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Entenda austeridade fiscal a partir do caso Flamengo

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Ricardo Bordin*

A torcida do Rubro-Negro carioca costuma afirmar que “se deixar chegar”, o Flamengo leva a taça. Não temos como saber se a mística irá se repetir neste campeonato brasileiro (o time persegue o líder Palmeiras incansavelmente há algumas rodadas, com direito a viradas épicas, como a protagonizada contra o Cruzeiro), mas é possível antecipar que esta eventual conquista começou a ser garantida já no ano de 2013, quando o clube resolveu inverter o ciclo de gastos desmesurados – que já durava décadas – e adotar um modelo de gestão mais responsável. Sim, você tem ouvido bastante este termo nos últimos tempos: austeridade.

Desde que Eduardo Bandeira de Mello chegou à presidência do clube há quase quatro anos, o cenário das finanças do Flamengo tem se tornado cada vez mais animador. No corrente ano, pela primeira vez o faturamento anual do Flamengo vai ser maior que o estoque da dívida – excelente quadro se compararmos com o início da atual administração, quando o déficit anual era superior a R$400 milhões. A recuperação financeira permitiu, inclusive, que o clube fizesse mais investimentos no futebol, como a contratação do jogador Diego.

Outra medida de fundamental importância neste processo foi a introdução da chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal Rubro-Negra”, ainda no primeiro semestre de 2015. Basicamente, a partir de então, qualquer dirigente que venha a causar prejuízos e a empreender atos lesivos ao patrimônio e à imagem do Flamengo pode ser responsabilizado pelo clube (podendo até mesmo ter bens particulares arrestados), mesmo após o término do mandato. Outras boas práticas de gestão se tornaram obrigatórias, como limitações de despesas e acompanhamento periódico da evolução do orçamento do clube.

Ou seja, medidas tipicamente populistas, que implicavam em elevar a folha de pagamento de salários a níveis estratosféricos, e que costumavam até render bons frutos no campo (no curto prazo), mas que deixavam uma fatura que tornavam o clube inviável logo ali na frente, foram vedadas pelo conselho deliberativo. Qualquer semelhança com os fatos que levaram o Brasil a desalojar Dilma Rousseff do Planalto não são mera coincidência. Imaginar, como John Maynard Keynes, que “no longo prazo estaremos todos mortos”, não tem mais vez na administração no Flamengo – e, oremos, no Executivo Federal.

Nesse contexto, a aprovação da PEC 241/2016, que cria um teto para os gastos públicos do governo federal, ganha especial relevância e urgência, dado o estado de penúria dos cofres públicos – e a decorrente necessidade contínua de assumir mais endividamento. Sem este instrumento de controle, a insolvência da União, a volta da hiperinflação e uma desesperadora corrida aos bancos farão parte da agenda política em breve. Evitar o colapso fiscal e voltar a gerar superávit primário são metas ousadas, necessárias e totalmente possíveis. Afinal, se até mesmo dirigentes de futebol, pressionados pela paixão de dezenas de milhões de torcedores, conseguem adotar um regime fiscal mais sóbrio, Michel Temer também tem condições de ignorar as vozes dissidentes (leia-se: sanguessugas que não querem perder a boquinha) e mediar, junto ao Congresso Nacional, a conquista desta sobrevida às contas públicas.

A torcida do Flamengo costuma ser alvo de brincadeiras de rivais pelo fato de que o clube não possui estádio próprio. Não vejo isso como um problema. Na prática, quando manda seus jogos em estádios de terceiros (inclusive em outros estados e regiões do Brasil), o Flamengo está terceirizando este serviço. Imagine uma empresa que pretende servir refeições no intervalo do almoço para seus empregados: ela pode construir um refeitório próprio e contratar empregados para esta atividade diretamente, ou fornecer estas refeições por meio de uma empresa interposta. Da mesma forma, o Flamengo mantém seu quadro mais enxuto e reduz suas despesas sem ter estádio próprio – aliás, ele ainda confere alguma serventia aos elefantes brancos que foram construídos Brasil afora para a copa do mundo. Será que esta brincadeira tem tanta graça assim?

E antes que alguém acuse o Flamengo de receber, ao lado do Corinthians, valores relativos aos direitos de transmissão dos jogos muito superiores aos demais clubes, cabe tecer algumas considerações a respeito.
Períodos de vacas gordas não são garantia de sucesso, vide o Brasil durante os mandatos de Lula, que foi beneficiado tanto pela conjuntura externa (alta demanda por commodities agrícolas e minerais, e fuga de investidores para os países em desenvolvimento) quanto interna (fundamentos da economia solidificados durante o governo FHC) na ocasião, e, ainda assim, conseguiu desperdiçar a melhor janela de oportunidade que se apresentou na história da nação – e hoje, assistindo o noticiário, fica fácil entender o porquê. Diversas associações esportivas no Brasil atravessam desventuras semelhantes, especialmente valendo-se de nossa tosca legislação que não sujeita os clubes à lei de falências.

Além disso, se os demais times da série A do nosso futebol estão insatisfeitos com os privilégios concedidos aos clubes com maior torcida (costuma-se reclamar também do maior número de jogos transmitidos na TV aberta), há diversas atitudes que podem ser tomadas além de ficar apenas esperneando: negociar com outros veículos de transmissão (isso já começou a ocorrer, e surtirá efeitos a partir de 2019), organizar torneios independentes da Confederação Brasileira (também já vem ocorrendo, embora com pouca adesão de clubes), e por aí vai. Tudo levando em conta que o monopólio da Globo e da CBF foi fomentado pelos próprios reclamantes por décadas, os quais, em vez de romper com este paradigma, preferiram buscar regalias para si próprios também (entrar na panela, em português claro), de forma bem semelhante ao comportamento de empresários que reclamam da intervenção estatal na economia, mas, em vez de apoiar ideias liberais, preferem correr atrás de uma bolsa empresário.

E a pergunta fica: Mengão chegou? Em dezembro a gente checa se o cheirinho de hepta se confirma. E em breve também saberemos se o Brasil quer chegar a algum lugar (que não seja a ruína). Que Brasília imite a Gávea. Amém.

 

Sobre o autor: Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho, e no exercício da profissão constatou que, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, os verdadeiros exploradores da população humilde NÃO são os empreendedores. Também publica artigos em seu site: https://bordinburke.wordpress.com/ 

 

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