Por que o estado monopoliza a educação?
É comum discursos totalitários serem vendidos e transmitidos como boas intenções. Um dos melhores exemplos é a regulação da educação pelo Estado, seja pela obrigatoriedade do ensino, pelo controle de grade curricular ou pela proibição da educação domiciliar.
Pesquisar as origens da educação compulsória nos leva à Grécia Antiga. Em Esparta, as crianças eram consideradas propriedade da Pólis, e todo o ensino era voltado para finalidade bélica. Crianças consideradas inaptas, por motivo de doença, por exemplo, eram deixadas para morrer, já que não serviriam para os fins propostos de atuação militar. Eu próprio, por azar da vida um diabético Tipo 1, não poderia viver caso tivesse nascido naquela cidade-Estado.
O modelo organizacional de Esparta, vale dizer, inspirou Platão nas obras República e As Leis. Nelas o filósofo idealiza sua sociedade utópica propondo a educação obrigatória, com o Estado alocando os indivíduos em posições da sociedade de acordo com seus fins e identificação de suas aptidões. Nada menos livre que isso!
Já no período da Idade Média, a educação se dava em escolas e universidades paroquiais, escolas privadas, sem qualquer registro de escolarização compulsória. A partir da Reforma Protestante no século XVI, isso mudou, no entanto. Na famosa “Carta aos governantes alemães (1524)”, Martinho Lutero defendeu escola pública e frequência obrigatória. O discurso politicamente correto dizia que o escopo da proposta era o de que todos os indivíduos poderiam ler e, assim, interpretar livremente a bíblia. Entrementes, o historiador Lord Acton conta que, na verdade
“A defesa da religião tornou-se […] não apenas o dever do poder civil, mas o escopo da instituição. Seu objetivo era unicamente a coerção daqueles que estavam fora da Igreja [Luterana][1].”
As recomendações do alemão influenciaram alguns distritos da Prússia ao longo do século XVII. A despeito disso, apenas após a derrota para Napoleão que o Rei Frederico Guilherme I criou um movimento que aboliu escolas privadas semirreligiosas e colocou a educação diretamente sob o Ministério do Interior. O governante, entusiasta de guerras, acreditava que a derrota se deu por haver uma “falta de uniformidade no pensamento de seu exército”.
Outro teólogo, João Calvino, foi ainda mais influente que Lutero. Ele instituiu, em seu governo em Genebra, escolas públicas com participação obrigatória. A doutrina calvinista deixava claro que “o objetivo do estado é o apoio do Calvinismo”.
As ideias de Calvino se espalharam pela Europa por meio de seus seguidores, influenciando o sistema educacional na França, Países Baixos e da Nova Inglaterra por intermédio de migrantes. Ao final do século XIX, a maior parte do Ocidente já havia instituído a educação obrigatória.
Analisando o panorama brasileiro, o país ocupa o modestíssimo 58° lugar entre 136 países no Índice de Liberdade Educacional de 2016, ao lado de países como Camboja e Vietnã. Entre as nações com maior liberdade educacional, temos Irlanda, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Reino Unido, Chile e Finlândia. Já entre os países com menor liberdade nesse quesito encontram-se Gâmbia, Líbia, Cuba, Arábia Saudita, Afeganistão, Etiópia e Serra Leoa.
Todos os últimos colocados deste Índice são ditaduras. Isto é, verifica-se forte evidência empírica de que países com menos liberdade política também possuem menor liberdade educacional.
Analisando a história brasileira, constata-se que o Brasil possui casos de intervenção do Estado no setor educacional com propósito de endossar políticas e propósitos do governo. Desde o Império, por exemplo,que quem define o que deve ser estudado nos cursos de direito é uma legislação centralizadora.Se no século XIX havia um enviesamento liberal na grade curricular definido por lei, ao longo do século XX as alterações tornaram o direito brasileiro amante do Estado.
Outro exemplo ocorreu ao longo do Estado Novo, ocasião em que o ditador Getúlio Vargas criou a Campanha de Nacionalização. O objetivo desta era mitigar a influência de culturas europeias no Brasil, enfraquecendo eventuais dissonâncias estaduais e obrigando uma unidade nacional.
Chama atenção a forma como o ordenamento jurídico brasileiro restringiu a possibilidade de educação domiciliar. Na constituição de 1988, não consta que a educação pode ser dada nos lares familiares, destoando do artigo 168 da constituição 1967, que previa que “a educação […] será dada no lar e na escola”. Entre as duas cartas magnas, o Brasil mudou essa permissão ao atravessar por um governo totalitário. Isso porque o conteúdo lecionado na Educação domiciliar não se controla. Logo, a ditadura militar brasileira determinou a escolarização compulsória, mantendo rígido regime de censura e de doutrinação ideológica nas escolas. Havia, por conseguinte, a necessidade de uniformidade de pensamento para manter o regime militar.
Como afirmou em seu livro Geanluca Lorenzon, “a centralização da educação pelo Estado é fruto da busca por oportunidades de abusos de caráter totalitário, dando a chance para que o governo manipule como as pessoas devem interpretar a realidade”. Diante disso, fica claro que dizer que o monopólio da educação pelo Estado, seja pela proibição da educação domiciliar ou mesmo pelo controle da grade curricular, não passa de um discurso travestido de boas intenções, escondendo seu caráter totalitário. Lembrando o ensinamento de Frédéric Bastiat, “todo monopólio é ruim, mas o pior deles é o monopólio da educação”. Precisamos desestatizá-la.
Nota: O artigo apresentado em uma versão condensada — é parte de uma palestra apresentada por Sperandio na ocasião da Libertycon 2017.
[1]ACTON, Lord. The Protestant Theory of Persecution In: Essayson Freedom and Power, 1948.