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Concorrência Institucional [II]: A Farsa do ‘Dumping Social’

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Este texto é a segunda parte de uma série de três artigos em que procuro apresentar de que maneira a concorrência institucional poderia funcionar enquanto mecanismo promotor do desenvolvimento socioeconômico. Denunciando a farsa do ‘dumping social’, tento mostrar como a percepção da concorrência institucional muitas vezes conduz alguns governos a tomar posicionamentos normativos e decisões administrativas arbitrárias, simplesmente por fundamentar-se em idéias equivocadas e concepções políticas desprovidas de verdadeiro embasamento teórico.

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Introdução

{1} O ‘dumping social’ é mais uma destas expressões que, além de não ter nenhuma espécie de coerência, mostra a confusão mental a qual estão sujeitas as pessoas que dela se utilizam para criticar o mercado e o capitalismo. A expressão serve muitas vezes de argumento compondo a retórica que é empregada por quem não é favorável aos processos de globalização e livre comércio. É possível sentir, previamente, que a idéia designando a definição do termo ‘dumping social’ é errônea pelo simples fato que a própria expressão é mal construída.

{2} O dumping é uma atividade que consiste em demandar preços diferentes segundo o comprador que se apresente, por exemplo, entre compradores nacionais e estrangeiros. Indo ainda mais a fundo no conceito, o dumpingconsiste, simplesmente, em vender produtos mais baratos: obviamente que isto não traz nenhuma espécie de maleficio a alguém – sobretudo aos consumidores –, e não consiste, em nenhuma escala, uma prática condenável (1).

{3} O ‘dumping social’, por sua vez, é a idéia segundo a qual “estados ou empresas procuram mais ou menos deliberadamente degradar o direito social em vigor afim de tirar vantagem econômica, notadamente em termos de competitividade” (Gorce 2000). Nesta definição já fica claro que a expressão não tem coerência com o sentido original do termo: ou seja, enquanto odumping descreve uma política de preços, o ‘dumping social’ descreveria a concorrência entre trabalhadores e produtores, e a arbitragem relativa aos processos produtivos.

{4} Portanto, o que os indivíduos que pronunciam esta expressão buscariam – de fato – dizer (Bernaciak 2012, p. 16), é que produtores estrangeiros se beneficiariam de condições mais vantajosas do que produtores nacionais em decorrência das regulamentações menos onerosas que vigoram alhures. Os produtores nacionais estariam então sofrendo uma ‘concorrência desleal’ e seria, por consequência, necessário proteger os produtores nacionais ou obrigar que sejam impostas ‘na marra’ as mesmas regras, ambientes institucionais e condições de produção para os produtores estrangeiros residindo outras regiões.

A Hipocrisia dos Cartéis Políticos

{5} Para os defensores da idéia de que existiria um ‘dumping social’ seria necessário impor aos países que se beneficiam da liberalização do comércio e processo de globalização, legislações sociais similares a estas dos países desenvolvidos. A concorrência, para ser justa e eficiente, segundo eles, necessitaria regras e instituições idênticas em todas as regiões, caso contrário, os empreendedores de países desenvolvidos, que devem pagar custos elevados associados à fiscalidade e às regulamentações sociais de seus países, não estariam em pé de igualdade com produtores de países em desenvolvimento, que gozam de normas menos constringentes. Seria então necessário alguma espécie de harmonização das condições de concorrência, notadamente, regras fazendo convergir o custo da mão de obra aos níveis de países desenvolvidos.

{6} Mas tal harmonização, para ser implementada através de decisões oriundas de conluios políticos, implica, antes de tudo, o reconhecimento que determinado quadro de normas sociais é superior a um outro, sem que este reconhecimento seja fruto da livre concorrência entre tecnologias institucionais distintas: o simples fato do reconhecimento ter sido imposto na canetada por políticos nos dá motivos pra suspeitar da eficiência do procedimento de validação e arbitragem.

{7} Ou seja, administradores de governos e regiões onde o desemprego se aproxima dos 15% da população ativa, onde o crescimento econômico é pífio, onde as regulamentações são obstáculos efetivamente custosos, onde as normas trabalhistas e custos da proteção social são demasiadamente elevados, e onde fiscalidade é reconhecidamente excessiva; partem do princípio que estas instituições são indiscutivelmente superiores a estas dos outros países, e devem ser implementadas universalmente desde que possível. Seria tal imposição, realmente, um passo para a promoção da concorrência? Impor aos países um quadro normativo asfixiante, regulamentações absurdas e uma fiscalidade espoliadora é uma forma de promover a concorrência e o desenvolvimento destas regiões?

{8} A resposta é clara: não. O fato é que, procurar harmonizar as condições da concorrência pelo constrangimento público tem por consequência a promoção da escassez e o empobrecimento. Tais imposições terminam, na verdade, por reduzir a competitividade institucional dos países em desenvolvimento e diminuir suas vantagens comparativas: impedindo, por exemplo, que muitos  trabalhadores destes países tenham acesso a um trabalho e, potencialmente, oportunidade de buscar melhores condições de vida.

A Fragilidade do Arcabouço Teórico 

{9} Grosso modo, o ‘dumping social’ consiste em dizer que graças ao (livre) mercado e devido à instalação e deslocamento de empresas em regiões onde os custos de produção são mais baixos, decorreria naturalmente uma espécie de equalização internacional das remunerações. Olhemos então, rapidamente, esta ilustração que permite visualizar o princípio do embasamento teórico em que se fundamenta a idéia de ‘dumping social’:

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{10} O raciocínio teórico segue a seguinte lógica. Em primeiro lugar, se admite um número estável de trabalhadores e/ou horas homogêneas de trabalho em dois países – ou diversos países ao redor do mundo –, por um processo produtivo utilizando determinado tipo de tecnologia transferível e alocação qualquer de inúmeros fatores de produção identicamente distribuídos. A idéia do ‘dumping social’ é que, em consequência de uma baixa na demanda de trabalho (oferta de emprego) das empresas que se instalam em países onde as normas trabalhistas e sociais não são tão constringentes e os custos de produção são, em decorrência, menos elevados; os níveis dos salários dos países desenvolvidos tenderiam a ser puxados para baixo e/ou os níveis de desemprego para cima, pelo menos para os trabalhadores não qualificados. As únicas diferenças então decorrendo das questões institucionais:

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{11} O problema é que, além das questões puramente institucionais, nem os trabalhadores e nem as horas de trabalho são homogêneos, nem os procedimentos organizacionais são iguais, nem os processos de trabalho e as tecnologias adotadas são as mesmas – ou são perfeitamente transferíveis, nem o número de trabalhadores é estável, nem a disponibilidade e as características dos outros fatores de produção são idênticas, nem as condições da conjuntura econômica são similares. A hipótese de equalização dos rendimentos é reconhecidamente bastante frágil.

{12} A hipótese é questionável, primeiramente, porque as técnicas de produção não são exatamente as mesmas ao redor do mundo, e os fatores de produção e recursos disponíveis não são os mesmos: disto decorre que a estrutura organizacional, produtiva e alocativa é forçosamente distinta. Os trabalhadores não apresentariam, em média, o mesmo nível de produtividade: os ‘trabalhadores não qualificados’ não apresentariam as mesmas capacidades produtivas ao redor do mundo, em grande parte, simplesmente porque eles se encontram em ambientes produtivos distintos: eles estão associados à fatores de produção diferentes: a substituabilidade dos trabalhadores ou horas de trabalho não é perfeita.

{13} A própria idéia de que os ‘trabalhadores não qualificados’ do mundo inteiro estariam em concorrência direta e irrestrita é inverossímil: primeiro porque eles estão inseridos em ambientes organizacionais e econômicos distintos, mas principalmente, porque eles não podem, em massa e à escala mundial, livremente se deslocar lá onde a oferta de emprego seja melhor. As fricções são maiores do que para o trânsito de capitais. A própria idéia de que existiria uma certa homogeneidade no que se descreve como ‘trabalhador não qualificado’ é questionável, no mínimo demasiadamente generalizante: um trabalhador, que embora não tenha recebido formação educacional de qualidade, pode ter adquirido um savoir-faire específico que aumenta sua produtividade de maneira considerável.

{14} Além disso, se os salários são mais baixos – caso aceitemos que são idênticas as características dos processos produtivos, que os modos organizacionais não mudam, que a produtividade é a mesma, e que os outros fatores de produção fossem os mesmos e identicamente acessíveis e transferíveis – deveríamos esperar que as taxas de lucro das empresas sejam maiores nos países em desenvolvimento, o que não é forçosamente o caso.

{15} A prova é que algumas empresas retornam e retomam suas atividades em países desenvolvidos, muitas vezes, como consequência do não respeito às normas de qualidade impostas por elas, em decorrência do não respeito dos prazos de fabricação, por casos de nítida incompetência administrativa, pelo aumento dos custos de produção, ou simplesmente, para se beneficiar de economias de escala ou economias organizacionais: isto mostra que as diferenças de produtividade podem ter papel fundamental, mas ainda, que os salários baixos embora representem uma atrativo não compensam necessariamente as diferenças de produtividade. A produtividade depende não somente das máquinas, mas de uma série de fatores imateriais e materiais, como a organização do trabalho, o espírito de iniciativa, a disponibilidade dos outros fatores de produção ou a qualidade de vida das cidades.

{16} A teoria econômica mostra que o empreendedor emprega trabalhadores até que a produtividade marginal do último seja aproximativamente igual ao seu salário real. Desta maneira, para que a teoria da equalização dos salários seja verdadeira, seria necessário que a produtividade do trabalho não qualificadofosse aproximativamente a mesma em todos os países, e como acabei de mostrar mais acima, isto envolveria uma série de fatores que não estão simplesmente associados às capacidades produtivas dos trabalhadores.

{17} Se os salários são mais baixos nos países em desenvolvimento isto é principalmente uma consequência da produtividade menos elevada, por questões que fogem simplesmente às características e capacidades dos trabalhadores. Os salários flutuam, certamente, de acordo com as forças do mercado, mas sobretudo, não se distanciam dos níveis de produtividade pois isto é o que garante auto-sustentabilidade dos negócios, e como os níveis de produtividade não são iguais ao redor do mundo, decorre que os salários não podem ser iguais. Este raciocínio, que é fundamentado na teoria econômica e nas trocas de mercado, torna não-recebível a idéia de harmonização das remunerações.

Rejeição dos Interesses de Cartéis Políticos   

{18} Não é novidade que boa parte dos parlamentares e comentaristas da mídia desconhece o que quer dizer o verdadeiro sentido de concorrência. Como poderia ser ilustrado, segundo a retórica de Frédéric Bastiat, o que vemos é a empresa que, constrangida pela concorrência internacional e pela rigidez das instituições de certos países, se vê obrigada a fechar suas portas e deslocar suas atividades produtivas lá onde elas podem ser mais rentáveis; o que não se vê, é o consumidor que, ao invés de pagar 300 dinheiros por um produto, pode agora obter o mesmo por 50 dinheiros, talvez nesta mesma empresa que não conseguiria vendê-lo por este preço caso não estivesse deslocado suas atividades produtivas.

{19} Ou seja, não vemos o aumento do poder de compra de 250 dinheiros para os consumidores, que poderão ser gastos em atividades ou poupados e constituir capital para investimento; e vemos ainda menos, o fato de que os 50 dinheiros recebidos pelos produtores, agora em regiões diferentes, poderão certamente retornar em alguma escala ao país de origem, caso ele decida, por exemplo, conservar parte de sua produção ou etapa do processo produtivo – mais intensivo em capital (humano) – em seu país de origem. A teoria econômica é implacável neste ponto: o livre mercado é sempre promotor de abundância, sua restrição promotora de escassez.

{20} O progresso e expansão do mercado beneficia os países pobres, o comércio faz recuar a pobreza, a fome, a miséria. O mercado pode ajudar a fazer recuar ditaduras, aumentar a riqueza e  permitir a melhora da educação e da saúde: a liberdade promove maior mobilidade social e os direitos de propriedade, quanto mais eles forem respeitados, terminarão por se expandir aos mais pobres e proteger seus interesses. A democracia liberal promove o desenvolvimento e os países em desenvolvimento precisam da liberdade e do livre comércio, eles devem recusar o protecionismo e imposições políticas arbitrárias procurando reduzir sua autonomia e competitividade relativa.

{21} A desigualdade das condições de concorrência não é indesejável e muito menos ‘dumping social’, seja lá o que esta expressão queira dizer. Equalizar as condições de concorrência é simplesmente, em alguma escala, tornar desnecessárias as trocas comerciais internacionais. Não existe parâmetro fiável permitindo enquadrar e delimitar ‘corretamente’ o que deve e o que não deve ser equalizado em matéria normativa, estamos no mundo do aleatório. Seria o tempo de trabalho? Os impostos? Os salários? As normas trabalhistas? Seria também necessário harmonizar a qualidade dos terrenos e a fertilidade dos solos? Alinhar perfeitamente os recursos, capitais e fatores de produção? Equalizar a qualidade e capacidade de inovação dos seres humanos? Que país ou grupo de países deve servir de referência para a implementação forçada e arbitrária de uma harmonização institucional? A melhor referência seriam os países que apresentando elevados desequilíbrios orçamentários e enormes gastos públicos, com uma rigidez normativa que dificulta a criação de riqueza?

{22} Estas considerações apenas servem para nos mostrar que buscar implementar ‘na marra’ e em todo lugar instituições ineficientes é um fardo ao qual os países em desenvolvimento devem evitar. Elas nos mostram que a concorrência institucional é quem deveria realmente guiar a evolução das mudanças normativas, e nos indicar que, seja lá o que queira dizer esta expressão, o ‘dumping social’ é uma farsa: a expressão é mal construída, a idéia que a cerceia é equivocada, e os supostos malefícios decorrentes são, na verdade, oportunidades para o desenvolvimento econômico e optimização dos processos alocativos: fundamentais para que seja conservada a competitividade dos países em desenvolvimento.

Notas

(1) Se trata de uma mentalidade e raciocínio completamente débil, que mostra o quanto de ignorância econômica predomina tanto nos meios de comunicação quanto no ambiente acadêmico: se vendes por um preço alto, deves ser regulamentado pois certamente estás te beneficiando de uma renda de monopólio; se vendes por um preço baixo, deves ser regulamentado pois estás praticando dumping; se vendes por um preço de mercado, deves ser regulamentado porque estás certamente  fazendo conluio. Ora, mas que brincadeira é essa?!!? Como sempre venho dizendo, pra quem não entendeu a mentalidade retardada envolvendo este raciocínio: o preço justo ao qual se pretende fazer alusão é aquele preço que o socialista diz ser justo pagar.

 

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Matheus Bernardino

Matheus Bernardino

Economista (Universidade de Paris I Panthéon Sorbonne)

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