Pensar em si mesmo ou pensar no país?
Uma das primeiras tentativas de Jair Bolsonaro de se defender das acusações feitas por Sérgio Moro foi reproduzir um trecho do pronunciamento do ex-ministro da Justiça, em que ele diz que precisa zelar por sua biografia. O presidente da República rebateu dizendo “tenho um país a zelar”.
Sérgio Moro está certíssimo. Ele manifestou o sentimento de toda pessoa honesta consigo mesmo. Jair Bolsonaro, por sua vez, lançou mão de um jargão utilizado por todos os ditadores da história para perseguir indivíduos e cercear liberdades individuais.
Pensar prioritariamente em si mesmo é um princípio conservador, liberal e libertário. É a base da liberdade individual.
Quando priorizamos nosso bem-estar, estamos assumindo a responsabilidade sobre nossos atos e deixando todos os outros indivíduos livres para também priorizar seus próprios interesses. Porém, como ninguém é autossuficiente, todo indivíduo precisa interagir com os demais para suprir suas necessidades e satisfazer seus desejos, oferecendo algumas coisas para receber outras. Esse conjunto de interações é o que cria benefícios coletivos, que fomentam o desenvolvimento social, intelectual e econômico.
(Recomendo a leitura de Vícios Privados, Benefícios Públicos, de Eduardo Giannetti da Fonseca)
O raciocínio oposto, manifestado por Bolsonaro, é a base do socialismo – todos devem prioritariamente cuidar de todos, para o “bem do país”. Isso significa que as pessoas não devem ter liberdade para buscar sua própria felicidade, com seus próprios meios, pois isso é responsabilidade do estado.
O bem-estar intelectual é tão importante quanto o bem-estar físico. A intelectualidade de um homem é moldada pela moral, o conjunto de princípios e valores que direcionam o olhar e os passos de cada indivíduo. A intelectualidade não molda apenas nosso comportamento social, mas também nossa ética e nossa responsabilidade profissional.
A “biografia” que Sérgio Moro tanto preza é o histórico de seus atos profissionais derivados de seus princípios morais. Combater crimes em vez de cometê-los é uma opção moral.
A biografia que satisfaz o indivíduo Sérgio Moro beneficiou todo o Brasil, pois ajudou no maior esforço de combate à corrupção.
Ao que parece, o “pensar no país” de Jair Bolsonaro é permitir certos “níveis” de corrupção enquanto evita outros.
Ironicamente, Jair Bolsonaro priorizou sua biografia em seu pronunciamento do último dia 24, em resposta a Sérgio Moro. Na maior parte do tempo, exaltou suas próprias virtudes. O motivo da demissão do ex-Diretor-geral da PF demonstra que o presidente prioriza seus interesses pessoais, a despeito do dramático momento que o Brasil vive.
“Prezar” por um país é prezar pela independência de suas instituições, não querer controlá-las, mas Jair Bolsonaro não pensa assim.
Já era explícita sua intenção de obstruir as investigações contra um de seus filhos. Agora, ele afirma que nomeará amigos de seus filhos como os novos ministro da Justiça e diretor-geral da Polícia Federal, ignorando completamente qualquer princípio ético e a opinião das pessoas.
Comparando os interesses particulares de Sérgio Moro e Jair Bolsonaro, fica claro que existe um abismo moral entre os dois. O primeiro não negocia seus princípios. O segundo sim.