Censura ontem e hoje
Em 1968, o então deputado Márcio Moreira Alves fez um discurso criticando o regime militar. Em resposta, o governo pediu autorização ao Congresso para processá-lo, mas, diante da negativa, editou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que marcou um período de recrudescimento da repressão, censura, cassação de mandatos e suspensão de direitos individuais.
A liberdade e a imunidade parlamentar não são uma garantia conferida ao político, mas ao eleitor e à democracia, pois, se o político ficar com receio de expor suas opiniões, sob pena de responsabilizações civis e penais, ele se calará e a democracia morrerá de inanição.
O tema é especialmente relevante neste momento em que se discutem a imunidade parlamentar e a regulação das plataformas sociais e os riscos de que as manifestações de cunho político possam sofrer censura.
Vamos a um exemplo prosaico: a frase que se lê de modo frequente nas redes sociais — “O presidente é um incompetente, corrupto e está destruindo o país”. Ou algo ainda mais extremo: “O presidente merece morrer”. Essas frases, ditas sem que lhes acompanhe qualquer plano concreto de ação, podem ser consideradas criminosas e, assim, censuradas?
Assumindo, para facilitar o debate, que sim, teremos imediatamente outro problema: como garantir que o critério utilizado valerá para os dois lados do espectro político?
Havendo discrepância, a frase poderá ser vista como um desabafo, quiçá uma brincadeira ou, quem sabe, uma ameaça concreta ao governante e à própria democracia.
Quando se abre a caixa de ferramentas da censura, torna-se difícil usá-la com parcimônia e imparcialidade. E mais difícil ainda fechá-la.
Lamentável que os amplos movimentos que, a justo título, se levantaram contra a edição do AI-5 estejam silenciosos ou mesmo apoiando a vaga censória que ameaça deitar seu manto sobre o Brasil.
Como em 1984, as palavras começam a se moldar aos caprichos do poder: a liberdade vira escravidão, a ignorância é força, e o ato de pensar se torna um crime. Estamos no limiar de ver o Ministério da Verdade surgir sob novas vestes, com algoritmos ao invés de arquivos de papel, mas com o mesmo propósito: decidir o que pode ser dito, pensado ou até sonhado.
Cabe-nos resistir, pois a censura, uma vez instalada, não se limita a silenciar vozes. Ela destrói a essência do que significa ser livre.
Sergio Lewin – Advogado e Fundador da Lexum.