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Esclarecendo a questão da cassação de mandato parlamentar

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BERNARDO SANTORO*

O STF, em julgamento ontem, mudou seu entendimento no que tange a quem efetivamente tem o poder de retirar o parlamentar do mandato, em caso de condenação criminal. A decisão anterior era de que o STF detinha esse poder. A decisão de ontem dispôs que a casa legislativa do parlamentar é quem tem esse poder. Vamos tentar explicar isso de forma que o leitor entenda exatamente o que aconteceu.

A Constituição dispõe que quem é condenado criminalmente perde seus direitos políticos enquanto durarem seus efeitos (art. 15). O que ocorreu aqui foi a subordinação de um instituto a outro, para fins políticos. Ou seja, pode se perder os direitos políticos de várias maneiras e a condenação criminal é apenas uma delas.

Já no art. 55, sobre o modo como um parlamentar pode perder o mandato, a Constituição passa a tratar os dois institutos que ele juntou no art. 15 de maneira separada, dispondo que se parlamentares perdem direitos políticos a cassação é praticamente imediata, mas se a cassação se der por condenação criminal, então a casa do parlamentar deve decidir também a respeito.

É possível dizer então que a decisão do STF foi tecnicamente acertada? Sim, é possível. Mas também é possível que não, dentro do modelo atual de interpretação jurídica. E o que o Reinaldo Azevedo quis dizer neste artigo, mas não conseguiu se explicar de forma mais técnica justamente por ele não ser um técnico do direito (ou talvez porque não quisesse fazê-lo), explicarei agora.

A interpretação do direito na modernidade passou por três fases claramente distintas: (i) a jurisprudência dos conceitos, (ii) a jurisprudência dos interesses e (iii) a jurisprudência dos valores.

A jurisprudência dos conceitos estava ligada a interpretação mais literal possível do direito. Para essa primeira corrente, muito ligada à revolução francesa e ao período napoleônico, a lei, por ser uma tábua de salvação para fugirmos da barbárie social, deveria ser aplicada com extremo rigor e sem maiores filosofias. A lei escrita e sabida seria a pedra fundamental da segurança social.

A jurisprudência dos interesses, ainda na visão positivista do direito, estava ligada à finalidade do direito, ou seja, uma lei poderia ter seu sentido complementado por outras leis dentro de um mesmo ordenamento, sempre se tendo em consideração que a finalidade da lei não seria a aplicação da lei em si, mas sim a manutenção da vida social pacífica. O que não se pode deixar de dizer é que aqui o método científico ainda é válido. Mesmo com uma abertura na interpretação, ainda se buscaria a verdade, o que significa que se algo não é verdade, é falso.

Já o modelo atual de interpretação é o que se chama de jurisprudência dos valores, abandonando-se a ideia positivista que o método é essencial, em busca de valores abstratos de importância social que servissem de base para as leis, ao mesmo tempo que guiassem sua aplicação. É parcial ou totalmente abandonado o método científico de busca da verdade, substituído pela ideia de verossimilhança. Para esse modelo, não existe mais interpretação verdadeira ou falsa, existe interpretação melhor ou pior.

Um professor do mestrado chegou a me falar que tem autores que já nem entendem mais o direito como ciência, e sim como arte, justamente pela falta de preocupação com o método científico, mas eu não li esses autores e não posso, pelo menos no momento, aprofundar a discussão, e nem é pertinente para a questão atual, mas vale a citação.

O STF, há muito tempo, é useiro e vezeiro na utilização da jurisprudência dos valores. Posso dizer que pelo menos desde o começo da década passada o STF já seria uma corte que produzia basicamente tudo a partir da jurisprudência dos valores. Daí a surpresa do Reinaldo Azevedo em ver uma decisão cujos argumentos claramente remetem à volta da jusrisprudência dos conceitos, vide a frase quase caricatural do Barroso: Lamento que o texto constitucional tenha essa disposição, mas não posso vulnerar um texto”.

Agora, voltando ao caso concreto, dentro dos valores sociais da legalidade e da moralidade que inclusive estão insculpidos no art. 37 da Constituição, seria muito razoável que se entendesse que a interpretação literal do artigo é pior do que a interpretação sistemática e teleológica. Com isso, a cassação desses parlamentares condenados se daria na sentença condenatória da justiça e não em um processo político-administrativo da casa do parlamentar, sendo essa a melhor interpretação dentro da jurisprudência dos valores.

Sem furtar de deixar a minha posição, eu, particularmente, gosto muito da jurisprudência dos conceitos, pelos motivos elencados quando eu expliquei o que isso significa, e portanto acho que a decisão foi a correta, mas fiquei com a clara ideia de que a decisão não teve a ver com técnica, mas com política, e que vem outras decisões políticas por aí, talvez não tão técnicas quanto a de ontem.

*DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL

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