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Lições do terremoto no Nepal

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A catástrofe que se abateu sobre o pobre Nepal, no último fim de semana, deixou a maioria de nós sensibilizada.  As notícias até agora dão conta de mais de 3.500 mortos, dezenas de milhares de feridos e bilhões de dólares em prejuízos materiais decorrentes do terremoto de sábado.

Minha reação ao ler as notícias vindas de Katmandu e, acredito, a de muitos de vocês que me lêem, foi de profunda tristeza.  No entanto, mesmo sabendo que milhares de seres humanos encontravam-se naquele momento diante de um sofrimento profundo, aquilo não foi suficiente para tirar o meu sono.  O grande Adam Smith, no livro “A Teoria dos Sentimentos Morais”, que precedeu sua obra magna “A Riqueza das Nações”, descreveu assim essa nossa, digamos, quase indiferença pelo sofrimento de pessoas distantes de nós:

“Suponhamos que o grande império da China, com suas miríades de habitantes, fosse subitamente engolido por um terremoto, e imaginemos como um humanitário na Europa, sem qualquer ligação com aquela parte  do mundo,  seria afetado  ao  receber  a  notícia  dessa  terrível calamidade. Imagino que… expressaria intensamente sua tristeza pela desgraça de todos esses infelizes, faria muitas reflexões melancólicas sobre a precariedade da vida humana e a vacuidade de todos os labores humanos, que num instante puderam ser aniquilados. (…)E… quando todos esses sentimentos humanos tivessem encontrado sua expressão definitiva, continuaria seus negócios ou seu prazer… com o mesmo relaxamento e tranqüilidade que teria se tal acidente não tivesse ocorrido”. Por outro lado, continua Smith, “O mais frívolo desastre que se abatesse sobre ele causaria uma perturbação mais real. Se soubesse que teria o dedo mínimo amputado pela manhã, não dormiria de noite; mas, desde que nunca os visse, roncaria na mais profunda serenidade ante a ruína de centenas de milhares de seus irmãos.”

Como Adam Smith bem sabia, é da natureza humana preocupar-se prioritariamente consigo mesmo e depois, pela ordem, com seus entes queridos, amigos e conterrâneos, para só depois pensar nas pessoas distantes que nunca conhecemos.

Talvez por conta desse distanciamento da realidade alheia, alguns economistas têm proposto teorias as mais bizarras.  Uma dessas teorias – defendidas por ninguém menos que o notório Paul Krugman, ganhador do prestigiado Prêmio Nobel – estabelece que os esforços de reconstrução após desastres como o do Nepal são capazes de incrementar a economia das localidades afetadas, especialmente em tempos de estagnação econômica – que vem a ser a situação permanente do Nepal, um país paupérrimo, com uma renda per capita de apenas US$ 1.000,00.

Logo após os atentados de 11/09/2001, Krugman escreveu em sua coluna no NYT que o impacto econômico direto dos ataques provavelmente não seriam tão ruins, destacando como potencialmente favorável o futuro esforço de limpeza e reconstrução dos edifícios derrubados, obrigando que empresas e governo aumentassem seus gastos.  Em 2011, Krugman foi ainda mais longe em seu raciocínio ao afirmar que todos nós teríamos muito a ganhar se descobríssemos uma ameaça iminente de extraterrestres, pois os eventuais gastos dos governos de todo mundo para tentar conter uma invasão alienígena fariam explodir os empregos e, consequentemente, o consumo agregado.  Mas Krugman não está sozinho nessa discussão.  Economistas do mundo inteiro têm se digladiado a respeito do tema.

A lógica por trás do argumento de Krugman, como ademais de boa parte do chamado “mainstream” econômico pode ser atribuída aos alfarrábios de John Maynard Keynes, que enfatizam a necessidade de o governo manter alta a demanda agregada, principalmente em períodos de estagnação econômica e/ou crises de desemprego.

Segundo Keynes, uma das maneiras de alcançar este objetivo seria o governo pagar as pessoas para fazer algo, não importa o que esse seria esse “algo”: pode ser até cavando valas para, em seguida, enchê-las novamente (exemplo dado pelo próprio Keynes); lutando contra uma invasão alienígena (real ou imaginária), ou reconstruindo prédios destruídos por um terremoto. Se pessoas têm mais dinheiro no bolso para gastar, a economia vai melhorar, de acordo com a lógica keynesiana.

Para os economistas liberais, por outro lado, tudo isso não passa da velha falácia da “janela quebrada”, tão bem explicada por Bastiat no clássico “O que se vê e o que não se vê”, um exemplo perfeito daquilo que os economistas modernos chamam de “custo de oportunidade”.

Segundo Bastiat, “na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei, não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los… Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever.”

Bastiat conta a estória do Bom Burguês Jacques Bonhomme, no dia em que teve uma vidraça quebrada por seu terrível filho.  No intuito de confortá-lo, seus vizinhos e amigos procuraram convencê-lo que “há males que vêm para bem”. Alguns argumentaram que são acidentes desse tipo que ajudam a indústria a progredir. “É preciso que todos possam ganhar a vida. O que seria dos vidraceiros, se os vidros nunca se quebrassem?”, diziam alguns mais otimistas.

Bastiat procura então estabelecer a verdade escondida por trás da falácia acima exposta.

“Supondo-se que seja necessário gastar seis francos para reparar os danos feitos, pode-se dizer, com toda justeza, e estou de acordo com isso, que o incidente faz chegar seis francos à indústria de vidros, ocasionando o seu desenvolvimento na proporção de seis francos. É o que se vê. Mas se, por dedução, chegarmos à conclusão de que é bom que se quebrem vidraças, de que isso faz o dinheiro circular, de que daí resulta um efeito propulsor do desenvolvimento da indústria em geral, então eu serei obrigado a exclamar: Alto lá! Essa teoria pára naquilo que se vê, mas não leva em consideração o que não se vê.

“Não se vê que, se o nosso burguês gastou seis francos numa determinada coisa, não vai poder gastá-la noutra! Não se vê que, se ele não tivesse nenhuma vidraça para substituir, ele teria comprado, por exemplo, um sapato novo, ou posto um livro a mais na sua biblioteca. Enfim, ele teria aplicado seus seis francos em alguma outra coisa, que, agora, não poderá mais comprar.

“Façamos, pois, as contas da indústria em geral: tendo sido quebrada a vidraça, a fabricação de vidros foi estimulada em seis francos; é o que se vê. Se a vidraça não tivesse sido quebrada, a fabricação de sapatos (ou de qualquer outra coisa) teria sido estimulada na proporção de seis francos; é o que não se vê.

“Façamos agora as contas de Jacques Bonhomme: Na primeira hipótese, a da vidraça quebrada, ele gasto seis francos e tem, nada mais nada menos que antes: o prazer de possuir uma vidraça. Na segunda hipótese, aquela na qual o incidente não ocorreu, ele teria gastado seis francos em sapatos e teria tido ao mesmo tempo o prazer de possuir um par de sapatos e também uma vidraça.

“Ora, como Jacques Bonhomme faz parte da sociedade, deve-se concluir que, considerada no seu conjunto, e fazendo-se o balanço de seus trabalhos e de seus prazeres, a sociedade perdeu o valor relativo à vidraça quebrada.”

Por último, é preciso entender que não há somente dois, mas três personagens no pequeno drama apresentado por Bastiat. Um deles, Jacques Bonhomme, representa o consumidor reduzido a ter, por causa da destruição, um só prazer em vez de dois. O outro, sob a figura do vidraceiro, nos mostra o produtor para quem o incidente estimula a indústria. O terceiro é o sapateiro (ou outro industrial qualquer) cujo trabalho é desestimulado também pelas mesmas razões.

“É esse terceiro personagem”, nas palavras de Bastiat, “que sempre se mantém na penumbra e que, personificando aquilo que não se vê, é peça fundamental do problema. É ele que nos faz compreender o quanto é absurdo afirmar-se que existe lucro na destruição. É ele que logo nos ensinará que não é menos absurdo procurar-se lucro numa restrição, já que esta é também, no final das contas, uma destruição parcial.”

A grande lição de Bastiat é que a sociedade perde o valor dos objetos inutilmente destruídos. Quebrar, estragar, dissipar não estimula a economia, ainda que alguma poupança temporariamente “congelada” tenha de ser aproveitada imediatamente, pois os recursos, sejam eles financeiros ou materiais, utilizados num determinado projeto jamais poderão ser empregados n’outro, mesmo no futuro.  A destruição, portanto, só se torna lucrativa quando é parte de um empreendimento programado, em que são sopesados custos e benefícios, além de realizada de modo voluntário e planejado pelo proprietário da coisa.

Ou será que alguém pode achar que batidas de automóvel, ainda que sem vítimas humanas, porque beneficiam oficinas mecânicas e lanterneiros, serão benéficas para a economia e a sociedade em geral?  Ou ainda que o aumento da criminalidade, que ocasiona o incremento dos gastos com segurança pelos indivíduos, possa ser algo bom?  Ademais, será que alguém acredita que o terremoto do Haiti, mesmo com toda ajuda humanitária deslocada para lá, foi bom para a economia daquele país?

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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