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Desafios liberais para a educação

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André Assi Barreto*

Texto-Andre-Assi

É do senso comum e da intelligentsia progressista achar que a educação é alguma espécie de atividade sacrossanta que não pode ser regida pelas leis do mercado.

É um desafio e, para alguns, um espanto a presença de um liberal numa escola pública de ensino médio no Brasil. Isoladamente, acredito que existam vários, porém, seguem enquanto minoria tanto numérica quanto ideológica. O desafio primordial é de mentalidade: populares, muitas vezes, veem professores como vocacionado, que trabalha única e exclusivamente por recreação e não como um profissional como qualquer outro que atua num mercado. Aliás, dizer que a educação é um mercado a ser explorado é, entre outras coisas, causa do espanto (quando não de opróbrio) que mencionei. Parte desse espanto dos colegas professores pode ser explicado pela ficção alimentada pelos próprios que o professor é uma espécie de profissional vocacionado, quase santo e bastião da melhora da sociedade ao mesmo tempo em que é a maior vítima de todos os tempos, o que faz da educação um setor que deve ser alguma parte sacrossanta da sociedade e não algo suscetível a oferta, demanda e onde se possa exigir a construção de resultados positivos concretos e o constante aperfeiçoamento profissional. O economista Gustavo Ioschpe já explorou bastante esse tema. Essa mudança de mentalidade é necessária, porém demasiadamente radical, o que a torna improvável de acontecer por disposição própria dos professores, porém, acredito que mudanças radicais na educação serão demandadas de uma forma ou de outra nos próximos tempos. Uma série de fatores me faz crer nisso, os quais explico a seguir.

Os alunos não gostam do ambiente em que estudam e isso se aplica tanto aos bons alunos quanto aos ruins. As aulas são curtas, muitas e em sequência, compostas pelos temas mais distantes possíveis, se tornando maçantes e tediosas. Em menos de duas horas o aluno pode transitar de logaritmos a Segunda Guerra Mundial a teoria da evolução. O professor e filósofo brasileiro Newton da Costa aponta uma solução para esse problema praticada nos EUA e que valoriza a escolha individual:

“Lá existe o que eles chamam de honour courses, cursos de honra. Os alunos que querem fazer cursos técnicos, como mecânica de automóveis, têm um mínimo de aulas de inglês, história etc. Depois, se quiserem, podem completar os créditos com os outros cursos. Mas os honour courses só fazem aqueles que querem ir para a universidade. São turmas pequenas, de 10, 12 alunos, com professores em tempo integral”.

Na prática citada pelo professor, os estudos são dirigidos para as áreas de interesse dos alunos, priorizando disciplinas que comporão temas da formação profissional do educando. A maior prova da falha na distribuição de tempo e quantidade de aulas no ensino regular é a organização de “cursinhos”. O aluno é compulsoriamente obrigado a cumprir o ensino regular, que não o forma e tampouco o capacita para o vestibular (que deve, em tese, ser visto apenas como parte do processo de formação escolar). E isso o leva a quê? Um cursinho (pelo qual dispende mais dinheiro), onde a grade e tempo das aulas são diferenciados. Resumo da ópera: tudo que ele fez até antes disso foi praticamente pura perda de tempo.

Os professores têm formação deficitária nas universidades, mas jamais ficam desempregados porque a demanda é grande demais. Quando nada conseguem, vão particularmente para escolas públicas dar aula para os filhos de muita gente (os formandos de excelência de áreas como matemática, física, química, geografia, etc, quase nunca optam pela docência). Há casos no estado de São Paulo de publicitários que foram contratados para ministrarem aulas de sociologia porque tinham carga horária suficiente para isso em alguma disciplina do seu histórico escolar. Em São Paulo, devido a essa demanda elevada, professores de Educação Física, por terem determinada disciplina no histórico, podem dar aula de Biologia, formados em Letras podem dar aula de Arte. Ou seja, mesmo sem ter formação em determinada área específica, o sujeito pode ser autorizado a ministrar aulas da disciplina nesta área.

No último concurso realizado, orgulhosamente tido pelo secretário da educação de São Paulo como o maior de todos os tempos, a prova apresentava a seguinte composição: 50 questões objetivas de pedagogia, outras 2 dissertativas do mesmo assunto, além de 30 da área específica do candidato a professor. Essa aberração pode ser explicada pela nova exigência da formação de “educadores” e não mais de professores propriamente ditos, produto da cabeça dos pedagogos atuais. Em suma: o professor pode ser um funcionário público do estado de São Paulo sabendo muito pouco da disciplina pela qual será contratado para ensinar. Nunca dispendi mais que minutos estudando as mirabolantes teorias pedagógicas atuais e ainda sim acertei 33 questões (66%) objetivas de pedagogia (e nota 15,5 de 20,0 possíveis da parte dissertativa), o que, convenhamos, mostra que a prova pouco avaliava de conhecimentos teóricos substanciais, os quais eu confessamente não tinha. Acredito que números semelhantes podem ser observados nos demais concursos, além das provas anualmente realizadas para a contratação de professores temporários (estas, compostas de 60 questões da área e 20 pedagógicas – sendo suficiente o acerto de metade para a aprovação e ainda sim havendo índice elevado de reprovação).

O público de alunos também é imediatamente desinteressado e com mentalidade inadequada para o estudo. A maioria vê o estudo como mero trampolim ou meio para a obtenção de um bom emprego que o fará “ganhar bem”. Exceto no caso de alunos que vêm de famílias estruturadas e habituadas ao estudo, toda a longa vida escolar se passa sem que o aluno abandone esta visão (o que leva a um preconceito imediato contra disciplinas como arte, filosofia, história e sociologia). A ideia que o conhecimento é um valor em si mesmo é completamente estranha ao público discente em geral. Nas escolas paulistas, particularmente da prefeitura, a ida à escola está vinculada ao recebimento de benefícios sociais (de leite em pó ao Bolsa Família) que, mesmo quando essenciais à sobrevivência da família, criam na mentalidade dos alunos já desde crianças a ideia de que a escola é o lugar aonde você vai para “ganhar/receber X e Y” e não para pura e simplesmente aprender.

Tudo isso tem gerado números cada vez mais aberrantes: o analfabetismo voltou a crescer, cada avaliação do Brasil no PISA se converte em vergonha nacional, 50% dos universitários podem ser considerados analfabetos funcionais. E vale ressaltar que o Brasil é um grande investidor em educação (e aqui), o que leva à conclusão que o problema é de gestão. Mais dinheiro na educação significará apenas mais dinheiro mal gestado pelo estado brasileiro.

Observando tantos dados e presenciando a coisa desde seu núcleo, acredito que as mudanças virão, a fortiori, daí e não de qualquer alteração consciente e voluntária por parte de quem trabalha na educação hoje. Até mesmo porque são essas pessoas que se estapeiam por cargos mais elevados que implicarão maiores salários e menos trabalho, brigarão pela manutenção de aberrações como a progressão continuada (que, entre as outras coisas, gerou alunos que estão no ensino médio e não sabem fazer contas com as operações básicas), e que fazem pressão para a aprovação de alunos a qualquer custo, por interesse em bônus concedidos pelo governo a escolas que conseguem superar expectativas numéricas, i.e., o aluno entra para a estatística como aprovado, o que garante a eventual manchete “número de alunos aprovados aumenta”, mas não implica em nenhum sentido que o aluno aprendeu alguma coisa.

Isso torna o contexto escolar paulista (e ressalvadas especificidades regionais, o nacional), que não se encontra entre os piores do Brasil, uma bomba relógio prestes a explodir. Nos próximos dez anos ou mudanças radicais ocorrerão, a ponto da noção de escola sofrer alterações revolucionárias, ou a escola tal como a conhecemos entrará em colapso completo, o que gerará, necessariamente, demanda pela desregulamentação do setor – primeiro passo para mudanças efetivas, na minha opinião –, pelo homeschooling e por um tratamento mercadológico da educação, que geraria alunos que buscam as escolas mais interessantes, como por exemplo o pagamento descentralizado, onde parte do salário do professor é paga pelo aluno, o que força o professor a aperfeiçoar-se, inovar e melhorar suas aulas, como mostra o professor Fabio Barbieri em recente artigo para o Ordem Livre.

*Professor das redes pública e estadual de São Paulo. Mestrando em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Colaborador das revistas Filosofia Ciência & Vida e Filosofia Conhecimento Prático.

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