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Maurício Sá*

CarafeioO espetáculo de horror dos funcionários públicos do Brasil nas universidades portuguesas.

O que seria civilização do espetáculo? Na visão de Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura, quer dizer que o primeiro lugar da tabela de valores é ocupado pelas vaidades e frivolidades.

Vivendo há cerca de quatro anos aqui em Lisboa, onde tive a satisfação de fazer toda a minha trajetória acadêmica (graduação, especialização e mestrado – com recursos próprios), presenciei um dos espetáculos mais horrendos que um estudante -entusiasmado em acumular capital humano e retornar ao seu país para contribuir com alguma mudança- pode ter vivenciado; que foi o de ter contato, assistir aulas e algumas apresentações de trabalho num mestrado de Direito, cuja maioria dos alunos era formada por funcionários públicos de escalão elevado no Brasil, majoritariamente, magistrados e representantes do Ministério Público, ou seja, juízes e promotores.

A ideia fictícia (que eu tinha) de que eram detentores de conhecimento enciclopédico e erudição diferenciada esvaneceu-se com o passar de poucos dias, ou quiçá horas.  Mas isso por si só não causaria tanta estupefação da minha parte e nem seria motivo relevante para exasperação (e por que não vergonha?), não fosse o que veio em seguida. A falta de conhecimento, pouquíssima leitura, o nível das discussões (dignas de aluno de 1º ano de qualquer universidade de quinta), as apresentações de trabalhos – todas lidas de forma maçante do início ao fim, fazendo com que os professores não tivessem outro método para avaliar os alunos a não ser aceitando aquele teatro risível, pois a maioria utilizava do mesmo artífice, senão, indubitavelmente, todos estariam reprovados. É como se houvesse uma “avaliação de exceção” para arguir os alunos brasileiros deste mestrado.

São funcionários públicos que tiram licença remunerada de um ou dois anos (vale ressaltar aqui que o mestrado tem obrigatoriedade de apenas um ano para cumprimento das unidades curriculares) para estudar com o dinheiro do pagador de impostos brasileiro, enquanto o trabalhador da seara privada se quiser fazer o mesmo, inexoravelmente, terá de tirar do próprio bolso. E, caso queira licenciar-se do trabalho, não terá direito a receber nada (o que é mais do que justo para qualquer empregador que tem seu funcionário afastado de suas funções, certamente o Estado deveria proceder da mesmíssima maneira, ao invés de enviar, a esmo, seus servidores para viagens lúdicas de “formação”).

Com efeito, no intuito de elencar aqui alguns episódios de terror, eu poderia destacar os principais despautérios que eu ouvi neste (in)profícuo convívio: (I) um professor a falar que o trabalho/ apresentação do aluno não poderia ser levado a sério nem em uma graduação, e que era  o  pior  já  visto  na  carreira  dele.  O trabalho em questão fora apresentado  por  uma promotora  de  justiça;  (II)  certa  vez  um  aluno  deste  mesmo  mestrado  não  sabia  o  que significava a palavra: “fálico” (risos!); (III) um aluno em sua apresentação disse que a soberania do Estado era um  direito fundamental – o que para qualquer pessoa (de qualquer área) minimamente informada isso é um tremendo disparate, pois os direitos fundamentais foram estabelecidos para pessoas e não para Estados. Quem disse isso foi um juiz; (IV) que a Primeira

Guerra Mundial começou em 1919; e (V) certo promotor não sabia quem era Angela Merkel. Pasmem! A lista poderia se alongar, mas o estômago assim não permite e a prosa vai começar a parecer piada. Acredite, não é.

Os pontos aqui são vários. Pode-se criticar o processo de admissão, especificamente desta universidade, em relação aos alunos brasileiros. Sim. Isso, em minha opinião, deriva do fato de a Europa estar engolfada numa crise causando sérios déficits em vários cursos de suas universidades – neste caso, alguns brasileiros servem para “preencher lacunas” e gerar receitas para as universidades dos patrícios em dificuldade. Importante ressaltar que por aqui até as universidades públicas são pagas. Mas isso é para outra digressão. Eu, como cidadão brasileiro, observo esse dos males o menor, já que a minha preocupação real é com a educação do lado daí do oceano.

Esta deliquescência brasileira suscita várias questões: (I) a falta de comprometimento das instituições no Brasil em não ter o mínimo de critério ao enviar esses “alunos” para estudar fora – eu vejo mais ou menos como um Ciência Sem Fronteiras para os servidores públicos (tanto do lado da facilidade quanto da (in)competência); (II) as universidades europeias, em geral, atravessadas em crise, estão com um enorme exiguidade de alunos, isso faz-se entender (e entender não é sinônimo de concordância) o porquê da flexibilização nos processos de admissão –tanto que, nesta turma onde presenciei estes espetáculos, todos os alunos eram brasileiros, e a maioria com o perfil supramencionado.

Generalizar é sempre temerário, por conseguinte, escuso-me a fazê-lo. Deve haver algures um ou dois alunos com competência e discernimento que fuja deste rótulo de ignaro. Infelizmente, não estava(m) presente(s) nas quarelas acadêmicas em que eu participei.

Por fim, eu acredito que apenas a especificidade da matéria do Direito, em que se debruçam os próceres do nosso sistema jurídico no dia a dia, seja insuficiente para tratar de tantos conflitos em função do Dédalo que é natureza humana. É minimamente necessário, alargar um pouco mais essa tapa (objeto que os cavalos usam para não olhar para os lados) principalmente no campo humanístico. Sentar nos livros após a aprovação de um concurso – nomeadamente nos cargos desta envergadura- é, moralmente, odioso e, eticamente, reprovável.

*Cientista político e mestrando em Ciência Política na Universidade Nova de Lisboa

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