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Conheça as palavras mais usadas por Smith, Mill e Marx em textos importantes

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Esta semana alguém compartilhou no Facebook o livro “Text Mining with R: A Tidy Approach” (link aqui), como me interesso pelo assunto e estou com mais tempo para aprender coisas novas depois que terminei meu mandato como diretor da FACE/UnB resolvi dar uma olhada no livro. O primeiro capítulo ensina a pegar textos e colocar como bases de dados “arrumadas” (tidy) no R, o segundo capítulo trata de análise de sentimentos, ainda não li os outros. Como gosto de aprender fazendo exercícios fiz uma, vá lá, análise das palavras que mais aparecem em alguns livros clássicos de economia e resolvi compartilhar o resultado com os leitores do blog.

Por limitações minhas as obras escolhidas tinham que estar disponíveis no Projeto Gutenberg (link aqui), uma organização que disponibiliza gratuitamente textos de livros clássicos que não estão protegidos por direitos autorais. Para o exercício considerei três autores clássicos e fundamentais para quem estuda economia: Adam Smith, Karl Marx e John Stuart Mill. Do primeiro usei “A Riqueza das Nações” de 1776, do segundo peguei “Para uma Crítica da Economia Política” de 1857 e do terceiro peguei “Princípios de Economia Política” de 1848. O livro de Adam Smith será usado como referência, os de Marx e Mill são da mesma época e representam linhas de pensamento bem diferentes que tomaram rumos ainda mais distintos no decorrer do século XX.

Comecemos com “A Riqueza das Nações”. As dez palavras que mais aparecem no livro são: preço (price), país (country), trabalho (labour), comércio (trade), produzir (produce), quantidade (quantity), valor (value), povo (people), moeda (money) e terra (land). O fato de preço aparecer bem mais que valor pode sugerir que Smith estava mais preocupado em determinar preços do que em determinar o valor de uma mercadoria, repare que quantidade e comércio também parecem mais do que valor. Outro ponto que me parece interessante é que capital, que nem aparece na lista, aparece menos que trabalho e terra, isso talvez seja reflexo da época e da abordagem de Smith focada no trabalho.

Na lista de “Para uma Crítica da Economia Política” aparecem: valor (value), moeda (money), ouro (gold), mercadorias (commodities), circulação (circulation), troca (exchange), trabalho (labor), mercadoria (commodity), produção (production), forma (form). Se somarmos mercadorias e mercadoria esse é o termo que mais aparece, faz sentido, Marx tratou tanto da produção quanto da circulação de mercadorias em uma economia capitalista. O foco na teoria do valor também fica claro, note que preço nem aparece entre as dez palavras mais usadas. Também vale destacar a frequência com aparece a palavra moeda, uma das características marcantes da análise de Marx é que muito mais que um meio de troca a moeda é um elemento crucial no processo de produção capitalista.

Por fim chegamos em Mill, o liberal, no livro “Princípios de Economia Política” as dez palavras mais citadas foram: capital, trabalho (labor), moeda (money), valor (value), produção (production), salários (wages), custos (costs), país (country), demanda (demand) e aumento (crescimento). A preocupação com a produção e os fatores de produção está clara, note o destaque para capital e trabalho, é curioso que capital não apareça na lista de Marx. Também há uma preocupação com valor, um tema que seria abandonado pelos economistas neoclássicos que podem ser vistos como os herdeiros de Mill. A lista de Mill também é a única em que, além de salários, aparecem as palavras custo e demanda, o que não deixa de ser interessante.

A tabela abaixo mostra as dez palavras mais frequentes nos três livros analisados. Repare que as palavras valor, produção, trabalho e moeda aparecem nas três listas. Isso me parece consistente com as preocupações dos economistas daquela época. Um exercício semelhante para autores modernos muito provavelmente não traria a palavra valor, também não ficaria surpreso se não aparecesse moeda. Por outro lado a palavras como oferta, demanda, utilidade, custos, preço e capita deveriam, creio eu, aparecer em todas as listas.

Dez Palavras mais Usadas em Cada Livro

A Riqueza das Nações, Smith Para uma Crítica da Economia Política, Marx Princípios de Economia Política, Mill

Palavra

Repetições Palavra Repetições Palavra Repetições

preço

1259 valor 864 capital 1032
país 1238 moeda 821 trabalho

916

trabalho

1003 ouro

646

moeda 837

comércio

970 mercadorias 620 valor

816

produzir

942 circulação 558 produção

762

quantidade

797 troca 537

salários

761

valor

794 trabalho 512 custo

632

povo 776 mercadoria 431 país

573

moeda

767 produção 413 demanda

493

terra 717 forma 333 aumento

472

Por fim vale uma comparação entre as palavras usadas nos três livros considerados no artigo. A figura abaixo mostra a frequência das palavras usadas por Mill e Marx em relação a frequência das palavras usadas por Smith. Palavras perto da linha são usadas mais ou menos na mesma frequência pelo autor do painel e por Smith. Palavras distantes da linha são usadas com mais frequência pelo autor do painel do que por Smith. Por exemplo, Smith e Mill usam a palavra país (country) com mais ou menos a mesma frequência, da mesma forma Smith e Marx usam a palavra capital com frequência parecida. Por outro lado, Mill usa a palavra “Adam” com mais frequência que Smith, o que me parece muito razoável e apropriado. Notem que Marx faz mais referências a moeda e circulação do que Smith, o que pode parecer contraditório, mas, creio eu, não é. Apesar do foco de Marx no processo de produção capitalista as referências a circulação e moeda apareciam pela forma como Marx acreditava que esses conceitos estavam inseridos no processo de produção e também pelas referências críticas aos conceitos de moeda e circulação em outros autores.

Apenas por curiosidade fiz o teste de correlação entre as palavras usadas por Smith e Mill e por Smith e Marx. O gráfico sugere que a correlação é maior para Mill do que para Marx. De fato, para Mill e Smith a correlação foi de 0,65 com intervalo de confiança entre 0,63 e 0,66. Para Smith e Marx a correlação foi de 0,50 com intervalo de confiança entre 0,48 e 0,53.

O exercício desse artigo não tem pretensões de analisar as obras de Smith, Marx ou Mill nem muito menos de apresentar alguma reflexão original sobre tais autores. Longe disso, os comentários que fiz costumam estar presentes em livros básicos de História do Pensamento Econômico e se em algum momento eu dei impressão de não ter contido a empolgação e ter ido além de um exercício de mineração de texto desde já apresento minhas desculpas. De toda forma ouso dizer que ferramentas de mineração de texto, se usadas por quem entende de história do pensamento econômico, podem ser uma ferramenta interessante para ampliar a pesquisa na área.

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Roberto Ellery

Roberto Ellery

Roberto Ellery, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), participa de debate sobre as formas de alterar o atual quadro de baixa taxa de investimento agregado no país e os efeitos em longo prazo das políticas de investimento.

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