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Caminhos doutrinários para uma sociedade aberta (segunda parte)

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Clique aqui para ler a primeira parte.

Este artigo foi publicado originalmente no blog do autor. 

II – Núcleos atuais para o estudo do Liberalismo no Brasil.

Considero que, na atualidade, os lugares mais destacados para fomentar os estudos do liberalismo, por parte das novas gerações, são as seguintes Instituições:

1 – Instituto de Humanidades, que funciona em São Paulo, sendo o seu Diretor Executivo o advogado Arsênio Eduardo Correia, estudioso das questões sociais na Primeira República, bem como da implantação, nos anos 80, da denominada “Nova República”. Pertencem ao Instituto, como Presidente, o professor Antônio Paim e, morando em Londrina, eu próprio. O saudoso professor Leonardo Prota (1930-2016), um dos fundadores do Instituto, deu uma contribuição extraordinária, em Londrina, com os Encontros de pesquisadores e docentes da Filosofia Brasileira, entre 1989 e 2003. O Instituto de Humanidades já se tornou conhecido, pelo fato de ter elaborado uma proposta de educação humanística continuada, no seu Curso de Humanidades, cujos materiais são oferecidos on line, sem custo algum, através do Portal do Instituto, neste endereço eletrônico: (www.institutodehumanidades.com.br).

No contexto das atividades de pesquisa hoje desenvolvidas pelo professor Antônio Paim, ressalta o seu projeto de aprofundamento nas raízes da nossa história cultural. Trata-se de uma proposta semelhante à desenvolvida, há duzentos anos, na França, pelo doutrinário François Guizot (1787-1874), em torno à reconstituição da identidade francesa, do ângulo do relato histórico, que terminou desaguando nos Cursos por ele oferecidos na Sorbonne, com a finalidade de superar as deformações ensejadas pela Revolução Francesa, que pretendeu cortar, radicalmente, com o passado. No contexto da sadia reação cultural ensejada por Guizot, foram plantados os marcos que possibilitaram a reconstrução da história cultural da França e da Europa, ao ensejo dos seus cursos sobre a História da França e a História da civilização européia.

A proposta do professor Paim parte da reconstituição dos nossos elos de identidade brasileira, retomando a antiga coleção Brasiliana, que, no século XX, ensejou a publicação dos principais trabalhos historiográficos acerca da nossa formação como país. Já foi lançado, com esse intuito, o primeiro volume, intitulado: Brasiliana Breve. Seguirão outros, que destacam aspectos específicos da nossa historiografia, no terreno sociocultural. Paim dá continuidade, assim, a projeto acalentado por ele há duas décadas, no sentido de, à maneira dos doutrinários, reconstruir o caminho da nossa identidade liberal perdida.

Essa proposta foi formulada, por Paim, no início deste século. Em obras anteriores, o Mestre havia deitado os alicerces para essa proposta, alargando a sua análise até as origens do pensamento liberal moderno e situando, nesse contexto, a tarefa de reconstrução cultural das nossas instituições, fazendo uma crítica bem fundamentada ao marxismo, que é, segundo ele, a manifestação mais recente do espírito cientificista na cultura brasileira.

Destaquemos que toda essa pesquisa empreendida por Paim, terminou se espraiando em Cursos regulares de extensão e de pós-graduação, ao longo dos anos 80 e 90 do século passado, em instituições de ensino superior públicas e privadas, como a Universidade de Brasília, a Universidade Federal de Juiz de Fora e a Gama Filho, no Rio de Janeiro. A manifestação pioneira dessa atividade tinha ocorrido, nos anos 70 do século passado, na PUC do Rio de Janeiro, ao ensejo da criação do Programa de Mestrado em Pensamento Brasileiro.

Duas tarefas práticas, de caráter imediato, apresenta o professor Paim: devemos nos engajar, com coragem, em primeiro lugar, na consolidação, no Brasil, da educação para a cidadania, sem a qual, não será possível encontrarmos o caminho para a nossa caminhada como país que aspira à plena democracia. Por iniciativa do Mestre Paim, uma tentativa, nesse sentido, tinha sido feita pelos membros do Instituto de Humanidades, já há quase duas décadas, na obra intitulada: Cidadania: o que todo cidadão precisa saber. Tratava-se de uma proposta, endereçada aos professores de ensino básico e fundamental, com a finalidade de estimular o debate acerca do conteúdo que deveria ter a disciplina “educação para a cidadania”, que seria inadiável implantar nas quatro primeiras séries do ensino básico. Paralelamente a essa preocupação básica, o professor Paim cuidou, ao longo dos últimos vinte anos, de definir as linhas mestras para a reestruturação da classe política, cuidando de um aspecto fundamental para a atuação dela: o aprimoramento da representação.

2 – Espaço Democrático do PSD. O professor Antônio Paim tem desenvolvido, ao longo das duas últimas décadas, destacado trabalho no sentido da revalorização da classe política, junto a alguns partidos de centro, nos quais tem atuado como assessor: primeiro, no antigo Partido da Frente Liberal (PFL) e, hodiernamente, no Partido Social-Democrático (PSD), fundado pelo empresário e ex-Ministro Gilberto Kassab (1960). A ideia de Paim é tornar concreta a tarefa que Alexis de Tocqueville (1805-1859) tinha como uma das finalidades básicas da instituição do Estado democrático, de “construir o homem político”, juntando as práticas da educação para a cidadania e do aprimoramento da representação.

Um exemplo, apenas, desse incansável trabalho de Antônio Paim é constituído pela obra intitulada: Personagens da política brasileira. O nosso autor considera que, no século XXI, há uma tarefa desafiadora: tornar o Brasil um país realmente democrático, mediante a incorporação de uma grande classe média à vida política, aperfeiçoando a representação. Consoante Francis Fukuyama (1952), – frisa Paim -, a China e a Rússia vivenciam, hodiernamente, também, esse repto, a fim de saírem, definitivamente, do modelo de Estado Patrimonial consolidado há séculos. Também é o caso do Brasil.

A propósito, Paim escreve: “A tarefa é desafiadora. O principal obstáculo a vencer está identificado: trata-se do patrimonialismo. Em resumo, estamos no caminho que nos conduzirá à plena instauração do regime democrático representativo, compreendidas as características sociais requeridas (classe média). Para tanto, é preciso recuperar o prestígio da classe política. O propósito de identificação de personalidades marcantes ora empreendido, evidencia a presença de figuras destacadas no meio político. Nada sugere que o ciclo histórico ora vivenciado seja diferente”.

3 – Núcleo Ibérica. Foi fundado em 2009 por Alexandre Ferreira de Souza, Marco Antônio Barroso, Bernardo Goytacazes de Araújo e Humberto Schubert Coelho, meus ex-alunos no Curso de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Este grupo conta, para efetivar as suas ações de análise cultural, com o Portal Ibérica www.estudosibericos.com e com a Revista digital Cogitationes www.cogitationes.org , criados há dez anos.

A principal contribuição do Núcleo Ibérica tem consistido na análise crítica da realidade brasileira, do ângulo liberal-conservador, à luz da filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), de espiritualistas como Jacob Böhme (1575-1624), teólogos como Rudolf Otto (1869-1937), românticos franceses como Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) e Madame de Staël (1766-1817), ou liberais conservadores herdeiros destes, como Tocqueville. O Núcleo também estuda a obra dos liberal-conservadores da tradição britânica, como é o caso de Edmund Burke (1729-1797), Lorde Acton (1834-1902) e Roger Scruton (1944-2020).

Os membros do Núcleo partiram para a pesquisa acadêmica de longo curso, sendo que alguns deles defenderam teses de doutoramento sobre os autores mencionados, como é o caso de Humberto Schubert Coelho (com tese sobre Jacob Böhme), Marco Antônio Barroso (com tese sobre Benjamin Constant de Rebecque) e Alexandro Ferreira de Souza (com tese sobre Rudolf Otto).

Alguns membros do Núcleo (Alexandro Ferreira de Souza, Marco Antônio Barroso e Bernardo Goitacazes de Araújo) participaram da gestão do MEC, no início do governo Bolsonaro, me acompanhando, como Secretários, no período em que desempenhei o cargo de Ministro da Educação, entre 1º de janeiro e 8 de abril de 2019. Foi surpreendente a performance dos meus ex-alunos no Ministério, mesmo não contando, alguns deles, com experiência significativa em gestão pública (salvo no caso de Bernardo Goytacazes de Araújo, que já tinha se desempenhado em funções públicas municipais, na sua cidade natal, Três Rios). Marco Antônio Barroso à frente da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES) , Alexandro Ferreira de Sousa, como titular da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) e Bernardo Goytacazes de Araújo, à frente da Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (SEMESP) surpreenderam com a eficiência e a reta administração, no curto trimestre em que tiveram de fazer frente aos enormes desafios das suas respectivas repartições. Isso prova a importância de uma sólida formação humanística, como alicerce indiscutível para a boa gestão pública. A presença e o apoio dos meus ex-alunos no Ministério foram fundamentais para o meu trabalho. Reconheço, agradecido, a grande contribuição deles.

Recentemente, vinculou-se a esse grupo Luciano Caldas Camerino que, ao longo das três últimas décadas, desenvolveu, de forma sistemática, seminários sobre os pensadores liberais clássicos, no seio do Curso de Filosofia da UFJF. Eu próprio, estimulado pelos meus alunos, realizei pesquisa de pós-doutorado sobre Alexis de Tocqueville e os doutrinários franceses. Os seminários que, no Núcleo, desenvolvi sobre as relações entre Patrimonialismo, Cultura e Literatura na América Latina, deram como resultado os livros intitulados: A análise do Patrimonialismo através da Literatura latino-americana: o Estado gerido como bem familiar Patrimonialismo e a realidade latino-americana. As análises que, do ângulo cultural, desenvolvi no Núcleo, tendentes a criticar a falta de uma fundamentação ética que nos permitisse superar o espírito contra-reformista, deram ensejo, de outro lado, ao meu livro intitulado: Luz nas trevas: ensaios sobre o Iluminismo.

3 – Instituto Liberal. Esta instituição continua a funcionar no Rio de Janeiro, sob a presidência do jovem jornalista e escritor Lucas Berlanza Corrêa (1992). Na nova organização dada por Lucas Berlanza ao Instituto, destaca-se a configuração digital do Portal, onde divulga debates de atualidade, dos quais participam jovens liberais do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras. De outro lado, a pesquisa desenvolvida por Lucas Berlanza tende uma ponte entre a nova geração de liberais e as gerações anteriores, mediante o estudo detalhado das relações que se podem tecer, no tratamento dos temas do Liberalismo, com a atual quadra da história brasileira.

O traço marcante do Estado brasileiro, nestes tempos de luta contra o lulopetismo e de triunfo de uma opção liberal-conservadora, representada por Jair Bolsonaro, continua sendo o Patrimonialismo, que teima em sobreviver, encarando o público como privado. Nesse combate, – considera Lucas Berlanza -, a memória das lutas encetadas por Carlos Lacerda (1914-1977) contra o tradicional cartorialismo do ciclo getuliano, revive o clima de luta periclitante pela liberdade, que foi, também, o traço marcante dos Doutrinários e de Tocqueville, na França. Berlanza retoma, assim, o melhor da nossa tradição política liberal-conservadora que, inspirada em figuras como Winston Churchill (1874-1965), não tem medo de lutar o bom combate, em prol da liberdade e dos valores da nossa civilização cristã.

Lacerda deixou para o Brasil, frisa Berlanza, “o legado de Ícaro”, encarnando o papel do “líder que (…) sustentou simultaneamente princípios como a descentralização do poder e da administração, a valorização da herança cultural ocidental e cristã (…), o receio do Estado agigantado e opressor, o apreço pela sensibilidade patriótica e pelas virtudes cívicas”.

4 – Instituto Mises Brasil. Foi fundado em 20017 por uma turma de jovens estudiosos das obras do economista austríaco Ludwig von Mises (1881-1973), sob a liderança de Hélio Coutinho Beltrão (1968), formado em finanças pela Universidade de Colúmbia. Ao lado dele, outros estudiosos das teses de Von Mises participaram da fundação do Instituto, como Bruno Garschagen, Ubiratan Jorge Iorio, Rodrigo Saraiva Marinho, Fernando Ulrich, Fernando Fiori Chiocca, Cristiano Fiori Chiocca, etc. Na parte editorial do Instituto Mises, colabora renomado estudioso da obra de Russel Kirk (1918-1994), o historiador e pensador de tendência liberal-conservadora Alex Catharino, pertencente, como membro correspondente, ao Centro Tocqueville-Acton, na Itália. Alex Catharino é fundador do Centro Interdisciplinar de Economia Personalista (Rio de Janeiro).

Em abril de 2018, o Instituto Mises Brasil foi considerado, pela quarta vez, como o think-Tank liberal, fora dos Estados Unidos, com maior influência nas redes sociais. O Instituto publica, em São Paulo a Revista Mises, uma publicação interdisciplinar de filosofia, direito e economia. O Instituto Mises Brasil partiu, também, para a formação continuada de quadros técnicos na área da economia, oferecendo cursos de pós-graduação em Economia da Escola Austríaca (2016).

5 – Clube da Aeronáutica. Sob a liderança do coronel Araken Hipólito da Costa, com a estreita colaboração do professor Francisco Martins de Sousa (mestre e doutor em Pensamento Brasileiro), foi instituído, em 2009, o Curso de Pensamento Brasileiro, como atividade cultural continuada do Clube. Os trabalhos apresentados no desenvolvimento do Curso são publicados, regularmente, pela Revista Aeronáutica.

O Curso de Pensamento Brasileiro foi adotado, a partir de 2020, pela Universidade da Força Aérea, com sede no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, dando, assim, maior abrangência ao estudo da nossa cultura na formação de oficiais e do público civil em geral. Considero que, pela seriedade com que os nossos militares, tradicionalmente, tem tratado os seus empreendimentos na área cultural, esta nova versão do Curso de Pensamento Brasileiro dará um reforço substancial ao estudo da cultura brasileira. A matéria que tradicionalmente leciono no Curso de Pensamento Brasileiro, intitulada: “História do Pensamento Político Brasileiro” foi publicada, em forma de livro, pela Revista do Clube da Aeronáutica, em 2012.

(Continua…)

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Ricardo Vélez-Rodríguez

Ricardo Vélez-Rodríguez

Membro da Academia Brasileira de Filosofia e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, professor de Filosofia, aposentado pela Universidade Federal de Juiz de Fora e ex-Ministro da Educação.

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