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As imagens valem mais que mil falácias

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Ao longo da última semana, nosso debate público foi inteiramente pautado por imagens. Só que não por tomadas de novelas, séries ou outras obras ficcionais, e sim por vídeos protagonizados por figuras da esfera de mando que arrebataram o cidadão comum, e marcaram presença nas mais diversas searas da comunicação, desde os noticiários até conversas de botequim e no seio dos lares.

Já na manhã de segunda, fomos assolados por manchetes bombásticas sobre o pedido de prisão do senador Moro, apresentado pela PGR ao Supremo e motivado por uma suposta calúnia contra o ministro Gilmar Mendes[1]. Tratava-se de denúncia mediante a qual a subprocuradora Lindôra Araújo propunha ação penal contra o parlamentar com base em vídeo disseminado nas redes sociais, onde Moro, em clima de confraternização, dizia que: “Não, isso é fiança, instituto… pra comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes (sic)”.

No entanto, as quatro páginas, que mais parecem redigidas por uma assessora do supremo togado que por uma representante da PGR, contêm um arrazoado cuja plausibilidade não convenceria sequer um calouro de bons cursos jurídicos. A começar pela iniciativa da medida, que não teria cabido à subprocuradora, mas tão somente ao ministro, caso tivesse se sentido caluniado. De fato, como deve ser do conhecimento da Dra. Lindôra, a calúnia, crime contra a honra que consiste na falsa imputação, a alguém, da prática de um delito, só pode ser questionada, em âmbito penal, pelo próprio ofendido, ou, nesse caso específico, por Mendes[2]. E por mais ninguém além dele!

Quanto ao teor das acusações contra Moro, percebe-se o pinçamento, pela PGR, de uma única frase como pretensa evidência delitiva, sem qualquer aferição das circunstâncias sob as quais teria sido proferida a tão propalada calúnia. Se não tivesse sido açodada, a subprocuradora teria observado que, no vídeo, o senador aludia, em tom jocoso, à “cadeia de festa junina”, da qual se sai mediante o pagamento de uma prenda[3]. Tudo inserido no âmbito saudável de uma brincadeira, em ambiente descontraído entre amigos.

Assim, como o crime de calúnia somente se configura pela imputação de fato bem determinado – por exemplo: uma falsa afirmação de que o juiz X vendeu a sentença no caso Y pelo valor Z -, e como a consumação da calúnia pressupõe a intenção direta do caluniador de atentar contra a honra do caluniado, é óbvio que a fala de Moro não pode caracterizar calúnia, pois o senador a proferiu com o mero desejo de fazer uma brincadeira, ou, em juridiquês, com animus jocandi.

Dois dias após a eclosão do dito “caso Moro”, o país tornaria a ser sacudido por uma sequência de imagens. Estas, porém, nada alusivas a festejos, senão a um cenário de caos e destruição do patrimônio público, prelúdio para o reforço de narrativas sobre um pretenso “golpismo” contra a ordem estabelecida, e para um oportunístico vitimismo por parte dos titulares do poder. Como escancarado pelas imagens obtidas por uma emissora[4], o então ministro do GSI, nomeado pelo atual presidente, foi visto, no fatídico 8 de janeiro, na antessala da presidência da república, recepcionando os depredadores, que circulavam livremente pelos corredores do Planalto quase como turistas ciceroneados pelo referido general e pelos demais militares sob o seu comando. Abandono de postos estratégicos por homens do GSI, poucos minutos antes do ingresso de depredadores no palácio presidencial, e completa inação da tropa situada na área externa diante da invasão por eles testemunhada foram apenas alguns registros desse thriller macabro, que incluiu ainda saudações trocadas entre uma alta patente do GSI e uma invasora, e até a disponibilização de água aos delinquentes. O grand finale ficou por conta da interação cordial, durante a qual o então ministro do GSI orientou os invasores a deixarem o prédio, sem qualquer medida destinada à detenção dos criminosos, mesmo depois de consumadas todas as barbáries daquela tarde inesquecível.

Após o vandalismo, o GSI havia colocado sob sigilo as imagens descritas acima, tendo-se recusado a fornecê-las tanto à Câmara Distrital quanto à deputada federal Adriana Ventura (NOVO/SP), sob o argumento pífio de que as cenas revelariam a identidade de servidores militares atuantes no Planalto[5]. Contudo, após sua divulgação pelo que ainda nos resta de imprensa livre, intuímos que as razões para tamanha confidencialidade possam ter sido bem outras – e espúrias.

No plano objetivo-imagético, nossos olhos captaram inequívoco conluio entre os vândalos e, pelo menos, o então ministro e seus assessores fardados que estrelaram as cenas – conluio evidenciado pela inércia por parte daqueles aos quais incumbia a obrigação de agir, mas que faltaram com seu dever de ofício, em condutas passíveis de configurarem crime de servidores contra a administração pública em geral[6].

Já no âmbito das narrativas, o STF segue alheio aos eventos e obstinado em seu propósito de mostrar à nação que uma centena de anônimos, encorajados por políticos classificados pela corte como pertencentes ao “espectro da direita”, teriam sido os verdadeiros protagonistas de “atos golpistas” e de crimes como o de abolição do estado democrático de direito. Tanto assim que os supremos togados acabam de formar maioria para tornar réus cem denunciados por tais delitos[7], embora cônscios de que: (i) as referidas pessoas não poderiam ser processadas perante a suprema corte, por carecerem de prerrogativa de foro (ou foro privilegiado); e (ii) as imagens do 08.01 descortinaram a intenção de causar dano ao patrimônio público, e não de promover um verdadeiro cerco brasiliense. Afinal, só golpistas de araque tentariam uma derrubada da ordem vigente sem qualquer treinamento ou organização militar, e em pleno domingo, dia oficial da folga dos nossos Senhores…

Aliás, qual foi a resposta da nossa cúpula judiciária às cenas protagonizadas pelo então ministro do GSI, e divulgadas ontem pela emissora? A simples intimação do fardado para, em 48 horas, manifestar-se sobre o ocorrido[8]. Providência um tanto tímida para um tribunal e, em particular, para um supremo togado que não hesita em censurar, remover perfis, intimidar pseudo-opositores e efetuar prisões por “crimes de opinião”, sem qualquer apreço ao devido processo legal.

Diante dos dois assuntos hoje debatidos neste espaço, constata-se, mais uma vez, que as ideias alardeadas pela maioria dos nossos poderosos, sobretudo pelos autointitulados representantes do bem e da democracia, estão longe de corresponderem aos fatos. No que se refere a Moro, um vídeo mostrou um lado brincalhão do senador, contradizendo a narrativa da PGR sobre uma pretensa calúnia por ele praticada. Quanto aos atos do 08.01, as imagens recém-divulgadas descortinaram um elo entre o primeiro escalão do governo e os supostos “golpistas”, contrariando a versão oficial formulada por magistrados de cúpula e pelo PT e seus aliados, no sentido de que tais criminosos seriam opositores do grupo político ora “empoderado”.

Em um país de fraquíssima institucionalidade, onde vários governantes, togados, formadores de opinião e até fardados não hesitam em negociar a honra inerente às suas posições por alguma vantagem indevida, convém questionar narrativas, sobretudo quando estas tendem a inspirar verdadeiros coros hegemônicos, e buscar, em veículos diversos, provas mais robustas, tais como fotografias, gravações e vídeos. Na dúvida, ainda é mais seguro “ver para crer” e, pelo menos no âmbito dos fatos políticos, resistir à tentação do “crer para ver”.

[1] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pgr-pede-prisao-de-sergio-moro-por-dizer-que-gilmar-mendes-vende-habeas-corpus/

[2] Artigo 145 do Código Penal – Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa (…)

[3] https://diariodopoder.com.br/brasil-e-regioes/xwk-brasil/moro-brincava-de-cadeia-de-festa-junina-ao-sugerir-corromper-mendes

[4] https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/imagens-exclusivas-da-cnn-mostram-atuacao-do-gsi-nos-atos-de-8-de-janeiro/

[5] https://www.folhape.com.br/politica/gsi-impos-sigilo-sobre-imagens-que-mostram-ministro-e-se-negou-a/267009/

[6] Prevaricação: Art. 319 do CP – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

[7] https://jovempan.com.br/noticias/politica/stf-forma-maioria-para-tornar-reus-envolvidos-em-atos-de-8-de-janeiro.html

[8] https://www.infomoney.com.br/politica/moraes-da-48-horas-para-pf-ouvir-ex-ministro-do-gsi-sobre-8-de-janeiro/

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Judiciário em Foco

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Katia Magalhães é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ, atuante nas áreas de propriedade intelectual e seguros, autora da Atualização do Tomo XVII do “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, e criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube.

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