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Mais educação?

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FELIPE BASTOS GURGEL SILVA *

São certamente inquestionáveis os benefícios oriundos das redes sociais como o Facebook. Por outro lado, como em todo advento de novo produto, tecnologia ou mesmo modelo de negócios, efeitos colaterais, inevitavelmente, aparecem – parte deles consequência natural do processo de destruição criativa, ao passo que, em outras situações, problemas já existentes, ora mascarados, passam a ser escancaradamente expostos.

Um deles, talvez o mais importante, foi a demonstração clara e evidente da estupidez coletiva presente em parcela significante da população. Como se processa essa forma de “coletivismo”? Muito simples. Sempre o fluxo começa com alguma pessoa que quer levantar a bola para algum “problema” – seja a construção de uma represa, aprovação ou revogação de certa lei, aumento de salários de certa classe profissional, defesa da greve de outros, etc. Esse “foco inicial” da corrente cria então um anúncio, na forma de folder, figura, apresentação de slides ou mesmo vídeo, chamando atenção para essa “causa” e com números (na maioria das vezes bem questionáveis) para ganhar o “argumento de autoridade”. É justamente nesse ponto que o processo torna-se viral, a partir da estupidez coletiva. Os “amigos” daquele que publicou o “anúncio” pela primeira vez irão compartilhá-lo para seus amigos, que, por sua vez, continuarão a corrente.

O termo estupidez é aplicado justamente porque a grande maioria das pessoas que compartilham tais “chamados” o faz sem o menor senso crítico, sem a menor ideia acerca da veracidade dos fatos e dos números que são apresentados, sem sequer questionar-se sobre o que se trata a “bandeira defendida” e se a “solução proposta”, de fato, é factível (e eficiente). Um exemplo muito simples: quantas pessoas que compartilharam o vídeo feito por atores globais contra a construção da Usina de Belo Monte chegaram sequer a ler o projeto da mesma? Agora quantos preferiram acreditar no Marcos Palmeira e na Maitê Proença, como especialistas em “gestão energética”? A estupidez chega a ser tamanha que já vi uma mesma pessoa compartilhando dois posts distintos que defendiam ideias completamente antagônicas, num intervalo de poucas horas.

São muitos os cases, que preferi elencar um desses “anúncios apelativos”, para debater sua invalidade. Escolhi, portanto, um que se refere a dois temas de grande interesse meus: educação e economia. A mensagem era mais ou menos nessa linha.

“Se desvios de corrupção no MEC fossem reduzidos seria possível o governo criar mais 4 universidades do tamanho e qualidade da USP. Acorda Brasil!”

Vamos, então, por partes! Que desvios de corrupção sempre ocorrem em estados, cuja solidez de suas instituições econômicas e democráticas é bem questionável, isso concordo em absoluto – daí um argumento a favor do estado mínimo. Que o modelo de universidade pública acaba sendo muito mais injusto (e socialmente excludente) que o modelo privado, tenho certeza – e posso provar, como gigantes liberais anteriormente o fizeram. Mas, meu ponto no artigo não é entrar nesses detalhes.

Indignar-se com os desvios de corrupção não apenas é válido, mas essencial. O problema não reside na detecção da doença corrupção, mas no “remédio” que o “médico” População propõe aplicar. Aí então, caímos em argumentos que habitam a fronteira da educação superior e conceitos simples de economia.

O primeiro ponto que devemos nos perguntar (e que a massa divulgadora de notícias não o faz) é: por que a USP é considerada, para padrões brasileiros, uma instituição de excelência? Podemos dizer que se trata da qualidade de seus docentes, diversidade e importância das pesquisas feitas na instituição e, (Bingo!) a capacidade de selecionar bons alunos que, embora isso possa variar de curso para curso, certamente estão em percentis superiores da massa crítica brasileira.

A segunda pergunta, também não indagada nas redes sociais, seria: por que a USP consegue selecionar alunos melhores que a maioria das universidades públicas? Seria simplesmente a combinação mágica das letras U + S + P? Certamente não! Bom, alguns poderiam dizer que se trata da “qualidade de seus docentes, diversidade e importância das pesquisas feitas na instituição, infraestrutura de ensino, etc.”. Embora esses sejam sim motivos bastante relevantes, tratam-se de um reflexo direto da razão principal que explica essa segunda indagação. A USP consegue selecionar bons alunos porque os vestibulandos enxergam o valor de seu diploma como sendo maior que da grande maioria de cursos ofertados por outras instituições – e esse “valor” do diploma está associado sim aos prospectos positivos que esses alunos têm no mercado de trabalho. O mercado, por sua vez, valoriza o formando pela USP por sua formação de excelência, pelo exclusivismo de tal capital intelectual, pelo valor da sua rede de ex-alunos (alumni) que certamente ocupa, em grande parte, posições de liderança em suas respectivas áreas de atuação, etc.

Não é difícil entender. O formando pela USP é visto pelo (em sua maioria) mercado como um produto raro, valioso e não “commoditizado”. Trata-se de alguém que não se encontra em qualquer esquina e que certamente agregará valor ao setor privado e à sociedade. Ficando claros esses conceitos, vamos agora a uma breve lição de “Economics for Dummies”.

Imaginemos que os desvios citados nas redes sociais deixem de existir (o que é algo a se comemorar) e o governo, com sua varinha de condão, faz com que, como em um passe de mágica, surjam do nada as 4 USP’s adicionais tão clamadas pelos usuários do Facebook. Tudo mais permanece constante: população brasileira e sua distribuição intelectual, a oferta e qualidade da educação básica, etc. Apenas a USP original passa a se chamar “USP 1” e as demais são denominadas “USP 2”, “USP 3”, até a “USP 5”. Cada uma delas tem a mesma estrutura física, o mesmo número de professores e servidores, o mesmo número de vagas no vestibular (totalizando 5 vezes mais vagas para todas as USP’s), etc. Um último aspecto dessa idealização: não haveria discriminação entre os diplomas emitidos por quaisquer uma das 5 universidades – todos teriam um único selo “USP”.

Vamos então à primeira indagação nesse novo cenário: será que o vestibular, agora com 5 vezes mais vagas ofertadas (e nada mudou nos Ensinos Fundamental e Médio) conseguiria selecionar os mesmos “bons alunos” que a USP original selecionaria quando estava sem seus “pares”? Uma análise simplista seria dizer que a “USP 1” selecionaria alunos tão bons quanto a “USP original”, ao passo que “USP 2” selecionaria os conseqüentes – e assim por diante até a “USP 5”. Embora a hipótese tenha seu embasamento lógico, ela é restrita por considerar que, logo de início, os vestibulandos deixariam de atribuir ao “selo USP” o mesmo nível de exclusivismo (e possibilidades profissionais) que antes havia quando apenas uma USP existia. Provavelmente alguns alunos, que nem prestam vestibular para a USP (por não se considerarem suficientemente preparados), passariam a prestar – ao passo que outros, mais fluentes nos conceitos de oferta e demanda, deixariam de tentar o “vestibular das USP´s” por julgarem que a instituição em si não os outorgará um diploma condizente com suas aspirações profissionais de “alunos top”. É até correto estimar que o fluxo de alunos que entrariam no “pool” de vestibulandos vai ser maior que o fluxo de saída – em números absolutos. Novamente, pessoas não são meras commodities e não estaríamos trocando 6 por meia dúzia, mas sim um aluno que potencialmente passaria na “USP 1” por aquele que passou a tentar a USP por julgar o vestibular “agora mais fácil”

Trata-se de um efeito antecipativo do que se espera nos próximos anos – apenas como mercados nem sempre são informationally efficient essa perda de valor no diploma não se processaria de forma instantânea. O efeito se consolidaria – de forma devastadora – anos depois, quando os primeiros egressos nesse novo “complexo de 5 instituições” se formariam e, adentrariam (ao menos tentariam entrar) ao mercado de trabalho.

Vem a segunda pergunta: será que teremos em poucos anos uma demanda (leia-se número de vagas de emprego) para 5 vezes o número original de formandos da USP no mesmo “preço” que eram cotados quando a oferta era 5 vezes menor? Difícil de acreditar para um mercado dito emergente que cresce 0.9% ao ano. Pela segunda vez, Bingo! Lição fundamental de Economics for Dummies. Se a oferta aumenta 5 vezes e a demanda permanecendo constante, o preço do produto (no caso, os salários médios dos diplomados) inevitavelmente cai – e não seria pouco! Ou seja, alunos que antes galgariam desafios e ocupariam vagas de lideranças em empresas, hospitais, escritórios de advocacia etc., passam agora a mendigar por subempregos.

A mágica do governo ao “criar” mais 4 USP´s fez com que o círculo virtuoso de uma escola de excelência se transformasse num círculo vicioso. Ao quintuplicarmos as vagas, inevitavelmente já afetamos o conjunto dos vestibulandos interessados na instituição. Em alguns anos, alunos antes com excelentes propostas de carreira seriam incorporados ao grupo dos medianos. Os irmãos, primos e amigos mais novos desses formandos, assim como o mercado, passariam cada vez mais a associar o nome “USP” a poucas oportunidades – e assim o looping continua. Há ainda um outro agravante no meio do ciclo de destruição de valor: muitos docentes de qualidade que antes lecionavam na USP não pelo “salário competitivo”, mas pelo status de ser professor de uma das melhores universidades do Brasil, certamente pediriam demissão.

O resultado final desse processo é muito simples. Na tentativa de se ter não uma, mas cinco escolas de excelência – mas sem as respectivas reformas econômicas e institucionais que viabilizassem que o crescimento da demanda por profissionais de excelência seguisse o choque de oferta – terminamos não mais com 5 escolas de excelência, mas com a destruição da USP original e sua substituição por 5 universidades de segunda linha. Excelente essa idéia de que “mais sempre é melhor”, não? Os clamores dos internautas “politicamente engajados”, mas que “tem preguiça de estudar o problema a fundo” gerou malefícios para a sociedade como um todo.

Por fim, esse simples exemplo apenas ilustra que às vezes as melhores intenções podem levar às piores conseqüências. A única forma de minimizarmos isso é através do conhecimento – o que não necessariamente significa inflarmos ainda mais esse sistema público falido de educação existente no Brasil. Educação é um conceito muito mais amplo que ensino, pois além de conteúdo envolve a construção real de senso crítico e analítico, além de valores de cidadania.

Talvez se as escolas brasileiras tivessem desperdiçado um dia sequer para explicar como funciona o sistema proporcional de votos para cargos do Legislativo não teríamos eleito um palhaço que fez sua campanha zombando da democracia, como o Deputado Federal mais votado da história – ele e mais uma penca de 11 de seu partido, muitos ativos participantes do Mensalão. Ou talvez, as pessoas pensariam um pouco antes de compartilhar idéias movidas pelo apelo emotivo.

* ENGENHEIRO AERONÁUTICO PELO ITA E ALUNO DE PHD EM FINANÇAS DA CORNELL UNIVERSITY

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