A farsa da direita “permitida”
Os resultados das eleições municipais encerradas no último domingo suscitam várias interpretações e especulações quanto ao futuro. Há boas e más notícias. Entre as boas estão a derrota fragorosa da esquerda: dos 1.762 candidatos a prefeito lançados por Psol, PCB, PCO, PSTU, UP, PCdoB e PT, apenas 271, ou 15%, foram eleitos. A rejeição ao PT continua bastante forte, apesar da montanha de dinheiro gasto nos dois turnos da campanha. A “esquerda de blazer” — o PSDB — parece ter afundado definitivamente. Houve certo crescimento da chamada direita, o que não era comum em eleições municipais, em que valia mais o poder da máquina e sempre foi pequena a importância de temas nacionais e ideológicos.
Mas a grande força no âmbito municipal, que conseguiu fazer quase 900 prefeitos, continuou sendo o “centrão”. Que, como se sabe, não pode ser classificado como de direita ou de esquerda, já que invariavelmente pende em direção ao lado para o qual o vento sopra em cada momento político, em troca de emendas e prebendas. Ora, isso significa que esse grupo é que, no fundo, continuará no leme do chamado “sistema”, como vem acontecendo desde a assim denominada redemocratização, ainda em meados da década de 1980. Quarenta anos de solavancos deveriam ser mais do que suficientes para demonstrar que isso não foi bom.
Para quem pensa em um Brasil novo, moderno, com um Estado enxuto, equilíbrio entre os três Poderes e respeito à economia de mercado, o fortalecimento desse centro fisiológico é uma péssima notícia. Discursos dos caciques do “centrão” foram habilmente apresentados como declarações de amor ao antirradicalismo. Na retaguarda da fala do prefeito eleito na capital paulista (quando agradeceu ao governador do seu Estado pelo apoio recebido afirmando que “o equilíbrio venceu todos os extremismos”) não é difícil perceber que estamos correndo o perigo real de retorno à chamada estratégia das tesouras. Nessa estratégia, PT e PSDB (ou seja, esquerda rústica e esquerda requintada) se revezavam no poder e iludiam o eleitor, sob os holofotes amigos da imprensa, levando-o a crer em uma disputa real entre esquerda e direita.
Em outras palavras, sob o pretexto de que é preciso evitar a “polarização”, estamos recaindo no conto do vigário da “direita permitida”. Uma direita que se apresenta como direita, mas que no fundo é um acampamento fisiológico habitado por nômades. Ou, na melhor hipótese, uma esquerda mais sofisticada, na tradição dos “tucanos” que fundaram o PSDB. A direita verdadeira — que a imprensa e o “sistema” chamam insistentemente de “extrema direita” — está sendo jogada para escanteio. E, se cair nessa esparrela, tenderá a ser cancelada. A verdade é que existe um perigo muito grande de que a direita, acreditando ingenuamente que foi a grande vencedora das eleições municipais e que nada será capaz de conter o seu avanço, se deixe iludir pelas raposas de sempre. Por conseguinte, é preciso ficar bem claro que o grande ganhador não foi a direita, mas o PSD, o MDB, o PL e o PP, velhos moradores do acampamento mencionado.
Bolsonaro teve o mérito de fazer com que as pessoas de direita perdessem a vergonha de se assumirem como tal. Muitos até descobriram que eram de direita graças a ele. Antes, se um sujeito fosse apontado como direitista, choraria lágrimas rodrigueanas de esguicho, sairia correndo de vergonha e se enfiaria em um buraco nos cafundós. Já os esquerdistas sempre assumiram a sua condição sem problemas e até com orgulho, embora historicamente defendessem, por simples ignorância, práticas que rejeitariam caso fossem bem informados.
É preciso enfatizar que a verdadeira direita, entendida como o conjunto de ideias que abrange o conservadorismo e a economia de mercado, não pode desaparecer ou se esconder. A polarização de ideias não só não é um mal, mas é necessária e desejável em qualquer democracia. Eliminar a polarização só interessa a quem se beneficia de algum modo com a estratégia das tesouras. Um liberal-conservador verdadeiro — ou um “direitista-raiz” — não pode se deixar dominar pelo “sistema” e muito menos aceitar a balela sedutora da “recivilização”. Se alguém neste mundo louco dos nossos dias é “civilizado”, é exatamente ele.
Por isso mesmo, deve ser firme na defesa dos valores em que acredita e ter bastante claro que não basta a um político ser um gestor eficiente para que seja imediatamente classificado como sendo da direita autêntica. Se a direita “permitida” colocar na Presidência em 2026 um político que seja apenas um bom gestor e não mais do que isso, poderemos seguramente dizer que o Brasil não vai virar uma Venezuela. Mas seremos levados a aceitar que vai voltar, simplesmente, a ser o Brasil que sempre foi. Isto é, vai andar de lado, com fisiológicos no comando político e economistas tucanos buscando o equilíbrio das contas públicas centrado no aumento da arrecadação, e não no corte de despesas e encolhimento do Estado.
Sendo assim, o eleitor da direita autêntica precisa analisar as posições dos futuros candidatos em, pelo menos, quatro áreas: a da economia, a do globalismo e guerra cultural, a da pauta dos costumes e a da crítica à “juristocracia” atual que vem ameaçando a democracia a pretexto de defendê-la.
A economia
A economia é importante, mas não é tudo. Tal como a andorinha, a política econômica, por melhor que venha a ser, sozinha, não faz nem verão e muito menos milagres, embora a maioria das pessoas — nela incluída boa parte dos economistas — costume pensar o contrário. Sim, a economia tem limites.
Qualquer governo é forçado a trabalhar com duas equipes, a econômica e a política. O ideal é que ambas atuem de modo coordenado e seguindo os mesmos princípios, como em um jogo cooperativo, mas é óbvio que isso não acontece. O que nos leva realisticamente a imaginar a economia como um jogo não cooperativo disputado em condições de incerteza genuína. Um exemplo simples esclarece este ponto: suponhamos que a equipe econômica busque o equilíbrio fiscal, mesmo erradamente, aumentando fortemente a carga tributária. Mas que a área política crie mais ministérios e contrate miríades de “companheiros”, aumentando assim a estrutura e o valor presente dos gastos públicos e emitindo sinais claros de que continuará a fazê-lo.
O resultado não pode ser outro: recessão e desemprego depois de algum tempo, sem nenhuma perspectiva de crescimento sustentado. No longo prazo, ou morrerão todos de fome — a começar, obviamente, pela população —, ou o presidente fará mudanças para alterar a política econômica, adequando-a a seus interesses. O que levaria a resultados desastrosos após algum tempo: inflação acompanhada por um espasmo de crescimento, abortado em seguida pelo recrudescimento da inflação e pela estagnação da economia, tal como em 2015 (e que poderá se repetir em 2025). Dependendo do que o Banco Central fizer, a recessão com inflação poderá vir mais cedo ou mais tarde – mas virá. Os economistas austríacos já sabiam disso desde o início do século 20. Ludwig Von Mises, por exemplo, chamava a atenção para esse problema de ausência de coordenação já em 1912, na sua monumental obra Teoria do Meio Circulante e do Crédito.
Na ausência de coordenação, mesmo quando a equipe econômica age corretamente, sua atuação é necessariamente prejudicada pelos erros da equipe política. E quando a última é o jogador dominante (aquele que determina a forma de agir da outra), estão dadas as condições para que o jogo deixe de ser cooperativo. O que impõe pesados custos aos demais agentes, vale dizer, à “sociedade”. O resultado costuma ser catastrófico.
Com vistas a 2026, a verdadeira direita deve buscar evidentemente um candidato comprometido com a responsabilidade fiscal, mas não com a visão equivocada de que tanto faz cortar gastos como aumentar impostos, desde que se gere superávit. É preciso um liberal de verdade. Alguém que saiba que é preciso reformar o Estado, abrir mais a economia, reduzir impostos, desburocratizar, estimular a meritocracia, incentivar o empreendedorismo, enfatizar os indivíduos e não o Estado, descentralizar recursos e decisões, respeitar contratos e garantir os direitos fundamentais básicos. Algum dos eventuais candidatos da direita “consentida” atenderá a esses requisitos? Como brasileiro, torço para que sim. Mas acho difícil.
Guerra cultural e globalismo
Até há pouco tempo, quando se falava em guerra cultural ou marxismo cultural, muita gente dizia que era uma invencionice, pura teoria conspiratória. Contudo, com o advento das redes sociais e graças ao trabalho de muitas pessoas dedicadas, o grande público atualmente tem noção de que a guerra cultural é uma realidade. É uma disputa que vem sendo travada desde a década de 1930, a partir da criação da Escola de Frankfurt e dos escritos de Antonio Gramsci. Intensificaram o conflito entre as visões de mundo em todos os campos culturais, introduzindo valores, linguagem e símbolos revolucionários de maneira paulatina e subliminar. As pessoas comuns, que não se deixam mais levar pela imprensa devota da seita esquerdista e que se informam pelo ambiente livre da internet, sabem muito bem que a direita precisa se contrapor à ocupação que a guerra cultural movida pela esquerda vem fazendo de todos os espaços. Você acredita que um presidente da direita “consentida” vai se comprometer com isso? Não creio.
Todos já ouviram falar da Agenda 2030 da ONU, do Governo Mundial, da Nova Ordem Mundial, do Fórum de Davos, de George Soros, de Klaus Schwab e dos intentos de controlar a vida de todos os habitantes do planeta. Será que um direitista “consentido” na Presidência vai ter a certeza de que é preciso combater essa maluquice totalitária e a coragem para fazê-lo? Ou vai ajoelhar-se diante desses verdadeiros inimigos da humanidade, alegando que é contra a “radicalização”? Ou, ainda, será que vai peitar os fanáticos do clima e os lunáticos do aquecimento global? Acho que será bem mais fácil ele cair de joelhos para os globalistas.
Costumes
As eleições de 2024 serviram também para reafirmar o que todo o mundo sabe, mas que a imprensa se esmera para esconder: o fato de que o povo brasileiro é conservador nos costumes, que acredita em Deus, que coloca a instituição familiar em primeiro plano, que aceita a igualdade de todos perante a lei. E que, portanto, rejeita o identitarismo desagregador, as manifestações doentias do wokeísmo e todo o rol de confrontações de cariz marxista entre sexos, ideologias de gêneros, raças, religiões, idades, classes sociais etc. Mais uma vez, temos que nos perguntar: o que um eventual presidente ou senador da direita “consentida” fará efetivamente, por exemplo, para abolir definitivamente a tragicômica linguagem neutra? Ou, então, imaginar o que fará caso, em uma solenidade, alguém cante algo como “des filhes desse pove és responsável legal gentil”.
Juristocracia
Por fim, é crucial saber o que um candidato de direita pensa a respeito da juristocracia. Juristocracia é essa nova ordem política que suplanta as fronteiras do puro ativismo judicial e que vem se registrando em vários países, em que o Judiciário assume um papel central na tomada de decisões governamentais, especialmente na interpretação e aplicação das leis, limitando consequentemente o poder do Legislativo e do Executivo. Para um liberal, esse regime político é perigoso, pois enfraquece as constituições, impedindo-as de garantir o desejável sistema de freios e contrapesos entre os três Poderes. O que, sem dúvida, ameaça o Estado de Direito (rule of law) e sufoca a representatividade do povo — que, por definição e imposição constitucional, deve ser a única fonte da qual emana o poder. O que fará um presidente ou um senador da direita “consentida” para restabelecer o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes, sem os quais a democracia passa a ser um mero disfarce?
Ainda temos dois anos pela frente até as eleições de 2026. Mas a direita liberal-conservadora precisa pensar seriamente em separar o joio do trigo desde já, o que implica rejeitar os espertalhões da direita “consentida”. O Brasil não pode mais regredir ao circo das tesouras.