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De Roma a Brasília, mais arbítrio e insanidade

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Se, em suas manifestações grosseiras e fora dos autos, o ministro Gilmar Mendes utiliza a expressão “infecção oportunista” para designar a maior operação de combate à corrupção da nossa História, eu, aqui do meu canto, ouso enxergar focos de infecções nos mais diversos sistemas das nossas estruturas de poder. Oportunistas, agentes públicos “patogênicos”, tiram partido da debilidade de um corpo social imbecilizado e apassivado para parasitá-lo e potencializarem sua virulência sobre nossa coletividade incapaz de montar uma resposta imune minimamente eficiente.

Desde o último final de semana, o debate público entre nós não faz senão repercutir uma suposta violência praticada contra o ministro Alexandre de Moraes e sua família, em pleno aeroporto de Roma, na fila de um voo de retorno ao Brasil. No domingo, quase todas as notícias veiculadas giravam em torno do substantivo “agressão”, induzindo o público à crença de que o filho do togado teria sido atingido em sua integridade física[1]. No entanto, como discutido em recente vídeo no meu canal[2], as horas passavam sem que chegassem às redações dos jornais quaisquer imagens da tal brutalidade, e muito menos laudos médicos ou prontuários de atendimento ao rapaz recém-espancado. Tampouco se lia, na imprensa italiana, uma notinha sequer sobre tamanha lesão corporal sofrida pelo herdeiro do alto dignitário da nossa justiça.

Assim, impossibilitadas de seguirem reportando uma violência sem registros imagéticos, quase um vandalismo ma non troppo, nossas vozes midiáticas começaram a deixar de lado a figura do júnior para se aterem à do pai, o figurão “hostilizado”. A narrativa da ação física contra o jovem deu lugar à fúria de jornalistas, comentaristas e até juristas contra o que teria sido uma inadmissível ofensa à honra do togado, ou, nas palavras do ex-magistrado Lewandowski, um crime contra o próprio Estado de Direito[3]. Como se Moraes, pessoa física mortal e vulnerável, incorporasse o Estado em si, em uma versão tupiniquim do absolutismo de Luís XIV!

Diante de críticas de “pessoas comuns” ao inatingível potentado, é claro que a cúpula judiciária, por ele mesmo integrada, não tardaria a reagir, e, mais uma vez, a ditar suas normas, totalmente estranhas aos dispositivos constitucionais e legais. Sem maiores surpresas para quem vem se acostumando ao autoritarismo reinante, a polícia federal, em operação autorizada pela presidente do STF, acaba de cumprir mandados de busca e apreensão nos domicílios dos acusados da gravíssima conduta de “hostilizarem” o intocável[4]. Fruto do mais puro arbítrio, a medida chega a constranger até acadêmicos iniciantes nos cursos jurídicos, pois: (i) nenhum de seus alvos possui o dito foro privilegiado, capaz de justificar a atuação da suprema corte no caso; (ii) como tantas vezes debatido aqui, em se tratando de eventuais crimes contra a honra, Moraes, se ofendido, deveria ter ingressado, em primeira instância, com uma ação contra seus pretensos ofensores, e não ter mobilizado a corte constitucional à qual pertence para “tomar suas dores”; e (iii) os atentados à honra são crimes formais, consumados com a mera prática do ato (a verbalização das ofensas), razão pela qual não existe, nos endereços visitados, qualquer elemento relevante para a caracterização de supostas calúnias, injúrias ou difamações perpetradas há dias, e do outro lado do Atlântico!

Portanto, tornamos a nos debruçar sobre uma providência judicial desprovida de qualquer fundamentação técnica, mas de cunho visivelmente político. Ora, se, à luz da razoabilidade jurídica, nada há que buscar nos tais domicílios, o que será mesmo que os agentes policiais irão vasculhar nas memórias dos computadores e celulares apreendidos? Talvez algum rastro de preferência político-partidária dos alvos, ou até uma eventual vinculação destes com questionamentos sobre urnas eletrônicas ou “ataque golpista” – seja lá o que isso signifique! -, como aventou o próprio advogado de um dos investigados[5]. Nada digno de estarrecimento no estado policialesco em visível edificação, onde o atual ministro da Justiça, autoridade à frente da PF, assume sua ânsia por uma regulação das redes “por causa de “ideias da direita””[6], ou seja, no desejo de censurar um dos polos do espectro ideológico.

E, por falar em investigações um tanto heterodoxas e em arapongagens de toda a espécie, vale mencionar, aqui, o inusitado pedido endereçado pela PGR ao Supremo, nos autos do “inquérito dos atos antidemocráticos” – mais um dos intermináveis inquéritos abertos de ofício, e sem objeto definido -, no sentido de intimar as principais plataformas digitais a fornecerem a lista completa dos seguidores de Bolsonaro, em todas as redes deste[7]. A leitura da aludida petição do Ministério Público, que, de encarregado da persecução a autores de crimes, vem se tornando um braço de togados e dos assentados no Planalto na apuração de opiniões individuais sobre figuras públicas e até sobre o nosso sistema eleitoral, me forneceu uma boa perspectiva sobre as novas funções dos procuradores.

Observei, por exemplo, que, desde o vandalismo do 08.01, o MP vem requisitando à suprema corte a investigação de manifestações do ex-presidente Bolsonaro que tenham possivelmente “instigado” atos violentos contra o Estado de Direito. Embora fiscal da lei, o órgão parece ter esquecido o princípio constitucional da responsabilidade individual pela prática de crimes, e, em vez de perseguir os narco-milicianos, corruptos e corruptores que tornam o país um recordista nos rankings da violência e da corrupção, assume o papel de verdadeira “comadre fofoqueira”, passando a perquirir gostos e preferências de políticos, e, agora, até de seus seguidores.

Também foi graças à leitura da referida peça que descobri a existência das figuras do “especialista em comunicação política de movimentos extremistas”, e até do “especialista em monitoramento de grupos de apoiadores de Jair Bolsonaro”, cuja oitiva pode vir a ser sugerida pelo MP ao STF[8] com o fim de colher evidências acerca do impacto, nas redes, de vídeos e discursos bolsonaristas que, nas palavras do procurador, “demandam rupturas institucionais”. Confesso que tive de reler o texto para acreditar na mensagem que meus olhos insistiam em transmitir ao cérebro: a possibilidade de consulta a experts em movimentos considerados, sob a ótica do grupo político da situação, como “extremistas”, e, mais grave ainda, de outros profissionais cuja única especialização consista em vigiar a atuação do mandatário anterior, derrotado nas últimas eleições. Quais os próximos passos para a transformação das nossas instituições, cada vez mais alheias ao ditame constitucional da impessoalidade, o que nos lembra Gestapo, KGB ou Stasi ?

Por fim, e não menos importante, não se pode silenciar sobre o discurso daquele que decidiu se manifestar por último sobre o caso, e que, na qualidade de atual ocupante da cadeira presidencial, avocou para si o poder ilegítimo de “extirpar essa gente[9]”. Foi nesses termos exatos que Lula se pronunciou sobre um possível destino por ele reservado aos tais “animais selvagens”, ou melhor, aos supostos ofensores de Moraes. “Nós precisamos punir severamente pessoas que ainda transmitem o ódio”, afirmou o ex-condenado não absolvido, disposto a negociar um “acordo maduro”, mas pronto a infligir duras punições ao ressurgentes de um movimento político por ele designado como “neofascismo”.

Vivemos dias de tamanha insegurança em que não se pode antever quem realmente julgará os litígios nacionais, em particular os que tangenciarem matérias enxergadas como questões políticas – e muito menos quais os critérios para a formação de tais juízos.

Na biologia, os patógenos mais aptos são os que causam inflamações leves em seus hospedeiros, com vistas a assegurarem a sobrevivência destes, e a estabilidade na própria relação patógeno-hospedeiro. Por aqui, se nossos “patógenos” de toga ou colarinho engomado, de tão inebriados e enlouquecidos por seu poder sem freio, arrasarem a economia e aniquilarem o Estado de Direito, muitos de nós, “hospedeiros”, poderemos deixar o país, resistir a duras penas ou simplesmente perecer. Quanto a eles, não se sabe até quando exercerão seu parasitismo, nem mesmo qual será a dimensão das infecções provocadas. A ver.

[1] https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/07/15/moraes-e-hostilizado-e-tem-filho-agredido-em-roma-pf-identificou-envolvidos.ghtml

[2] https://www.youtube.com/watch?v=IE0q-yDtBlA&t=646s

[3] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/agressao-contra-moraes-pode-configurar-crime-contra-o-estado-democratico-de-direito-diz-lewandowski-a-cnn/

[4] https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADtica/pf-faz-buscas-na-casa-de-acusados-de-hostilizar-alexandre-de-moraes-1.1064558

[5] https://www.metropoles.com/brasil/pf-faz-busca-e-apreensao-na-casa-de-3-acusados-de-agredirem-moraes-na-italia

[6] https://www.gazetadopovo.com.br/republica/flavio-dino-redes-sociais-reafirma-governo-quer-regular.

[7] https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/07/18/defesa-de-bolsonaro-pede-que-moraes-rejeite-solicitacao-da-pgr-para-identificar-seguidores-do-ex-presidente-nas-redes.ghtml

[8] chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://static.poder360.com.br/2023/07/pgr-redes-sociais.pdf

[9] https://revistaoeste.com/brasil/lula-essa-gente-tem-que-ser-extirpada/

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Judiciário em Foco

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Katia Magalhães é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ, atuante nas áreas de propriedade intelectual e seguros, autora da Atualização do Tomo XVII do “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, e criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube.

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