Coletivismo na ficção pop

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A política não é uma entidade isolada de todos os demais aspectos e elementos da sociedade. Sua vivência e as melhores maneiras de pensá-la estão sempre entrelaçadas com a cultura, em suas diversas manifestações, nas quais grita a alma de um povo ou de um tempo.

No campo da Literatura, o escritor e jornalista inglês George Orwell deixou sua marca na expressão simbólica de um fenômeno sócio-político que está no centro das discussões arespeito do poder e dos direitos do indivíduo (definido pela filósofa Ayn Rand como “a menor minoria da Terra”): o coletivismo. A ânsia ideológica por dissolver as individualidades em mares de pensamento único e grupos com membros acéfalos e sem autonomia, característica pronunciada de amplos setores da esquerda – por isso mesmo chamados “totalitários” – provavelmente teve poucas vezes seus resultados expostos com tanta grandeza quanto no clássico de ficção científica 1984. Os posicionamentos políticos de Orwell são sempre discutidos e são feitas as mais divergentes interpretações de sua grande obra. Algumas delas francamente “forçadas”. O que parece consenso é que o autor tinha predileções por ideias de esquerda, em um nível mais ou menos moderado; diante de seu fantástico livro, pouco importa. Trata-se de uma crítica singularmente profunda ao coletivismo totalitário do socialismo soviético (cabível também ao nacional-socialismo alemão). O nome do poderoso partido do fictício país de Oceânia, Socing (abreviatura de Socialismo Inglês), não nos deixa mentir.

Conscientes dessa importância da esfera da cultura, decidimos fugir um pouco do usual e olhar para as produções mais recentes. Buscamos algumas referências na cultura de massa, na cultura pop, no cinema, em seriados de televisão e quadrinhos, contendo outras representações evidentes dos malefícios do coletivismo – para destacá-las de outros vários personagens e histórias que propagandeiam as agendas do “outro lado”, diga-se de passagem. Aqueles que, como nós, são amantes dessas formas de entretenimento reconhecerão alguns dos exemplos interessantes que encontramos.

A ideia surgiu quando assistimos ao filme Invasores (The Invasion, 2007), a mais recente de quatro adaptações feitas à premissa do livro Invasores de corpos (The Body Snatchers, 1954), escrito por Jack Finney. Isso porque, deixando de lado qualquer discussão sobre a qualidade técnica do filme enquanto produção cinematográfica, a história serve muito bem ao propósito de delinear o verdadeiro caráter do coletivismo – especialmente em sua feição de castrador do que há de mais positivo na humanidade, sob o vão pretexto de eliminar o que há de pior. Infelizmente para os coletivistas revolucionários, não existem tais atalhos miraculosos, e a promessa maravilhosa se converte em uma sangrenta realidade.

O filme, como o título sugere, é a narrativa de uma invasão alienígena. Mas não do tipo convencional, como no clássico Independence Day; aqui, um vírus extraterrestre inteligente se alastrava e dominava o comportamento das pessoas, no que parecia um tipo diferente de gripe,mas que atingiu proporções mundiais e logo mostrou a que veio. A personagem de Nicole Kidman, protagonista do filme, é uma psiquiatra que procura proteger seu filho, um dos poucos que parecem imunes ao efeito do vírus e que, por isso, os “infectados” desejam eliminar. O discurso do invasor é muito nosso conhecido; diz ele que seu propósito é pacificar o ser humano, fazendo com que todas as pessoas, dominadas por ele, se sintam pertencentes a um grande coletivo, tendo as aspirações particulares, as diferenças, as discordâncias, quase inteiramente dissolvidas. Acabando com os ódios e desavenças por essa via artificial, o vírus pôs fim a todas as guerras e disputas territoriais e políticas em andamento no planeta. A paz absoluta, no entanto, como não poderia deixar de ser, tinha um preço alto: as pessoas abdicavam totalmente de suas paixões e aspirações, deixavam de ser elas mesmas.  O coletivismo as reduziu a peças engenhosas de uma máquina gigante, que se moviam harmoniosamente, mas, por si mesmas, nada eram. Não lembra muito alguma coisa?

A presença do personagem do filho de Kidman é ainda mais simbólica. Os “infectados” são pacíficos e não se confrontam – ENTRE ELES. Aqueles que não estão contaminados são capturados à força para que a doença lhes seja transmitida, com violência e sem nenhum remorso por parte dos agressores – que, lembremos, estão como que anestesiados de suas maiores emoções, e creem cegamente estar agindo “por um bem maior”. Mas o filho imune de Kidman representa o tipo de pessoa que sempre estará “fora” do coletivo. O que o coletivo faz com quem está “fora”, na vida real? Elimina, apaga, silencia. Quem não faz parte do bando é um incômodo intolerável, que precisa desaparecer.  Está clara a mensagem do filme.

O coletivismo também está representado formidavelmente na famosa franquia de ficção Star Trek (Jornada nas Estrelas), a maior criação de Gene Rodenberry. Em um dos seriados derivados da série original, o primeiro (Star Trek: The Next Generation), um dos principais inimigos enfrentados pela tripulação do capitão Jean-Luc Picard (vivido por Patrick Stewart) é a raça alienígena dos Borgs. Habitando uma vasta região do Quadrante Delta da Galáxia, os Borgs são, também, invasores; no entanto, em vez de vírus, eles formam um enorme ente coletivo de organismos cibernéticos, que absorvem as características dos povos dominados, com um único e grande propósito: “atingir a perfeição”. Os Borgs assimilam sistemas estelares, com populações e culturas inteiras, na intenção de anular suas especificidades e fundi-las ao grande todo em que se estruturam, coordenado por uma mente central.

Em uma franquia que já teve, em tempos de Guerra Fria, os clássicos klingons da série original como sátiras ao poder soviético, os borgs são uma representação ainda mais tristemente visceral e cruenta do poder maligno do coletivismo. A imagem dos borgs desnuda o delírio dos coletivistas de produzir, pelas próprias mãos e à força, a “perfeição” na Terra – perfeição esta que, posto que imperfeitos, jamais poderão compreender. Esse delírio se torna, então, imperialista e assassino – quando não mata diretamente, destroçando a autonomia do indivíduo, acaba por criar um cenário de “morte em vida”.

Nos quadrinhos, a Marvel Comics, empresa de extremo sucesso e responsável por personagens como o Capitão América – símbolo dos EUA e dos valores fundantes americanos -, acabou por abrir grande espaço, sobretudo em revistas alternativas, para uma propaganda não tão velada de ideias da esquerda de seu país. Temos visto super-heróis mudando de orientação sexual – ou até de sexo mesmo -, por exemplo, apenas para que as histórias reflitam mais o “pluralismo” e atraiam as “minorias”. Nenhum mal em apresentar personagens diferentes, mas é um tanto evidente que ao modificar aqueles que já têm uma trajetória consagrada, há uma intenção política nada louvável por trás.

De qualquer modo, a mesma Marvel nos traz dois bons exemplos que os leitores de longa data conhecem muito bem. O primeiro deles é a IMA (Ideias Mecânicas Avançadas), uma organização criminosa de cientistas que tinham na Ciência a fonte de todas as perguntas e todas as respostas. A IMA ilustra muito bem como o coletivismo cego pode perverter mesmo as melhores coisas deste mundo. Os personagens, todos uniformizados e ocultando os rostos, fazem as coisas mais perversas em nome da “Ciência”. Depositam em algo, que não é divino ou transcendente, uma espécie de “fé” radical que passa por cima de todos os limites impostos pela realidade e pelo mínimo senso de ética. Não faz lembrar movimentos socialistas, como o Juche da Coreia do Norte, que apresentam feições quase “religiosas”?

Em um determinado momento, o líder da IMA foi uma criatura chamada MODOK. Na verdade, um ser humano evoluído artificialmente (por meio da mesma Ciência que, em vez de saudável instrumento, é tratada como crença totalizante pelos integrantes do grupo), convertido em uma criatura de imensa cabeça e corpo anão, pronta a liderar as artimanhas mais sórdidas. O MODOK é o membro do coletivo que de tal modo mergulhou na causa que suas características pessoais foram destruídas praticamente por completo, hibridizando-se com o propósito e a “ideologia” e abdicando da humanidade. O MODOK pode servir ainda como analogia de um fato que se dá em todo movimento coletivista revolucionário, e que não está tão bem representado nos demais modelos ficcionais que apresentamos:sempre alguém se destaca e nunca todos são tão iguais como se pode pretender. Mesmo absorto fanaticamente em suas ideias, o líder é alguém com sede de poder. Os socialistas costumam não querer ser meros peões na ação revolucionária; desejam ser líderes ou heróis. Comandar, em outras palavras.

Há, por fim, ainda na Marvel, a Ninhada. A Ninhada é uma raça alienígena com a aparência de insetos, que se organiza como numa gigantesca colmeia; todos os indivíduos são apenas zangões que obedecem cegamente a uma rainha. Vivem para ela e, se necessário, morrem por ela. Não é preciso dizer mais nada. Só que, por óbvio, eles são bichos muito feios e devoram e colonizam outros planetas. É a representação mais esteticamente sincera do coletivismo; se ele procura mostrar aos ingênuos uma face solidária e bela, sua essência é podre e monstruosa.

Assim na ficção, assim na vida real.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

Um comentário em “Coletivismo na ficção pop

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    31/07/2014 em 8:14 pm
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    Ótimo texto e visão nova para um assunto velho, socialismo já era só doente mental ou ignorantes incitam tal ideologia empobrecedora.

Fechado para comentários.

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