Um supremo de costas para a Constituição
Em sua fala na sessão do plenário do STF no dia 23, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, nos presenteou com um caso que exemplifica de forma brilhante o estado atual de interpretação das leis sob a batuta sua e de seus pares.
Barroso relatou, sem citar o ano, que, certa vez, o professor Geraldo Ataliba (1936-1995) deu uma palestra em um auditório onde havia placas indicando que era proibido fumar. O tema da palestra era justamente a efetividade das normas jurídicas. Quando confrontado por um dos ouvintes, que apontou a incoerência de palestrar sobre normas jurídicas, ao passo que fumava em um local onde era proibido fumar, o professor se saiu com essa: “A placa que diz proibido fumar está atrás de mim –portanto, evidentemente, ela não se aplica a mim. Eu não consigo ler de costas. E a outra placa está ali no auditório –o que significa que só não pode fumar quem está no auditório–, de modo que eu não descumpri norma alguma”.
Nota-se que Barroso relatou o caso em tom jocoso, sem demonstrar qualquer contrariedade em relação à postura do professor; pelo contrário, ele usou o caso para argumentar que “a interpretação jurídica nunca é uma matéria puramente singela”, bem como para concluir que “é sempre sujeita às múltiplas visões de vida’’, arrematando com uma crítica à interpretação literal das leis.
Ao menos ninguém pode acusar Barroso de ser incoerente, afinal, o estado atual de coisas não é justamente o resultado da interpretação “heterodoxa” de pontos que as leis e a Constituição estabelecem de forma muito clara? O presidente do STF exalta a criatividade do finado professor, mas a verdade é que não há corte dotada de maior criatividade quando o assunto é fazer valer sua vontade. Se quero fumar, mas não posso, por que não arguir que a norma não se aplica a mim devido à geografia das placas de proibido fumar? Na mesma toada, se quero, digamos, calar determinado grupo de pessoas e bani-las da vida pública, mas há o empecilho de que o texto constitucional veda a censura prévia, por que não se valer do mesmo tipo de artimanha e invocar logo uma diferente “visão de mundo” para ignorar a vontade do constituinte? Eis que, assim como o personagem da história de Barroso se sentia no direito de ignorar a regra devidamente exposta na sua retaguarda, temos um supremo que está de costas para a Constituição.
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