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Os Atenienses da América e o Pai da nação

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Jose-BonifacioNa tentativa de avaliar um contexto de caos e convulsão social em um país como o nosso, de descortinar suas origens e buscar um remédio para as graves doenças sócio-culturais que o acometem, poucos recorrem a um raciocínio verdadeiramente estrutural. A visão vulgar e limitada prefere abordagens estritamente conjunturais. Pode ser muito útil, diante dos momentos definidores que o Brasil vive hoje, retornar ao seu passado e rememorar as tribulações que nos trouxeram até aqui, os elementos que gestaram nossa cultura e nossas formas de organização. Ao fazer isso, podemos descobrir não apenas explicações, mas também apontamentos práticos e referenciais que nos podem colocar no caminho das soluções.

A amplitude desse trabalho, deixamos aos antropólogos e sociólogos – evidentemente, aqueles que compreendem a importância de suas funções, em vez de se locupletarem em posições cômodas a pregar sandices enviesadas e de interesse mal disfarçado.  Aqui, limitamo-nos a colocar os holofotes sobre um gigante da história brasileira, conhecido como “Patriarca da Independência” – e que, por suas articulações no evento fundante da nação e por sua tentativa de esboçar um pensamento amplo sobre a identidade e o destino do Brasil, poderia ser visto como nosso “pai-fundador”, à semelhança dos founding fathers nos EUA -, José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838).

Você já deve ter ouvido falar dele nas aulas de História dos tempos de colégio, provavelmente como um sujeito não muito elogiável. Essa leitura parcial dos eventos históricos – criminosa e engenhosamente orientada, diga-se de passagem – leva a uma perda substancial no conhecimento de biografias muito ricas, que podem lançar luzes sobre grandes tragédias nacionais.

É verdade que o Brasil apresentou, a despeito de não ter sido berço de regimes totalitários nos exatos moldes dos fascismos europeus e das ditaduras comunistas pelo mundo (ainda que tentativas não tenham faltado e não faltem hoje), uma sequência de tristes opções por um viés estatizante e excessivamente centralizador de poder, bem como um apelo imaturo e precipitado a bruscas mudanças . Mas nem sempre foi assim, ou ao menos houve época em que tivemos saudáveis “respiros” nesse cenário.

Leandro Narloch, em seu Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, nos remete ao tempo da monarquia constitucional brasileira – e aqui não vai nenhum julgamento acerca do melhor sistema, se é ela ou a República. O fato é que este imenso colosso recém-promovido a nação independente evitou em boa medida as guerras civis, assassinatos e rivalidades de caudilhos que passaram a tomar a América Espanhola naquele período, uma vez que prevaleceu a visão de certas elites políticas com inspiração liberal-conservadora. Afirma Narloch:

”Entre 1822 e 1831, todos os ministros brasileiros que tinham educação superior haviam estudado em Portugal – 72 % deles em Coimbra. (…) O iluminismo propagado em Coimbra era mais comedido e cauteloso. Os estudantes liam Adam Smith, o pai do liberalismo econômico, e Edmund Burke, o pai do conservadorismo britânico – dois autores que foram traduzidos para o português por José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu. (…) A maioria dos políticos tanto era contra o Antigo Regime (em que o rei tinha poder absoluto nas decisões), mas ninguém defendia revoluções que cortassem a cabeça dos padres e dos reis e resultassem em caos da economia e terror entre os cidadãos. (…) No meio do caminho entre as reformas e a necessidade de manter a tradição, esses políticos são chamados hoje de liberais-conservadores.”

A despeito de receber influência direta dos chamados iluministas franceses (entre os quais vários tinham tendências mais revolucionárias), muitos dos pensamentos de José Bonifácio indicam essa mesma preocupação com a prudência e moderação nas mudanças, bem como apontamentos interessantíssimos no sentido da defesa dos benefícios de uma ordem liberal e constitucional. Nas ideias desse mineralogista extremamente erudito, elencadas na compilação de textos e aforismos “Projetos para o Brasil” (feita por Miriam Dolhnikoff), vemos uma proposta avançada e curiosa, que nossos professores de História não quiseram nos apresentar – se é que a conheciam.

Alguns podem torcer o nariz para suas intenções de centralização nacional, interessado que era em fazer da América Portuguesa um país único e gigante por ver nisso um reforço de relevância e autoridade. Haverá, é claro, também os anarco-liberais, que julgam qualquer Estado um abuso. Respeitosamente, não entraremos nesta seara. Selecionamos, isto sim, algumas passagens que provavelmente encantarão a todos.

Bonifácio, por exemplo, já em 1822 – quando assumia como imperadorD.Pedro I, que viria a boicotar muitas das aspirações do nosso patriarca com suas disposições menos democráticas -, defendia a abolição da escravatura, a qual via como desumana e mancha vil na sociedade brasileira.

Entendia Bonifácio ser o direito de propriedade, como de fato é, fundamental. Diante, porém, do uso equivocado desseentendimento por parte dos paladinos do escravismo, pontuou certeiramente:

”Se a lei deve defender a propriedade, muito mais deve defender a liberdade pessoal dos homens, que não pode ser propriedade de ninguém, sem atacar os direitos da providência, que fez os homens livres, e não escravos.”

Ao contrário mesmo de alguns dos grandes fundadores da pátria americana, o “founding father” brasileiro compreendia na pluralidade étnica local algo positivo, e defendia a ampla miscigenação, subsequente à promoção dos negros escravos à condição de cidadãos.

Seguramente uma das passagens mais interessantes de sua célebre Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura é o parágrafo em que Bonifácio associa uma percepção liberal da importância do interesse no trabalho –desejável e inerente às relações no capitalismo – a preocupações curiosamente ambientalistas. Com isso,ficam desmontadas as espúrias associações imperiosas, comumente feitas pela esquerda mais mequetrefe, dos liberais e conservadores-liberais ao desprezo destrutivo e irracional pela natureza.

“Se os senhores de terras não tivessem uma multidão demasiada de escravos, eles mesmos aproveitariam terras já abertas e livres de matos, que hoje jazem abandonadas como maninhas. Nossas matas preciosas em madeiras de construção civil e náutica não seriam destruídas pelo machado assassino do negro, e pelas chamas devastadoras da ignorância. (…) É, pois, evidente que, se a agricultura se fizer com os braços livres dos pequenos proprietários, ou por jornaleiros, por necessidade e interesse serão aproveitadas essas terras, mormente nas vizinhanças das grandes povoações, onde se acha sempre um mercado certo, pronto e proveitoso, e deste modo se conservarão, como herança sagrada para nossa posteridade, as antigas matas virgens, que pela sua vastidão e frondosidade caracterizam o nosso belo país.”

Lembremo-nos das insofismáveis estatísticas.  Quais, de fato, mais agrediram o meio-ambiente: os países capitalistas, onde se devem considerar inegociáveis o conceito de propriedade privada e o saudável interesse pessoal – evidentemente, ao lado da instrução e educação, também elemento profundamente valorizado e estimulado por Bonifácio –, ou os regimes comunistas, que por vezes provocaram devastações com o simples objetivo de engrandecerem a imagem da opulência estatal?

Já sabia muito bem Bonifácio que “sem liberdade individual não pode haver civilização nem sólida riqueza.” Sabia ele que, para uma ordem social se conservar, mais vale, em relação às leis, decretos e normas, “diminuí-las que aumentá-las”. Valorizava profundamente a liberdade de imprensa, a diminuição de impostos, a “liberdade pessoal sagrada”, e a meritocracia – bem como recomendava “igualdade de justiça e superioridade de merecimento”.

Parece o “monstro tirânico e elitista” ou o “reacionário insignificante” pintado em muitas classes de História? Diante de um José Bonifácio, sem negligenciar as enriquecedoras contribuições estrangeiras, retomamos: aqui mesmo, nas pegadas mais antigas deixadas em nossa história ainda relativamente jovem, temos nomes e exemplos que nos podem ajudar a iluminar o caminho nesta escuridão tempestuosa.

Em seu pequeno comentário intitulado Caráter geral dos brasileiros, ecoando seu desejo de que o Brasil se notabilizasse como uma nação rica em conhecimento e filosofia, Bonifácio conclui dizendo que nossos compatriotas “empreendem muito, acabam pouco. Sendo os atenienses da América, se não forem comprimidos e tiranizados pelo despotismo.” O vaticínio até agradável somente se cumprirá se vencermos justamente essa batalha contra os anseios de grupos que não enxergam tão bem – ou não querem enxergar –a importância de garantir ao indivíduo suas liberdades e sua consequente dignidade.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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