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Arnaldo Bloch, Eduardo Cunha e a irritante “direita de 1964”

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"Olha lá! 2015 e continuam nos culpando, mesmo com esse tal de PT aí..."
“Olha lá! 2015 e continuam nos culpando, mesmo com esse tal de PT aí…”

Se há algo que me incomoda muito mais do que a esquerda clássica e grotescamente assumida, aquela que não se ocupa de dissimular suas fragilidades e feições caricatas, é a retórica daqueles que se apresentam como superiores, “da paz”, alheios ao conflito político e, portanto, melhores do que os bárbaros que se digladiam na arena das ideias. “Direita? Esquerda? Socialismo? Liberalismo? Nada disso. Sou apenas moderno. Sou superior a essas disputas comezinhas. Todos os lados são sujos.” É o que dizem. Mas o lado mais alternativo, o da dita “direita”, é sempre o pior, e contra ele as tintas são mais exageradas. É exatamente o caso da coluna de Arnaldo Bloch em O Globo, publicada no último dia 10 de outubro, com o título Por que Cunha não cai.  

Bloch se pôs a comentar, naturalmente, as acusações que pesam sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sua participação na corrupção da Petrobras apontada por alguns delatores da Lava Jato e seus US$ 2,4 milhões em contas secretas na Suíça. É inegável que a pressão sobre o peemedebista aumenta e que a situação dele fica cada vez mais difícil. Contudo, tal como boa parte da imprensa, o colunista de O Globo parece achar que a situação de Cunha merece mais destaque, a ponto de ocupar o título da coluna, do que os R$ 2,3 TRILHÕES que desapareceram dos orçamentos, conforme aponta o TCU, sob a gestão de Dilma Rousseff e do PT. Desnecessário apontar a diferença de ordem de grandeza entre esses números. Desnecessário dizer, também, que corrupção é corrupção, crime é crime, e todos devem ser punidos, de acordo com a Justiça. Não protegeremos bandidos.

O jornalista até reconhece isso. Ao final de sua longa reclamação contra a permanência de Cunha no cargo que ora ocupa, reclamação essa travestida de um quê de pseudo-intelectualismo poético, ele admite que tanto a revelação das contas na Suíça quanto a rejeição das contas de Dilma pelo TCU são eventos “meritórios”, que, no entanto, resultam de “uma guerra que se trava, em primeiro lugar, em nome de interesses pessoais, de grupos de pressão, de partidos, de empresas, de corporações, e, em último lugar, da sociedade, do povo, do Brasil”. Ora, que não nos iludimos com a cena política nacional, é ponto pacífico. A crise de representatividade é notória, e as barganhas nefastas que transformaram a permanência de DILMA no poder em único assunto de real interesse do governo neste momento, acima das preocupações do Brasil, são prova inequívoca disso.

No entanto, Bloch só repete essa obviedade para construir a imagem que apontamos ao começo: a de um analista isento, flutuando acima das impurezas e da sujeira desse infame mundo de selvagens que se trucidam nos plenários e bancadas da vida. Meu problema não é com o fato de o colunista adotar um viés, uma linha de pensamento; é exatamente o que faço, e não vejo problema algum nisso. Todas as correntes de idéias podem ter seus representantes no debate público, no espaço jornalístico destinado às colunas e reflexões; meu desdém é para com o tom de superioridade e de “neutralidade” fingida, de imparcialidade sacrossanta a pairar sobre os meros mortais.

Essa “neutralidade” não resiste à quantidade imensa de linhas destinadas a atacar apenas Cunha e a oposição, poupando de maiores condenações o governo mais destrutivo que a Nova República já conheceu, em seu voraz apetite por aparelhar o Estado, sugar a vitalidade da economia e desgraçar a atmosfera moral e cultural do país. Os trilhões, os bilhões, a rejeição histórica pelo TCU, não mereceram da parte de Bloch mais do que algumas linhas.  No entanto, ele achou espaço suficiente para abordar o absurdo de terem alçado “uma das figuras mais nefastas da história da República ao posto de presidente daquela casa” (a Câmara). Para dizer que Cunha não cai porque é “peixe grande, cão de caça”; que “patrocina os interesses de um poderoso exército que conduz a pauta mais retrógrada do país, e arrebanha para suas fileiras todos os que desejam um Brasil truculento, rico em retrocesso”; que sua bandeira é, entre outras coisas, a da “homofobia” e a da “bala”, e sua permanência interessa à “bancada do atraso, dos valores pétreos, da traição à pátria, da família à 1964”, mas também à oposição e ao governo, que disputam sua conivência imediata. Menciona o segundo – o governo -, mas dá total destaque, é claro, à primeira, a oposição, que estaria tentando sugar o impeachment de Cunha e por isso retardaria sua queda para tomar, primeiro, o Planalto.

É difícil ler estas linhas sem enojar-se com a óbvia tentativa de pontificar que os defensores, por exemplo, do porte de armas e de “retrocessos” como a redução da maioridade penal, bandeira apoiada pela maioria retumbante da população, e os que acreditam em “valores pétreos” – qual o problema? Bloch prefere valores flácidos e mutantes, moldados às circunstâncias como massinhas de modelar? – são culpados pela continuidade de Cunha. Mais do que isso, se poderia deduzir daí que são diretamente responsáveis pela sua existência política e, indiretamente, pela corrupção na Petrobras (!!). O grande mal do Brasil, sua face mais imunda, não é o lulopetismo, com a degradação aberrante que provocou no cenário nacional; não! Continua sendo a irritante, a incômoda, a poderosa e inconveniente “direita golpista de 1964”!

O senhor Bloch deve se lembrar de que o PMDB de Cunha faz parte da base aliada do governo. Deve se lembrar de que o esquema de corrupção construído e encastelado na Petrobrás e nas demais estatais não é obra da “direita de 1964”, nem é obra de liberais, libertários ou conservadores – que nada têm que ver com a política prática no Brasil há muito tempo, e agora é que voltam a assumir relevo no cenário ideológico. É obra do PT e de seus aliados. Se Cunha toma parte nisso, ele é nada mais que um filhote, uma minúscula célula de um esquema muito maior do que ele. Se estamos hoje falando sobre a possibilidade de Cunha cair ou não – o que o próprio Bloch admite que se deve dar dentro de um regimento, dentro das normas, e portanto não houve ainda condições que o forçassem a essa saída -, é porque ele, ainda que por interesse, se insurgiu contra o governo e se tornou uma pedra no sapato de Dilma Rousseff. Do contrário, o exército vermelho e suas linhas auxiliares (PSOL, PCdoB e quejandos) não estariam promovendo campanha tão acerba pela sua queda. Os mesmos, é claro, que dizem que, mesmo com todos os dados à disposição, Dilma não deve cair, e que, no desespero da escassez de argumentos, alegam que, se ela cair, assumirá Temer, e não se ganhará nada.

Prezados, vocês elegeram Temer! Vocês elegeram o PT, e com isso alimentaram o PMDB que tanto dizem odiar! Entendam isso de uma vez por todas e parem de lançar a sujeira para o outro lado. Cresçam e assumam a responsabilidade! Nem a inexistente “direita de 1964”, nem a direita de Edmund Burke, Hayek, Thatcher ou Reagan, a de um Carlos Lacerda, o pensamento liberal e conservador de um José Bonifácio, um Visconde de Cairu, um Joaquim Nabuco ou um Visconde do Uruguai, têm qualquer coisa a ver com Eduardo Cunha. Vocês têm! Nós agora procuramos, sim, fazer uso dos instrumentos à disposição para eliminar o mal maior.

Eduardo Cunha é o presidente da Câmara. O impeachment é necessário, é urgente. Então, é por ele que a reivindicação deve passar. Censurar o senso de prioridades e de proporções de uma oposição que prefere salvar o país do desastre chamado Dilma Rousseff a forçar os trâmites institucionais para derrubar um deputado suspeito é perder o senso do ridículo. Pois eu não me envergonho. Não sou advogado de Eduardo Cunha, e se for culpado, quero mais que seja punido. Mas, se for para ser, que leve a presidente com ele primeiro, sim!

 

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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