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Uma fumaceira de incertezas

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“E mais, se a trombeta só der sons confusos, quem se preparará para a batalha?”
São Paulo, 1 Coríntios 14:8

Nem só de pão vive o homem. Os problemas de uma sociedade transcendem muito os aspectos puramente econômicos. As atividades econômicas, por mais relevantes que sejam, são apenas um componente da vida em sociedade que, certamente, depende dos demais, assim como os influencia. O mundo não cabe inteiro em manuais de economia.

Os economistas, por uma questão de formação, costumam limitar suas análises a fatos econômicos, deixando de considerar os demais condicionantes. Se normalmente essa limitação já representa uma desatenção indevida, quando consideramos as condições políticas excepcionais que o Brasil está atravessando, deixa de ser uma simples distração para transformar-se em um enorme erro. As atividades — milhões e milhões de ações diárias — que caracterizam a economia real não se realizam em um vazio institucional, jurídico e político. Contrariamente, supõem um mínimo de segurança no que diz respeito às garantias da vida, da liberdade e da propriedade individuais, com o respeito absoluto às regras do jogo, vale dizer, além de amparo jurídico e representatividade do sistema político. E a principal tarefa do Estado é garantir essa segurança e a observância de requisitos verdadeiramente democráticos para que os cidadãos possam gozar dos frutos do próprio trabalho. E, portanto, sintam-se estimulados a buscar os seus fins com esforço e honestidade, sem a sensação de que essa busca é inútil e de que estão sendo permanentemente enganados.

A ausência de segurança jurídica, acompanhada pela corrupção dos poderes públicos, pela distorção dos genuínos valores democráticos, pelo tolhimento da liberdade de expressão, pela contemporização com casos flagrantes de enriquecimento impróprio, entre outros fatos, são obstáculos à normalidade da ordem econômica.

O processo de desenvolvimento econômico pode ser visualizado como uma torneira despejando investimentos em um reservatório. O crescimento da economia é motivado pelo fluxo de investimentos que, ao ingressarem no sistema econômico, aumentam o estoque de capital físico, humano e tecnológico, possibilitando a expansão da capacidade produtiva do país, da aptidão para gerar oferta. Crescimento autossustentado é um processo de acumulação generalizada de capital e não tem nada a ver com inchação da demanda no curto prazo, mas com o fortalecimento da oferta ao longo do tempo.

A riqueza de um país ou região é construída por pessoas, pelas medidas práticas que tomam e pela utilização de recursos humanos, tendo como apoio qualidades morais, como esforço e mérito, instituições políticas que respeitam e incentivam a liberdade de escolha e leis. E que não sejam meros comandos ou ordens exarados por ditadores ou meia dúzia de poderosos, mas normas gerais de justa conduta, prospectivas, abstratas e impessoais e, portanto, aplicáveis a todos os habitantes, inclusive aos que eventualmente estiverem ocupando o poder.

O processo de desenvolvimento, portanto, abrange dois tipos de influências: as que podemos chamar de “técnicas”, como o fluxo de investimentos contribuindo para aumentar o estoque de capital, o avanço tecnológico etc. E as que denominamos “ambientais”, a saber, a estabilidade institucional, a confiança e a segurança jurídica imprescindível para a tomada de decisões de longo prazo, que são as mais relevantes.

É, portanto, ingenuidade olhar apenas para o lado econômico das coisas. De que adianta ficar jogando conversa fora discutindo se a taxa Selic deve cair ou subir, quando o presidente do país estende um tapete vermelho para um ditador de quinta categoria como Maduro? Para que debater a alíquota de um imposto, se um deputado eleito com mais de 300 mil votos é sumariamente cassado em pouco mais de um minuto por um grupo reduzido de iluminados que não receberam sequer um voto? De que vale criticar o arcabouço do Haddad, se a Câmara “absorve” covardemente a cassação desse deputado, assim como “engoliu” no passado a de outro? De que serve analisar a economia como se tudo estivesse bem, como se o problema fosse apenas uma questão entre economistas de direita e esquerda, se Brasília vai sediar uma reunião do Foro de São Paulo, cuja composição e objetivos são de conhecimento geral?

O Brasil não está vivendo uma situação de normalidade. O ambiente está barulhento, conturbado e cada vez mais surpreendente. É tempo, então, de esquecer temporariamente os economicismos e outros reducionismos. As instituições estão doentes, não há separação nem harmonia entre os poderes, os macacos não se limitam aos seus galhos e invadem os alheios, e estamos correndo o risco de nos empurrarem goela abaixo um socialismo-comunismo decrépito e comatoso, associado a um globalismo jacobino e inimigo da nossa soberania.

Um indicador de que a economia se ressente desse enorme ruído institucional é o investimento — tanto o interno como o externo. Algumas informações frescas nos mostram que a torneira dos investimentos está despejando menos água no reservatório.

Dados recentemente divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) — utilizada como medida dos investimentos internos — recuou 3,4% no primeiro trimestre de 2023, em relação ao último trimestre de 2022, com ajuste sazonal. Em comparação com o primeiro trimestre de 2022, a FBCF aumentou 0,8%, conforme os dados do IBGE, mas a mediana das projeções apontava alta de 1,8%.

A taxa de investimento do país no primeiro trimestre deste ano ficou em 17,7%, a pior em três anos, menor do que a do primeiro trimestre de 2022, que foi de 18,4%; inferior à de 2021, quando foi de 19,1%; e acima somente da verificada no primeiro trimestre de 2020, no início da pandemia, quando foi de 16,1%.

Por sua vez, os investimentos estrangeiros no Brasil registraram uma forte queda nos quatro primeiros meses deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. É o que mostram dados divulgados pelo Banco Central no final de maio. De acordo com a autoridade monetária, os Investimentos Diretos no País (IDP) recuaram 24,3% no período entre janeiro e abril de 2023, em relação aos quatro primeiros meses de 2022, um resultado 28,2% inferior ao observado no mesmo período do ano passado, quando o volume de recursos voltados para retornos de longo prazo somou US$ 33,9 bilhões. Esses números referem-se ao saldo de entradas e saídas nas áreas de negócios, empresas, aberturas de filiais multinacionais e obras de infraestrutura. É a quinta maior queda da série histórica, iniciada em 1995.

Em termos líquidos, esse montante, descontado das saídas, caiu de US$ 33,9 bilhões para US$ 24,3 bilhões. Somente em abril deste ano, os aportes externos despencaram 70,3% na comparação com o mesmo mês do ano passado, de US$ 11,1 bilhões para US$ 3,3 bilhões.

Ainda segundo o Banco Central, os investimentos diretos no país representaram ingressos líquidos de US$ 3,3 bilhões em abril de 2023, ante US$ 11,1 bilhões em abril de 2022. O saldo do IDP foi de US$ 24,3 bilhões de janeiro a abril de 2023. Em 12 meses, o saldo do investimento estrangeiro no Brasil foi de US$ 81,9 bilhões, o que corresponde a 4,17% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Entre os fatores que vêm afastando os investidores internos e externos estão a ausência total de algo minimamente parecido com um programa de governo; os choques entre o presidente do país e o Banco Central; as tentativas do governo de mudar leis já aprovadas pelo Congresso, como o marco do saneamento, a reforma trabalhista e a privatização da Eletrobras; a falta absoluta de preparo para o cargo do ministro da Fazenda; a inexistência de qualquer sinal de coordenação entre a multidão de 37 ministérios; a sinalização de que o governo não pretende adotar postura de responsabilidade fiscal; a manifesta intenção de aumento da carga tributária, e muito mais.

Obviamente, a ingerência do Judiciário em assuntos que competem aos outros Poderes, chamando a si ora tarefas do Executivo, ora do Congresso, aumenta enormemente a insegurança jurídica e acirra a turbulência política.

Ponha-se no lugar de um investidor externo que pensava em aportar seu capital no Brasil há um ano. O que aconteceu desde então? Não aumentou o risco? Não diminuiu a previsibilidade? As mudanças no ambiente não foram para pior? Por mais otimista que esse investidor seja, a prudência não o está aconselhando neste momento a dar uma freada nos aportes para observar se as mudanças vão se materializar ou não?

Você colocaria o seu dinheiro em um país cujo governo trata Maduro e outros ditadores como se fossem estadistas? Que pensa em reverter privatizações? Que pretende aumentar as terras indígenas para muito além dos atuais — e absurdos — 15% do território nacional? Que se curva aos ambientalistas fanáticos e lunáticos? Que vê com muitas reservas os investimentos privados e a livre-iniciativa? Que se coloca contra a autonomia do Banco Central? Que vira e mexe fala em “taxar ricos”? Que sonha com uma Unasul, uma cópia temporã da União Soviética? Que não esconde tratar os direitos de propriedade como relativos? E, mais do que isso, você colocaria o seu dinheiro em um país onde os representantes do Judiciário sentem-se à vontade em qualquer momento — e algumas vezes monocraticamente — para interferir em atribuições dos outros dois Poderes?

A tensão do ambiente político, a insegurança jurídica e as mudanças para pior na política econômica espalham uma cortina espessa de fumaça entre o curto e o longo prazo, o que leva ao adiamento, ou mesmo ao abandono, dos investimentos privados, que são o motor do crescimento. É uma fumaceira de incertezas subjetivas que se traduz em riscos incorporados às previsões dos agentes econômicos. O som da trombeta está ininteligível. É prudente esperar.

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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