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Desigualdade como progresso

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CAUÊ BOCCHI

Os maiores protestos contra a desigualdade derivam da ganância, do remorso hipócrita, ou da ingenuidade. A maior parte desse coro é composta pelos ingênuos, burros proativos utilizados como gado, gigantes que eventualmente decidem acordar e fazer algum barulho porque isso os diverte. O remorso hipócrita advém de boa parte da classe artística, intelectual e empresarial do país, que se revolta com o sistema na mesma proporção em que se beneficia dele. Essa classe sofre de uma espécie de Síndrome de Estocolmo às avessas; são filhos que cospem nos pais, mas que não abrem mão da mesada ao final do mês. Os gananciosos, por sua vez, utilizam o ideal da igualdade como pretexto para a chegarem ao poder, porque se consideram parte de uma classe de iluminados nessa utopia de igualdade na qual eles próprios não são tão iguais assim. São os generais de um exército de capitães hipócritas e soldados ingênuos, que marcha por uma causa já de início perdida porque persegue um fim que por essência sempre pertencerá ao futuro.

A desigualdade costuma ser associada à pobreza, como se a primeira fosse causa da segunda. É este o alicerce que sustenta todo o discurso que condena a desigualdade como o maior dos males do mundo atual. É essa a maior crítica que se faz ao capitalismo supostamente selvagem e desumano, que despreza a miséria de muitos em nome do luxo de poucos. A força deste discurso é imensa, quase tão grande quanto a sua falsidade. Trata-se de uma falsidade criada pelos gananciosos, desprezada pelos hipócritas e aceita como verdade inquestionável pelos ingênuos. Nada mais fácil do que associar a dificuldade de uns pela opulência de outros, como se a eliminação da opulência destes outros fosse automaticamente acabar com as dificuldades destes uns. Nada mais fácil e nada mais estúpido. A desigualdade é reflexo da condição humana básica segundo a qual somos todos desiguais por natureza, e atacá-la significa lutar pela estagnação. A desigualdade é o pressuposto do progresso, e a pobreza existe não por causa da desigualdade, mas a despeito dela.

A desigualdade é natural a qualquer forma de vida minimamente complexa, e é diretamente proporcional a ela. O ser humano, como forma de vida mais complexa, é também a mais desigual, e não por acaso a mais evoluída. Não é preciso aceitar o pressuposto de Hobbes acerca do individualismo egoísta do estado de natureza para que se admita que os homens queiram superar uns aos outros, e que grande parte do prazer que temos com as conquistas materiais ou intelectuais só exista na medida em que tais conquistas sejam superiores àquelas realizadas pelos nossos semelhantes. Não interessa o tempo que um corredor de cem metros rasos faça numa final olímpica: o que interessa é que ele ganhe dos outros sete competidores e conquiste a medalha de ouro. Se a medalha de ouro fosse dada a todos os corredores segundo os seus melhores esforços, a medalha de ouro não valeria nada, e o melhor dos corredores neste sistema dificilmente se equipararia a um atleta de bairro atual. A conquista só pode ser assim chamada porque é excludente: só existe em detrimento do outro. Se todos possuem tudo, é inevitável que o tudo diminua constantemente o seu valor, até o ponto em que todos possuam um tudo que não significa nada. É isso que a igualdade significa: o acesso indiscriminado a um tudo destituído de qualquer conteúdo, o direito de toda a humanidade morrer abraçada junta.

Se pobreza e desigualdade fossem duas faces de uma mesma moeda, a pobreza deveria ser encarada como um mal necessário, tendo em vista que a desigualdade faz parte da própria natureza humana, e que ações no sentido de neutralizá-la são venenos travestidos de remédio, capazes somente de combater a pobreza em favor da miséria. Acabar com a desigualdade tornaria os homens iguais no limite do menos capaz, nivelando o sistema a partir do seu ponto mais baixo. A capacidade de qualquer sistema se limita pelos seus gargalos, e o gargalo não deixa de ser gargalo pelo fato de todos se limitarem a ele. São os pontos acima da curva que o deixam de ser quando se restringem aos gargalos. Assim, quanto mais e maiores os gargalos, maior será a pobreza. Quanto maior e mais burocrático o governo, maior a pobreza. Quanto maior o número de ações afirmativas, maior a pobreza. Quanto mais tributação, mais pobreza. Quanto mais se impede os homens de se diferenciarem entre si, maior a pobreza. Em síntese, quanto mais se buscar o paraíso utópico da igualdade, mais perto se chegará ao inferno da estagnação e da pobreza.

Atualmente, os menos desprivilegiados no espectro da desigualdade são aqueles que não possuem condições mínimas de sobrevivência digna. Isso é sinal de que a liberdade para a produção livre dos indivíduos ainda está abaixo do aceitável. Isso porque mesmo que tudo o que se faça seja em busca da glória própria, o fato é que as grandes conquistas só são grandes porque seus benefícios transcendem os indivíduos que as tiveram. Quem reclama que os remédios são caros e enriquecem as grandes farmacêuticas esquece convenientemente que sequer existiriam remédios se não fossem as grandes farmacêuticas. O ponto, portanto, é que quanto maior a liberdade e a recompensa pelo trabalho individual, maior também será o passo que até mesmo os menos privilegiados darão no sentido contrário da pobreza. Se isso ocorrer, chegar-se-á ao ponto em que o piso da humanidade ficará situado acima do que hoje se considera uma condição de vida digna.

A liberdade e o reconhecimento elevam o padrão da desigualdade, mas não acabam com ela. Se amanhã o indivíduo mais pobre comer três refeições diárias, é bem possível que o indivíduo mais rico passe as férias de natal num resort na lua. Desse cenário não há como fugir, e já ficou claro que qualquer homem de boa-fé nem deveria tentar. Os gananciosos sempre dirão o contrário, porque sabem que o fracasso pressuposto da luta pela igualdade eleva o seu poder de direção da sociedade. Infelizmente, estes gananciosos contam com o apoio dos hipócritas, que veem neste discurso bonito e preguiçoso um bom tema para uma MPB melosa com banquinho e violão, e dos ingênuos, que buscam uma causa fácil e mastigada pela qual lutar. Pode parecer injusto ver homens comprando iates enquanto outros morrem de fome, mas é somente na busca de cada um pelo iate de cada dia que todos poderão ter o pão.  

*Cauê Bocchi é Advogado e cursando de MBA em finanças pela FGV/SP. Trabalha no setor de infraestrutura ferroviária.

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Um comentário em “Desigualdade como progresso

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    11/04/2014 em 12:03 am
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    Que texto! Gostei! Vou relê-lo amanhã, para digeri-lo melhor.

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