Hipocrisia e Arte: Narciso acha feio o espelho
“Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque sois parecidos aos túmulos caiados: com bela aparência por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e toda espécie de imundície! Assim também sois vós: exteriormente pareceis justos ao povo, mas vosso interior está repleto de falsidade e perversidade.”
Mateus 23:27,28
Nas últimas semanas, após o protesto, boicote e subsequente cancelamento da exposição Queermuseu em Porto Alegre e a polêmica da apresentação La Bête, no MASP, a sociedade brasileira irrompeu em debates acalorados. A primeira mostra foi frequentada por crianças e adolescentes em excursões escolares e incluía obras que retratavam as práticas de sodomia, zoofilia e a sexualização de crianças; a segunda, uma performance em que o público não era só mero espectador como também foi incentivado a interagir com o corpo apresentado. No caso que suscitou a polêmica, uma menina de não mais que 10 anos foi impelida pela própria mãe a fazê-lo.
A reação da comunidade artística e da elite intelectual do país foi imediata. Encabeçada por Caetano Veloso e Paula Lavigne, a campanha #342artes incluiu artistas plásticos e atores “contra a difamação e a censura”, estas supostamente ocorridas nos casos acima narrados.
Curiosamente, nossos vizinhos norte-americanos se viram confrontados com um escândalo sexual de proporções ainda maiores: Harvey Weinstein, o mega-produtor hollywoodiano co-fundador do estúdio Miramax, foi acusado em reportagens do New York Times e New Yorker de ter assediado sexualmente atrizes e funcionárias ao longo de diversos anos. Após a reportagem, as atrizes Gwyneth Paltrow, Angelina Jolie, Lena Heady, entre diversas outras também se apresentaram como vítimas dos avanços de Weinstein.
Ainda mais grave, atrizes como Asia Argento e Rose McGowan o acusam de tê-las estuprado. McGowan chegou a processa-lo, mas de acordo com ela as pressões pela posição de poder em que ele se encontrava em sua indústria a fizeram aceitar um acordo extra-judicial.
Para piorar a situação, a polícia de Nova Iorque o investigou em 2015, após a modelo italiana Ambra Battiliana denuncia-lo por apalpar seus seios e enfiar a mão embaixo de sua saia durante uma reunião de negócios. No dia seguinte, Battiliana o encontrou novamente em um hotel, desta vez usando um gravador, que conseguiu capturar áudio de Harvey admitindo o assédio do dia anterior enquanto tentava agressivamente convence-la de ir para seu quarto, alegando que aquilo era “normal para ele”. Apesar da recomendação da polícia por uma denúncia, o promotor, Cyrus Vance Jr. decidiu não prosseguir por “não ter evidências o suficiente”. Alguns meses depois, Vance recebeu uma grande doação para sua campanha de reeleição de um advogado ligado a Weinstein.
Harvey Weinstein é um notório democrata (a esquerda americana), tendo realizado diversos eventos de gala para arrecadar doações pro partido e doado mais de U$ 1.000.000,00 do próprio bolso para campanhas. Além disso, Harvey tinha contato direto com os políticos mais poderosos de Washington: é amigo pessoal de Bill Clinton (também acusado diversas vezes de abusos sexuais) , visitou Obama na Casa Branca mais de 15 vezes e o presidente chegou a enviar sua filha mais velha para estagiar com o produtor. Na campanha de 2016, foi um dos maiores apoiadores de Hillary Clinton, sua amiga há anos.
Weinstein também era engajado em causas sociais, ironicamente um dos maiores doadores para campanhas que visavam combater o “pay-gap” em Hollywood e outras causas feministas, além de ser um grande opositor do Presidente Donald Trump.
Coincidência ou não, o próprio Partido Democrata já se viu engolfado em escândalos parecidos, como o prefeito de Seattle Ed Murray, acusado de abuso infantil, e o ex-deputado Anthony Wiener, marido da principal assessora de Hillary Clinton, acusado de trocar mensagens de cunho sexual com uma menina de 15 anos.
Esta semana, Scott Rosenberg, roteirista que por muitos anos trabalhou com Weinstein declarou que “todo mundo sabia”. Seth McFarlane chegou a dizer ao entregar o Oscar de melhor atriz “parabéns meninas, agora vocês não precisam mais fingirem se sentirem atraídas por Harvey Weinstein”. Um episódio de 30Rock incluía uma piada em que uma personagem feminina dizia “Eu não tenho medo de ninguém nessa indústria. Eu já recusei sexo com Harvey Weinstein 3 vezes. De 5.”
Como é possível que em 30 anos cometendo abusos em série na mesma indústria só agora, quando seu poder e influência já estavam em queda, as pessoas descubram a verdade sobre Weinstein? Segundo Scott, “ninguém quer se livrar da galinha dos ovos de ouro enquanto ela ainda põe ovos”.
Ora, é esta mesma indústria que os antigos artistas infantis Corey Haim, Corey Feldman, Todd Bridges e Elijah Wood denunciaram estar infestada de pedófilos, os três primeiros vítimas de abusos. A história não é nova e nem segredo, foi inclusive retratada no documentário “An Open Secret”, que relata diversos casos como os de Haim e Feldman. Esta semana a atriz Evan Rachel Wood chegou a declarar que após o escândalo Weinstein, “a pedofilia é a próxima represa a se quebrar no meio”.
Haim quando denunciou seu abuso no programa “The View”, em 2013, afirmou que “existem pessoas que ainda estão aí, ainda estão trabalhando, e são alguns dos mais ricos e poderosos dessa indústria, e eles não querem que eu diga o que estou dizendo agora”, quando interrompido pela apresentadora Barbara Walters e perguntado se eles são pedófilos, Corey respondeu: “Sim, absolutamente”.
Renée Zwelger e Jennifer Lawrence também denunciaram terem sofrido abusos quando ainda eram menores.
Do outro lado do Atlântico, Jimmy Saville (ex-sir Jimmy), protagonizou um dos casos de estuprador serial mais emblemáticos da história. Saville era uma personalidade excêntrica da BBC, com programas de grande sucesso tanto no rádio quanto na televisão e ao longo de sua carreira de mais de 40 anos trabalhou diretamente em conjunto com caridades, ONGs e hospitais, arrecadando milhões para as causas que defendia. Seu trabalho voluntário era tão prolífico que lhe foi dado o direito de andar por onde quisesse no hospital Stoke Mandeville. Poucos anos após sua morte, vieram a superfície mais de 450 denúncias de abuso sexual cometidos por ele, variando de meninos e meninas de no máximo 13 anos de idade, até pacientes doente mentais e cadáveres, aparentemente um preferência de Saville. Jimmy morreu sem ter sequer sido denunciado por seus crimes.
Alguns dos artistas que hoje condenam Weinstein, fizeram e fazem campanha para que a pena de Roman Polanski seja perdoada. O próprio Weinstein publicou artigo há alguns anos onde defendeu o perdão a Polanski.
Na cerimonia dos Oscars de 2003 ele recebeu aplausos de pé, puxados por Meryl Streep, após ganhar o prêmio de melhor diretor. Polanski foi condenado por drogar e estuprar analmente uma menina de 13 anos. Meryl, feminista autodeclarada e ferrenha crítica de Donald Trump, era amiga pessoal de Weinstein até o escândalo, e ao que tudo indica, ainda é de Polanski.
No caso brasileiro, um dos líderes do movimento “anti censura”, Caetano, está envolvido em polêmica parecida. Paula, sua ex-mulher, há alguns anos em entrevista a Playboy, admitiu que perdeu sua virgindade para ele quando tinha 13 anos, na festa de aniversário de Caetano de 40 anos. A idade mínima de consentimento no Brasil desde os anos 40 é de 14 anos.
A despeito destes segredos abertos e o histórico da indústria com drogas, doenças mentais e abusos sexuais, a elite artística americana, como a brasileira, costuma colocar-se como bússola moral da sociedade, engajando em campanhas quase sempre progressistas e de esquerda, visando expandir os conceitos de gênero, sexualidade e família, muitas vezes com opiniões de pouca ou nenhuma aceitação do grande público, como foi o caso do Queermuseu. As elites artísticas e intelectuais, criaram, lideram e promovem o combate ao que chamam de “cultura de estupro”, que incluiria: elogios, cantadas e a educação desde a maternidade, como os brinquedos e brincadeiras que um menino poderia fazer para não perpetuar essa suposta “cultura”. Será possível que a cultura de abuso sexual no meio seja o motivo do nível elevado de doenças mentais e abusos de substâncias controladas?
Para os freudianos, fica clara a projeção. Se há algum setor na sociedade em que existe uma cultura de estupro e outras formas de abuso sexual, fica evidente que é no meio artístico. Afinal, quem nunca ouviu falar no teste do sofá? E quem foi o último diretor ou produtor denunciado pela prática no Brasil? Não é possível lembrar. Enquanto brincadeiras infantis são condenadas do púlpito moral onde a elite intelectual discursa, atrás do mesmo púlpito se escondem os escândalos de verdadeiro horror e gravidade.
A palavra “hipócrita”, não por acaso, vem do grego, hypokrisía, definida pelo Houaiss como “elocução, declamação; arte, habilidade para imitar a fala, gestos e modos de uma pessoa”. O conceito melhor encontrado para os casos acima foi definido por São Jerônimo: o falso bom cristão, o devoto fingido.
O dupli-pensamento que condena Trump por comentários estúpidos, mas jamais exercidos, por 30 anos endeusou (nos Oscars de 2015 Weinstein recebeu mais elogios que Deus) e facilitou os crimes de um maníaco serial; que aplaude e perdoa um estuprador infantil, enquanto encontra machismo em uma personagem como a Mulher Maravilha; que luta contra a censura enquanto proíbe biografias, e que diz saber o que é melhor para crianças após ter desvirginado e mantido relações com uma.
As atitudes são irrelevantes para quem está no inner circle, enquanto tudo é condenável para quem está de fora.
Fontes:
http://mashable.com/2017/10/16/scott-rosenberg-screenwriter-weinstein-hollywood/#5sra.4h_5Oq2
https://www.thedailybeast.com/evan-rachel-wood-hollywoods-pedophilia-is-next-dam-to-break
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq01089835.htm
https://www.youtube.com/watch?v=4eeGX4SlF1s
http://variety.com/2016/film/news/elijah-wood-pedophilia-hollywood-problem-1201781021/
https://www.theguardian.com/media/2014/jun/26/jimmy-savile-sexual-abuse-timeline