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Deixe de ser babaca: pare de dizer que tem orgulho de ser brasileiro

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Maurício Sá *

Deve ser custoso para qualquer pessoa romântica admitir e enxergar que o orgulho bobo de ter nascido em determinada localidade –  cidade ou país –  é, tão puro e simplesmente, um acidente geográfico, e nada além disso. O apego que é vociferado aos quatro cantos por estas pessoas é, a meu ver, lastimável e de frivolidade incomensurável. Esse amor à pátria, o nacionalismo ingênuo ou, de maneira pejorativa, o ufanismo juvenil são características triunfantes hoje em dia disseminadas na era do “ego fútil” notadamente nas redes sociais, e não só.

Na terra onde dizem que “o gigante acordou”, o caso é ainda mais crítico e denota-se que o vírus, além de ser mais danoso, é quase incurável. A defesa de subjetividades e ninharias são os principais estigmas dessas pessoas que advogam causas pouco nobres. Exemplifico. Orgulhar-se do Brasil nos dias de hoje, de forma análoga, é como um pai ter orgulho de uma filha prostituta, ou seja, praticamente impossível.

O Brasil é o único país do mundo onde pessoas que passam fome são “felizes”; as favelas do Rio de Janeiro são as vitrines perfeitas desta estapafúrdia ilação. O mundo inteiro acha o contrário, exceto os brasileiros. O português João Pereira Coutinho, com eterna destreza, concluiu brilhantemente num excelente artigo publicado na Folha: “Até quando Brasil, até quando negarás que não existe coisa mais triste do que a alegria do teu povo?”. Ser grandioso assim em duas frases é para poucos. Aplausos, Coutinho!

O contentamento de uma vida rodeada de pobreza virou sinônimo de alegria e felicidade por aí. Na minha opinião, é humanamente i-m-p-o-s-s-í-v-e-l lograr este status (felicidade – embora esse conceito seja muito pessoal e subjetivo) dentro de um barraco na Rocinha com 6 filhos sem ter o mínimo para uma vida decente e ainda ter que dormir com trilha sonora de tiros à noite inteira. Pasmem! O pseudosorriso avistado durante o dia é resultado da exaustão de uma noite trágica cheia de desgraças. Conclusão: sorrir para não chorar.  Faço aqui um adendo para ilustrar que não estou fazendo apologia ao coitadismo. Na minha opinião, nascer pobre é uma fatalidade, mas permanecer nela é uma opção individual, grosso modo, preguiça –  óbvio que há exceções.

A cartilha de moralidade no Brasil deve ter sido invertida, ou até mesmo reinventada, pois em matéria de inovação para futricagem o brasileiro tem erudição diferenciada no mundo, pelo menos nisso somos os melhores. Um país onde malandro e esperto é sinônimo de inteligência e o conceito de honestidade e meritocracia é algo ultrapassado e anacrônico, fica fácil imaginar que os tempos são nebulosos e nem o mais otimista e auspicioso pode fomentar qualquer melhora à diante. O comportamento execrável e, sobretudo, os eufemismos que se arraigaram durante muito tempo foram cruciais para dissociação de termos que consubstanciaram na cumplicidade tácita com o passar dos anos de (quase) toda sociedade.

Trocando em miúdos. O famoso “jeitinho brasileiro”, que muitos adoram falar – e fazer, é uma camuflagem culposa para canalhice. Destarte, comportamentos “triviais” – apenas no Brasil – recorrentes como: atravessar fora da faixa de pedestres; furar fila no trânsito – ou na rua; passar no sinal vermelho – São Paulo e Rio podem, pois é melhor levar uma multa a ser assaltado; subornar policiais com esmolas para evitar sanções por transgressões; votar por conveniência etc., são práticas abomináveis em qualquer país sério do mundo. Todavia, no Brasil são vistas alegadamente como normais sem qualquer desconfiança. Parecem coisas altamente simples e banais, mas essa diferença abismal só é notada quando você tem contato/choque com outra sociedade. Experiências na Argentina, Bolívia, Cuba, Equador e Venezuela não contam, eu falei país sério! Recordo-me de uma conversa que tive com uma amiga do Rio de Janeiro onde falei que aqui em Portugal o enriquecimento ilícito havia se tornado crime hediondo e, na ocasião, brincamos que isso no Brasil não passa de, no máximo, um ínfimo desvio de conduta que não estende-se, na prática, vias de fato, nem a uma contravenção (infração penal considerada crime menor). Mais uma vez: sorrir para não chorar.

Refletir um pouco acerca deste assunto é algo saudável e ao mesmo tempo traz alguma desilusão de infante. O realismo (no sentido clássico de nortear o Positivismo) aqui seria uma ferramenta importante no intuito de reproduzir uma realidade, imparcial, observada levando em conta o compromisso com a verdade, ou seja, deixando o sentimentalismo pueril inerente a quase todo brasileiro de lado. Nelson Rodrigues, nos seus deliciosos delírios extremamente racionais dizia, “O brasileiro não está preparado para ser o maior do mundo em coisa nenhuma. Ser o maior do mundo em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade”. Não sei se é um pessimismo muito precoce, pois tenho 29 anos, mas tendo a concordar com cada letra deste postulado, e o Brasil me oferta material empírico para ratificação disso cotidianamente.

A fim de concluir, avento, de cabelo em pé, que um país onde: o grande herói nacional é um populacho e analfabeto; onde há orgulho pelo fato de pessoas serem “alegres” e  “sorridentes”, mesmo sem ter o que comer;  onde política e corrupção são vistas, invariavelmente, como a mesma coisa; onde vê-se marginal (e é marginal sim!) como “manifestante”, leia-se Black Bloc; em que o estado, partido e governo são  praticamente siameses; que na suprema corte do poder judiciário tem advogado de partido usando toga e, depois de tudo isso, verifica-se que um bandido embusteiro condenado por esta suprema corte continua a ser um parlamentar e, não satisfeito, compõe uma comissão que leva o nome Constituição e Justiça. Sinceramente, não dá para ter orgulho…  Recomendo um Rivotril para pensar nisso tudo.

O Brasil em si é um país maravilhoso, o grande Problema (com “P” maiúsculo) somos NÓS, os eternos alegres, sorridentes e conformados que fizemos dele o país da cerveja, do futebol, da corrupção e da bunda. Eu me pergunto, até quando será engraçado sorrir de tudo mesmo rodeado de tanta desgraça? Até quando maltrataremos, sem dó e piedade, este triste gigante moribundo? Orgulho? Não, eu não sou babaca!

* Mestrando em Ciência Política na Universidade Nova de Lisboa.

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