Friedman (2010, p. 74), além da existência de um quadro monetário facilitando o comércio, a organização da atividade econômica e das trocas voluntárias supõe que seja mantida a lei e a ordem procurando prevenir a coerção injustificada e exercida por um indivíduo contra outro, mas ainda, fornecendo uma garantia de execução dos contratos voluntariamente estabelecidos, e mesmo, a definição formal do significado e extensão dos direitos de propriedade envolvidos, e sua execução e reconhecimento. Desta maneira, a lei, a ordem e a instituição da propriedade seriam elementos fundamentais à generalização do progresso social.

{7} Uma das explicações da emergência e expansão das instituições da liberdade e direitos individuais, tão importantes para o desenvolvimento do comércio e advento do capitalismo, poderia ser ilustrada pela teoria fundamentada na concorrência institucional.

A Concorrência Institucional Externa e Interna

{8} Lembremos, antes de prosseguir, que a teoria econômica opõe com certa frequência a situação de monopólio à situação de concorrência. Transplantada à abordagem institucional, esta dicotomia permitiria ilustrar o surgimento de impérios ou a descentralização do poder em federações de pequenos Estados, mas ainda, ela forneceria pistas para a compreensão da expansão das instituições da liberdade, e para a explicação do (sub)desenvolvimento econômico de determinadas regiões, ou ainda, para o reconhecimento dos meios mais eficientes e legítimos de triagem e seleção institucional.

{9} A concorrência institucional supõe a possibilidade de escolher, entre diversas regras (Penarrieta 2005, p. 658), esta que do ponto de vista socioeconômico apresenta as melhores características ou propriedades para os interesses dos diversos indivíduos. A teoria da concorrência institucional define um processo de concorrência interna e externa entre normas sociais (Facchini 2008, p. 76): a concorrência externa caracterizaria a concorrência institucional entre estados; a concorrência interna aconteceria no interior do mesmo estado ou monopólio do constrangimento normativo. Enquanto a concorrência externadescreveria a coordenação, as mudanças e as interações contínuas entre instituições de estados diferentes, a concorrência interna descreveria o mesmo processo no interior dos estados (1).

{10} É desta forma que eu apresentaria a emergência das instituições da liberdade e seu desenvolvimento e generalização: elas decorreriam então deste mecanismo de descoberta, tentativas e concorrência entre diferentes normas buscando satisfazer interesses pessoais de grande número de indivíduos: um processo espontâneo e evolutivo. As instituições da liberdade emanam certamente de preceitos morais existindo nos próprios indivíduos, no entanto, elas são validadas e progressivamente respeitadas ao longo do processo de generalização e concorrência tornando clara sua superioridade relativamente ao seu desrespeito.

Concorrência Institucional e Performance Econômica

{11} Interações contínuas entre instituições promoveriam o reconhecimento da eficiência que cada uma detém para lidar com os problemas que elas buscam simplificar ou solucionar, como por exemplo, o tratamento do problema da escassez de recursos entre diferentes sociedades. A compreensão destas interações seria um elemento fundamental para entender a arbitragem em matéria institucional: diferentes arranjos institucionais fornecem diversos quadro de incentivos que ditam, por exemplo, os tipos de conhecimento e competências que aportam o máximo de rentabilidade aos indivíduos, ou ainda, instituições diferentes potencializariam diferentemente a criação de riqueza, a divisão do trabalho, a realização de poupança e o estabelecimento de relações comerciais. A existência de economias de escala e de escopo e a complementariedade associada a uma matriz institucional revelariam, por sua vez, no decorrer do tempo, quais instituições promoveriam a melhor solução para os obstáculos associados à escassez.

{12} Trabalhos de economistas como Daron Acemoglu (2005), Edward Glaeseret al. (2004) e Janine Aron (2000) procuraram demonstrar a importância dos arranjos institucionais e da ‘qualidade’ das instituições para o desenvolvimento económico. Outros estudos (Amable 2005, Hall; Solskice 2001) se focalizam também nas diferenças institucionais para compreender as disparidades econômicas entre países, ou ainda, analisar a relação e a dinâmica das mudanças institucionais e económicas. Douglas North (1991, p.2) sublinhou justamente que o carácter constrangedor das instituições é importante para a redução dos níveis de incerteza associados ao comportamento dos indivíduos. Este elemento intrínseco às instituições, segundo o autor, seria provedor da estrutura de incentivos necessária ao bom funcionamento das relações de mercado e desenvolvimento económico. Como ficou historicamente demonstrado nos casos das duas Coréias (do sul e do norte) e das duas Alemanhas (do leste do oeste), as condições geográficas, o clima, a etnia ou a cultura não seriam os fatores explicativos mais determinantes para o estudo do desenvolvimento e sucesso das sociedades. O sistema de regras sob as quais vivem os indivíduos conta significativamente para o crescimento econômico e enriquecimento de suas regiões.

{13} Nesta perspectiva, os governos podem ser definidos como conjuntos de regras e arranjos institucionais contendo uma quantidade de instruções e um número de normas representando o que descreveria como uma tecnologia institucional. Nos casos das duas Coréias e Alemanhas, ficou evidente que as instituições da liberdade se mostraram superiores às instituições coletivistas: uma tecnologia institucional mais eficiente em promover o desenvolvimento socioeconômico. Poderíamos nos perguntar, o que teria acontecido se os muros e fronteiras cercando a Alemanha do Leste e Coréia do Norte não existissem? Em outras palavras, se fosse maior, mais livre e mais efetiva a concorrência institucional entre os países, as instituições ruins perdurariam menos tempo?

{14} Visto que a concorrência poderia impulsionar a performance e as decisões políticas dos governos (2), reformas procurando estimular a competiçãopoderiam ser concebidas, por exemplo, através da criação de zonas de livre comércio dotadas de autonomia orçamentária (e política) mais importantes, ou mesmo, através da promoção de um federalismo mais acentuado. Mesmo que a promoção de inovações em matéria de tecnologia institucional permaneça limitada (3), não muda que os países cada vez mais sentem o peso que exerce a concorrência institucional, notadamente quando se fala em atrair capitais e investimentos privados, empresas multinacionais, ou acolher mão-de-obra especializada.

{15} A concorrência institucional é um dos motores influenciando o processo econômico de globalização. As empresas, os recursos e os trabalhadores (em menor escala) se deslocam lá onde o ambiente institucional é o mais favorável, desde que esta liberdade de trânsito seja respeitada. Regulamentações ineficientes sobre o mercado de trabalho, garantias parcas à propriedade, pressão fiscal demasiadamente importante, e barreiras extensivas à acumulação de capital representam instituições que os agentes levam em consideração quando decidem realizar contratos. Antes de tomarem suas decisões econômicas, eles fazem bastante atenção à função e à qualidade das instituições. Muitas vezes, políticos, governantes e sobretudo críticos do capitalismo gostam de dizer que tal tipo de concorrência é um absurdo, e que se trata de ‘dumping social’ ou ‘dumping fiscal’. Veremos nos próximos dois artigos desta série, por que este tipo de argumento não é recebível, e por que o estas expressões são uma farsa.

Notas

(1) A título ilustrativo, um estado pode estatuar que a propriedade é um direito inalienável e absoluto, outro estado pode reconhecer que este direito é relativo e circunstancial: a concorrência externa explica ou descreve o processo de coexistência destas normas regendo as interações entre indivíduos se relacionando desde estes diferentes estados: ela é revelada na arbitragem em matéria institucional, na escolha da norma que procurarão estatuar voluntariamente os indivíduos para que suas interações contratuais ou mercatórias sejam coordenadas e executadas. O próprio deslocamento e abandono do território é um meio de pressão e arbitragem demonstrando uma preferência em matéria institucional. Uma empresa que prefere se instalar em determinado território o faz certamente por motivos associados aos mercados, mas ela certamente não ignora em suas decisões a qualidade e as características das instituições vigorando em diferentes regiões.

Como a concorrência interna descreve o processo de coexistência de normas diferentes ao seio do mesmo estado, um exemplo ilustrativo representaria a instalação de um federalismo fiscal mais acentuado dentro de um país, talvez associado à idéia de que tal arranjo permitiria que fosse evitada uma pressão fiscal excessiva. Outro exemplo é a existência de zonas de livre comércio no interior de um país protecionista, ou ainda, a existência de penas diferentes para crimes similares. A distinção das duas formas de concorrência institucional, nestes casos, é muitas vezes tênue ou frágil, mas serve para ressaltar que sob o território onde ocorrem os processos concorrenciais e institucionais existe um monopólio normativo enquadrando a possibilidade de arbitragem sobre as normas.

Notem que este processo pode muito bem descrever a arbitragem entre normas estritamente privadas: a concorrência descreveria, neste caso, o processo de coexistência de normas privadas interiores e exteriores a um nó de contratos e relações mercatórias, e a tendência a rejeitar ou adotar ao longo do tempo determinado tipo de norma. A concorrência interna, seria a interação ao seio desta empresa (cadeia de contratos e relações mercatórias) de normas técnicas, sociais ou organizacionais distintas.

(2) Como lembrou pouco tempo atrás Patri Friedman (2012, p. 218), existe um grande potencial para que o incremento da performance dos governos em termos de decisões políticas venha a ser impulsionado pela concorrência em matéria institucional, pela liberdade de escolha e possibilidade de locomoção de seus cidadãos.

“A number of political economists and activists have seen the potential to improve government performance by subjecting governments to competition for mobile residents. Giving citizens greater choice of governance providers would allow for the sorting of individuals into jurisdictions by demand for public goods and social policy preference, reduce ethnic conflict, force governors to give citizens the policies and public goods they want at reasonable tax rates, and enable innovation through decentralized experimentation.”

(3) A inovação institucional permanece custosa e as barreiras à entrada da ‘indústria’ do fornecimento de tecnologias institucionais são relativamente elevadas. Em primeiro lugar, porque cada espaço do planeta é reivindicado por algum governo, sendo então difícil reivindicar autonomia de algum território para o desenvolvimento de tecnologias institucionais inovadoras. Em seguida, mesmo que terras fossem disponibilizadas e desagravadas da posse de algum governo, restaria que os governos dificultam a liberdade de decisão sobre, por exemplo, os critérios de imigração ou aquisição de nacionalidade, sem contar as barreiras associadas às dificuldades que os próprios cidadãos encontrariam em aprender novas línguas ou assimilar novas culturas. Estes elementos explicariam porque a concorrência externa seja limitada, ou dependa da capacidade que alguns governos e cidadãos tenham de decidir realizar mudanças institucionais significativas, o que também é extremamente difícil visto a rigidez dos sistemas políticos, rigidez das normas já implantadas, e sobretudo, em vista do trabalho que exercem os grupos de pressão.

 

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Matheus Bernardino

Matheus Bernardino

Economista (Universidade de Paris I Panthéon Sorbonne)

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