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Arte, inteligência artificial e direitos autorais

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A rápida evolução da inteligência artificial tem provocado verdadeiro frisson entre entusiastas da tecnologia, ao passo que também tem levantado questões acerca dos limites e das consequências da sua utilização no cotidiano das pessoas.

Quem acompanha as notícias sobre inovação certamente já ouviu falar no recém-lançado ChatGPT (sigla para Generative Pre-Trained Transformer), plataforma que utiliza um algoritmo baseado em redes neurais para estabelecer uma conversa com o usuário a partir do processamento de um enorme volume de dados. Apesar de ser novidade, o ChatGPT já esteve no centro de um protesto de estudantes da Vanderbilt University, quando veio à tona que a administração da universidade utilizou a ferramenta para elaborar uma declaração após o tiroteio em massa na Michigan State University, em 13/02/2023.

O fato de uma inteligência artificial desenvolver trabalhos tão tipicamente atribuídos à inteligência e sensibilidade humanas é parte do debate que envolve essas tecnologias. O Midjourney, por exemplo, sistema que cria imagens a partir de descrições textuais, é capaz de criar obras de arte sofisticadas a ponto de receberem prêmios artísticos.

Em 2022, a artista Kristina Kashtanova lançou a Zarya of the Dawn, uma história em quadrinhos on-line. Kashtanova escreveu todo o texto e organizou as páginas da publicação, mas usou o Midjourney para criar as ilustrações. A artista solicitou junto ao Escritório de Direitos Autorais dos EUA (USCO, na sigla em inglês) em setembro de 2022 e, inicialmente, conseguiu obter os direitos autorais da obra. Contudo, menos de um mês depois, a USCO reviu seu posicionamento, afirmando que, de acordo com as leis americanas, os direitos autorais exigem autoria humana e, uma vez que as imagens foram geradas pelo Midjourney, não haveria que se falar em direitos para a artista, determinando que apenas o registro dos textos que geraram as ilustrações seriam passíveis de proteção.

Esse caso, em específico, levanta não somente a questão sobre o que constitui uma criação original quando uma inteligência artificial está envolvida, mas a quem ela pertence. Ainda de acordo com as leis americanas, só são passíveis de direitos autorais trabalhos que demonstrem um “mínimo de criatividade”, termo que, pela subjetividade, deixa nas mãos do governo (seja pela USCO ou pelo Judiciário) a decisão de determinar se há ou não criatividade humana em determinada obra.

Ao negar os direitos autorais à Kashtanova, a USCO afirmou não ser permitido o registro de obras produzidas por uma máquina ou mero processo mecânico que opere de forma aleatória ou automática, sem qualquer contribuição criativa ou intervenção de um autor humano. A decisão alegou, também, que o prompt inicial de um usuário no Midjourney gera quatro imagens diferentes e, embora prompts adicionais aplicados a uma dessas imagens iniciais possam influenciar nas imagens subsequentes, o processo não é controlado pelo usuário, pois não é possível antecipar a imagem que a ferramenta vai criar.

O advogado de Kashtanova, por outro lado, alegou que a USCO usou o padrão legal errado, isto é, focou incorretamente no que a ferramenta produziu, e não no que sua cliente forneceu de dados (criativos) para tal resultado, já que, se a artista não tivesse alimentado o Midjourney com centenas de instruções em um processo de tentativa e erro, o visual ideal não teria sido alcançado. A USCO, contudo, manteve o posicionamento quanto à não-concessão dos direitos autorais das imagens, limitando-se a proteger apenas o texto gerador.

Uma das mais recentes polêmicas envolvendo a utilização de inteligências artificiais nas artes aconteceu em janeiro de 2023, quando um grupo de artistas entrou com uma ação coletiva contra o Midjourney e outros artbots por violações de direitos autorais envolvendo o uso de suas obras como matéria-prima para a geração de conteúdos visuais. A Getty Images (famoso banco de imagens) decidiu processar a Stability AI (startup britânica criadora da ferramenta de arte StableDiffusion) por motivos semelhantes, acusando-a de copiar e usar ilegalmente milhões de imagens protegidas por direitos autorais com o objetivo de “treinar” seu próprio software.

Aqui no Brasil, nossa legislação define autor, via de regra, como pessoa física, de modo que computadores e softwares não se enquadrariam nessa categoria. Por trás da inteligência artificial, sempre há a ação humana, o que, num primeiro momento, pode parecer colocar fim ao debate. Ocorre que é preciso considerar que não apenas temos a ação de múltiplos agentes, a exemplo de programadores e usuários, como o fato de que a inteligência artificial, ainda que por meio de algoritmos treinados por humanos, tem a capacidade de produzir resultados completamente originais e totalmente fora do controle do programador ou do usuário.

A rapidez com que novas tecnologias são criadas e adotadas nem sempre está acompanhada por um arcabouço legal que as contemple. No Brasil, quando a autoria é desconhecida, a obra pertence ao domínio público (artigo 45, II, da Lei de Direitos Autorais), o que permite cogitar a possibilidade, então, de obras geradas por inteligência artificial serem de domínio público. O problema é que a lei é de 1998, quando ferramentas como ChatGPT, Midjourney e tantas outras ainda sequer existiam, isto é, não se debatia profusamente a proteção de arte gerada por inteligências não humanas.

Nesse ponto, vale ficar atento aos termos de uso dessas ferramentas, que costumam apresentar regras e restrições da utilização. O DALL-E (outro programa que transforma texto em imagens), por exemplo, garante a seus usuários os direitos autorais dos resultados obtidos, desde que certas diretrizes – como a não inclusão de prompts de autoria de terceiros – sejam cumpridas.

A temática da proteção à propriedade intelectual é tão controversa que gera debates até mesmo entre os libertários. De um lado, expoentes como Herbert Spencer, Lysander Spooner e Ayn Rand defenderam a propriedade intelectual como justa reivindicação do indivíduo ao fruto do seu trabalho. De outro, nomes como Benjamin Tucker e Tom Palmer rejeitaram os direitos de propriedade intelectual por verem neles um exemplo de monopólio concedido pelo governo.

Para o segundo time, os direitos de propriedade, independentemente da forma, devem ser justificados como extensões do direito individual de reger a própria vida, de modo que qualquer aspecto dos direitos de propriedade que conflite com esse fundamento moral, tal qual o outrora “direito” de possuir escravos, é ilegítimo. Assim, sob essa perspectiva, leis de direitos autorais impediriam as pessoas de usarem pacificamente informações obtidas de maneira legítima. A lógica pode ser ilustrada pela difusão de informações adquiridas por meio da compra de um livro. Considerando a aquisição legítima da obra, impedir seu uso e reprodução seria, para esse grupo de libertários, uma violação da liberdade de expressão.

O tema ainda é novo e os debates ainda estão longe de terminarem. Uma das alternativas mais cogitadas em todo o mundo para lidar com essa nova realidade, no entanto, é o reconhecimento de uma coautoria entre os envolvidos no processo: criador da ferramenta e usuário. Por tratar-se de um cenário muito novo, ainda não sabemos os rumos dessa discussão. Fato é que a arte gerada por inteligência artificial veio para ficar e deverá ser alvo de regulamentação própria em breve.

*Juliana Bravo – Associada II do Instituto Líderes do Amanhã.

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