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Liberdade e prosperidade

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“O verdadeiro insumo do progresso resume-se na palavra ‘liberdade’: liberdade de criar, de gastar, de poupar, liberdade de crescer, enfim, sob um clima de respeito aos direitos dos cidadãos. O progresso não depende de recursos naturais, que são apenas fósseis geológicos, nem de ‘soluções’ distributivistas, que não passam de cópias malfeitas das práticas de Robin Hood, e muito menos de políticas industriais, que operam como intromissões do Estado e servem apenas para desorganizar as ordens espontâneas dos mercados.”
(Roberto Campos)

Está transcorrendo em Belo Horizonte, de 12 a 14 de outubro, o evento LibertyCon Brasil 2023, que congrega representantes das várias correntes conservadoras, liberais e libertárias do Brasil. Em um dos painéis, dividirei com Luiz Alberto Machado, meu colega, amigo e companheiro no Conselho Superior do Instituto Liberal, a tarefa de discorrer sobre a importância da liberdade econômica para a prosperidade das nações, tema que, de tão óbvio, poderia muito bem ser considerado redundante. Sim, poderia e deveria, mas, infelizmente, ainda não o é, mesmo em meios ditos liberais.

A frase do saudoso Roberto Campos na epígrafe, extraída de seu sapiente prefácio a um livro sobre o assunto que publiquei em 1997, resume ensinamentos triviais para qualquer liberal, mas que continuam carecendo de difusão em nossa sociedade, ainda alheia ao fato — sobejamente demonstrado pela evidência empírica — de que a liberdade econômica é um dos elementos essenciais da liberdade plena do ser humano, ao lado da liberdade política e da liberdade de consciência. Economia, política e moral são os três ingredientes que, quando devidamente combinados, libertam o homem e geram o seu progresso, mas que, quando são utilizados desbalanceada ou equivocadamente, terminam por escravizá-lo e submetê-lo à pobreza, tanto material quanto espiritual.

O Brasil somente vai conseguir concretizar a sua vocação de sociedade próspera quando esses postulados deixarem de ser relativizados e forem reconhecidos como truísmos. Tudo levava a crer que os brasileiros haviam entendido isso, porque entre 2019 e 2022, apesar do flagelo fabricado que foi a pandemia, o gigante parecia ter, finalmente, levantado do berço esplêndido e, depois de cinco séculos cochilando, começado a percorrer o seu caminho. A Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, que, entre outras providências, estabeleceu garantias básicas para a economia de mercado, sem dúvida representou um avanço gigantesco. Porém, para decepção geral, em janeiro deste ano o galalau voltou a deitar-se e dorme profundamente, com a agravante de que quem sofre com os pesadelos alimentados por sua preguiça secular é o povo.

Liberais autênticos, mesmo estando cientes de que a liberdade é um atributo natural e inegociável de todo ser humano, entendem que ela deve ser responsável. Assim, diferentemente de anarquistas, anarcocapitalistas e outras tribos que parecem viver no mundo da lua, aceitam a existência e a necessidade de um ente — o Estado — que, legitimado pelos cidadãos e a serviço destes, harmonize a vida em sociedade, mediante alguma coerção, mas sempre voltada para garantir os direitos fundamentais dos indivíduos à vida, à liberdade e à propriedade. Além disso, segundo a concepção liberal clássica, a própria definição de liberdade exige que aqueles que se dizem liberais não podem considerar-se os únicos titulares da verdade, mesmo porque, no campo da gnosiologia humana e, em particular, no das chamadas ciências sociais, a verdade costuma pregar peças aos que têm a falsa certeza de havê-la capturado.

Os elementos centrais do conceito de liberdade econômica são a liberdade pessoal de escolha, a proteção à vida e à propriedade privada e a liberdade de negociar. O caminho para o progresso não requer gastos elevados do governo, nem taxação de “ricos”, nem planos mirabolantes centralizados, nem controles, mas simplesmente liberdade econômica e boas instituições. Fazendo uso de uma comparação rudimentar, pode-se dizer que o desenvolvimento econômico autossustentado — ou, simplesmente, o progresso — não é uma corrida de cem ou 200 metros, e sim uma maratona, o que significa que, muitas vezes, um corredor que arranca na frente, dando a sensação no curto prazo de que será o vencedor, é derrotado no longo prazo. Uma economia de mercado, na verdade, é uma maratona permanente, sem linha de chegada e tão mais eletrizante quanto maior for a competição entre os atletas.

O intervencionismo, caracterizado por gastos públicos, impostos, restrições ao comércio e à livre-iniciativa, controles de preços e outros truques, pode contribuir para incentivar surtos de crescimento, mas a prosperidade ao longo do tempo requer necessariamente respeito à liberdade econômica, limitação do poder do Estado e que este seja restrito à sua função clássica de garantidor dos direitos fundamentais.

O governo pode encorajar espasmos de aparente prosperidade durante períodos limitados, por meio de programas de gastos, empréstimos, incentivos artificiais a setores selecionados, manipulação das taxas de juros e de câmbio e outras artimanhas keynesianas que sempre agradaram a classe política, pois costumam render votos. Dependendo das condições vigentes quando esses programas são iniciados, tais como o comportamento dos preços, o tamanho do desemprego e da dívida pública, as condições do balanço de pagamentos e o hiato do PIB, tais políticas podem até produzir elevadas taxas de crescimento na economia, mas que são voos de galinha.

Só que o grande problema — e que costuma ser deixado para as administrações posteriores — é calcular se os seus custos estarão, no longo prazo, situados abaixo dos seus supostos benefícios. A construção de um estádio de futebol como aquele monstrengo de cadeiras vermelhas erguido a custos bilionários na capital federal, ou de uma hoje fantasmagórica “cidade olímpica” no Rio de Janeiro, por exemplo, certamente são ações do governo que contribuem, enquanto duram as construções, para aumentar a taxa de crescimento do PIB, mas, no longo prazo, os benefícios dificilmente são capazes de compensar os custos, inclusive os de manutenção. Quando a construção é financiada por dívida, então, o efeito final é ainda pior, porque, além da pressão natural sobre as taxas de juros, o desemprego e os preços, muitas vezes a conta é obrigatoriamente transferida para as gerações seguintes, o que é imoral.

Um país próspero só pode ser construído por indivíduos e pelas escolhas práticas que tomam, pela utilização de recursos humanos e de qualidades morais, sob a proteção de instituições políticas e econômicas que respeitem e incentivem a liberdade de escolha, de leis que não sejam meros comandos ou ordens, mas normas de conduta simples, gerais, prospectivas, abstratas e impessoais e, portanto, aplicáveis a todos os habitantes, inclusive os que transitoriamente ocupam o poder.

Entretanto, a liberdade econômica é uma condição necessária, mas não suficiente para a prosperidade, ou seja, sem essa liberdade não pode haver prosperidade, mas a sua existência por si só não implica necessariamente prosperidade. Um empreendedor pode ser livre para investir o seu capital em um segmento do agronegócio, pode até decidir fazer isso, mas uma decisão inesperada de meia dúzia de gatos pingados e togados, que jamais plantaram um pé de alface ou viram um boi de perto na vida, pode criar dúvidas quanto aos direitos de propriedade e fazê-lo desistir.

Isso acontece porque as atividades econômicas não se realizam em um vazio institucional, jurídico, político e moral. Elas florescem com muito mais facilidade em um ambiente que garanta a segurança jurídica e física, a liberdade individual e a propriedade privada, além da estabilidade monetária. A principal tarefa do Estado é, portanto, a de atuar como um jardineiro, garantindo esse ambiente, regando e eliminando as pragas, permitindo a quem trabalha e produz gozar dos frutos do próprio esforço e sentir-se estimulado a executá-lo com aplicação e honestidade. A falta de segurança jurídica e pessoal, a corrupção dos poderes públicos, o estímulo a maneiras impróprias de enriquecimento e a atividades ilegais são, portanto, empecilhos ao desenvolvimento de uma ordem econômica saudável.

A liberdade econômica é a principal característica da economia de mercado, que nada mais é do que o conjunto de milhões de ações individuais, de escolhas realizadas de acordo com a vontade dos agentes, em que todos são totalmente livres para realizar as opções que julgam serem as melhores em cada momento do tempo, comprar e vender os bens e serviços que desejam negociar, tomar empréstimos, poupar, investir, exportar e importar, sempre de acordo com suas necessidades, objetivos e especificidades particulares e sem coerção, a não ser a proibição de transgredir as normas vigentes. Pressupõe, ainda, que todo indivíduo deve ter garantido o direito à propriedade e que não devem existir limites para o seu acúmulo, desde que seja construída de forma legal e pacífica. E, também, que é por meio do livre comércio e da cooperação nas relações econômicas dentro e fora do país que pessoas, empresas e grupos podem melhorar a própria situação, uma vez que ninguém vive isolado na sociedade ou é autossuficiente.

A economia de mercado é um processo permanente de aprendizado, dado que em uma sociedade livre as informações circulam com grande rapidez e, portanto, as pessoas podem facilmente obter informações e adquirir conhecimentos, ajustando-os a seus propósitos, e então realizar as ações que julgarem mais adequadas. Outra exigência para o florescimento de uma economia livre e que tende a aumentar a eficiência e a atender melhor aos desejos dos consumidores é a competição (não confundir com concorrência perfeita), no sentido de que o Estado não deve impor barreiras à entrada e à saída nos mercados. É importante ter em mente que competição não pressupõe necessidade de existência de muitas empresas, pois ela pode existir, em forma potencial, até mesmo em oligopólios e monopólios, desde que o governo não crie barreiras.

Por fim, a liberdade econômica requer instituições políticas democráticas. Mas os liberais são democratas não por julgarem que a maioria não cometa erros, mas porque a democracia, mesmo com suas imperfeições, é a solução “menos má” que a humanidade até hoje concebeu e por isso não deve ser buscada como um fim em si, mas como um meio de garantia dos direitos fundamentais. Daí, sua preocupação com a questão da contenção do poder.

Quando ocorre uma expansão desmedida do Estado, as consequências são, invariavelmente, o abuso do poder e a sujeição de toda a sociedade ao arbítrio falível dos que dominam o Estado. Portanto, quando este é maior do que o estritamente necessário para garantir os direitos fundamentais, cria-se uma incompatibilidade com a preservação das liberdades individuais.

Poucas vezes o mundo careceu tanto de defensores corajosos da liberdade como nos dias correntes. É estarrecedor o que aconteceu em Israel e é mais horripilante ainda a estupidez dos que se esforçam para justificar terroristas covardes que estupram, degolam crianças, torturam e fuzilam inocentes, em nome da “resistência” a um suposto “colonialismo”. Lutar pela liberdade plena, hoje, é colocar-se do lado do bem e da civilização e contra o do mal e da barbárie e é combater para extirpar a “colonização” que os totalitários fazem na cabeça de nossos filhos e netos.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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