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Os problemas de sabatinas no Senado para indicações ao STF

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No século XIX, a duquesa de Bedford se queixava do vazio no estômago que sentia no final da tarde e, para enganar a fome, passou a tomar uma xícara de chá e fazer um pequeno lanche. O ato deu início a uma tradição britânica: o chá das cinco. Um momento tranquilo para comer algo entre o almoço e o jantar e conversar tranquilamente com amigos e familiares. Essa atmosfera tranquila é similar com os períodos de sabatina no Senado Federal para indicação de novos integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil, onde os nomes indicados pelo presidente da República são raramente rejeitados. Tamanha facilidade em nomear ministros da suprema corte levanta a questão: por que é tão fácil para um presidente brasileiro nomear quem é de seu interesse como Ministro do STF?

Os requisitos constitucionais para a nomeação ao STF incluem ter entre 35 e 65 anos, possuir uma reputação ilibada e notável saber jurídico, bem como ser aprovado por uma sabatina dos senadores. Em teoria, se um presidente indicar um jurista com a intenção de “aparelhar” o STF para servir a seus interesses, há um Sistema de Freios e Contrapesos previsto, em que o Poder Legislativo, representado pelo Senado Federal, tem o poder de negar a indicação do Executivo para o mais alto cargo do Judiciário. No entanto, esse sistema no Brasil praticamente não funciona. Além disso, os conceitos de reputação ilibada e notável saber jurídico são vagos e interpretados de forma extremamente flexível e abrangente, o que acaba resultando na aprovação de praticamente qualquer indicação.

Existem motivos válidos para reprovar algumas das indicações. Segundo um estudo dos cientistas políticos André Marenco e Luciano Da Ros, entre 1985 e 2006, um terço dos indicados ao STF tinham filiação partidária. Mesmo assim, todos foram aceitos sem problemas pelo Senado. Ao longo de 133 anos (de 1889 a 2023), a Casa Legislativa rejeitou apenas cinco indicações presidenciais, todas durante o governo de Floriano Peixoto (1891 a 1894), cujo governo foi historicamente considerado um desastre, marcado por repressão política, restrição de liberdades civis, crise econômica, centralização de poder e até uma guerra civil. Dessa forma, suas indicações foram reprovadas mais em virtude da presidência conturbada do que pelos nomes indicados em si.

Algumas sabatinas foram breves, com os indicados sendo recebidos sob aplausos antes mesmo de começar. Em 2011, por exemplo, Luiz Fux foi aprovado com apenas dois votos contrários entre os 81 senadores, Nelson Jobim recebeu somente três votos contrários em 1997, enquanto Ellen Gracie foi aprovada por unanimidade em 2000. As perguntas são, em geral, mornas e sem questionamentos ou réplicas.

Quem mais se aproximou de ser reprovado foi Francisco Resek, que recebeu 45 votos a 16, apenas 4 a mais do que os 41 necessários. Indicado por Fernando Collor em 1992, Resek já havia integrado o STF no início dos anos 1980 e deixou o tribunal para assumir um ministério do governo. Collor também indicou Marco Aurélio Mello, seu primo, para a vaga, em 1990, sem grandes problemas, apesar da proximidade violar princípios republicanos.

Metade das sabatinas acontecem em média 14 dias após a indicação, segundo levantamento da Folha de São Paulo, um período relativamente curto para a reunião de informações e apuração do debate público sobre o indicado.

O sistema brasileiro é inspirado no modelo norte-americano. Contudo, para efeito de comparação, entre 1789 e 2014, o Senado dos Estados Unidos rejeitou doze indicações presidenciais para a Suprema Corte americana. Ao contrário do “chá das cinco” que ocorre entre o indicado e os parlamentares no Senado Federal brasileiro, lá há um risco real de muitos dos indicados não serem aprovados, com candidaturas frequentemente sendo retiradas antes mesmo de as sabatinas ocorrerem.

Em 1987, por exemplo, Ronald Reagan retirou a candidatura de Douglas H. Ginsburg, porque supostamente ele teria utilizado maconha em algumas ocasiões, em um período em que a guerra às drogas estava em seu auge. Já George W. Bush, em 2005, retirou a candidatura de Harriet Miers, que antes tinha sido sua advogada, porque, durante conversas preliminares com o Senado, foi avaliado que ela teria poucas chances de ser aprovada.

Para se tornar um Ministro da Suprema Corte Americana, a vida do candidato é minuciosamente investigada, o processo pode durar dias e frequentemente surpreende até mesmo os familiares do indicado, tamanha é a rigidez da sabatina.

Apesar de o Brasil ter um sistema semelhante ao norte-americano, as instituições aqui não cumprem efetivamente o papel que lhes cabe, assumindo historicamente uma postura meramente homologatória das indicações do Executivo, tornando a sabatina uma mera formalidade. Isso é culpa de nossos senadores, geralmente muito alinhados com o Executivo e envolvidos em interesses político-partidários, sendo pouco preocupados com uma composição técnica e respeitável do STF. Eles também se mostram alheios às possíveis consequências negativas que um ministro inadequado pode causar ao criar precedentes e até mesmo ao utilizar o mecanismo de controle de constitucionalidade para legitimar avanços do Estado em detrimento da liberdade individual dos cidadãos.

Muitas vezes, as sabatinas ocorrem em momentos informais previamente, em jantares e audiências reservadas entre o indicado ou possível indicado e os senadores. Há, portanto, uma campanha prévia, que serve de termômetro, tornando as sabatinas ainda mais protocolares.

O sistema de freios e contrapesos foi criado para evitar abusos, mas a prerrogativa das sabatinas que o Senado possui não é devidamente utilizada. Essa falta de escrutínio não se aplica apenas aos ministros do STF, pois a Constituição Federal também determina a sabatina de magistrados do Superior Tribunal de Justiça, ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República, Presidente e diretores do Banco Central, o Procurador-Geral da República e outros cargos conforme estabelecido em lei, e raramente um nome não é aprovado.

Sabatinas precisam ser respeitosas e técnicas, mas não foram feitas para ser tranquilas como os chás da 5 da duquesa de Bedford, sob pena de impedir o fortalecimento do Estado de Direito no Brasil.

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Luan Sperandio

Luan Sperandio

Analista político, colunista de Folha Business. Foi eleito Top Global Leader do Students for Liberty em 2017 e é associado do Instituto Líderes do Amanhã. É ainda Diretor de Operações da Rede Liberdade, Conselheiro da Ranking dos Políticos e Conselheiro Consultivo do Instituto Liberal.

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