Alguns atentados aos direitos individuais
MARIO GUERREIRO *
No domingo, 11/12/2011, assisti no Fantástico da TV Globo a uma reportagem que me deixou perplexo e indignado.
A Justiça italiana retirou a guarda de um filho legítimo de um casal de idosos sob a alegação de que ele não tinha condições para criá-lo.
Não que a criança tivesse sofrido maus tratos de seus pais, abusos sexuais ou coisas semelhantes, mas simplesmente por causa de sua idade.
Pode-se inferir, a contrario sensu, que somente um casal jovem poderá ter condições para criar um filho legítimo e/ou adotado.
Isto é um verdadeiro absurdo, uma decisão que é de se esperar que seja revogada por uma instância superior, uma vez que fere gravemente o direito dos pais de criar seus filhos, independentemente de coisas tais como idade avançada.
Que inconveniente pode ser encontrado nisto? Por mais que mobilize minha imaginação, não consigo vislumbrá-lo. Mas consigo vislumbrar facilmente vantagens, considerando que o pai e a mãe da criança podiam muito bem ser avôs da mesma.
E como sabemos, os avôs costumam ser muito mais carinhosos e compreensivos com seus netinhos. Às vezes, até exageram a dose sendo complacentes com suas travessuras. Como diz o famoso dito: “Avó é mãe duas vezes”
E como diz o antigo provérbio chinês: “Quando as avós entram pela porta a disciplina das crianças sai pela janela”.
Mas essa desastrosa decisão judicial está longe de ser um fato isolado nestes tempos do politicamente correto e da imbecilização do ser humano.
Recentemente foi votada uma lei no Brasil, de acordo com a qual os pais não podem dar mais palmadas na bunda, beliscões, puxões de orelha e coisas semelhantes nos seus filhos.
Mas quem faz a denúncia de possíveis infrações da lei? Os vizinhos? Ora, estes podem fazer falsas denúncias por quaisquer desafetos que tenham em relação aos pais da criança.
As próprias crianças? Ah! Às vezes elas se tornam vingativas quando seus pais não satisfazem seus caprichosos desejos… E não contando com testemunhas oculares, como decidir dispondo apenas da palavra do acusador e do acusado?
E qual a penalidade aplicada? Uma bronca do delegado ou do juiz ou uns beliscões nas orelhas dos pais, para que eles vejam o que é bom pra tosse?
Ninguém, em sã consciência, defenderia a aplicação de castigos severos às crianças, coisas capazes de produzir lesões corporais, como surras com vara de marmelo, pauladas, chicotadas, palmatórias, ajoelhamentos no milho, queimaduras, etc.
Mas palmada na bunda é como saudade amorosa: uma dor que dói, mas não machuca. O sofrimento moral é muito mais intenso e duradouro do que a passageira dor física que deixa apenas as nádegas avermelhadas.
Além disso, palmadas, beliscões e puxões de orelha exercem um importante papel moral e educativo, gerando benéficos efeitos na vida adulta.
Há muito mau caráter que talvez não tivesse se tornado o que é, se tivesse levado alguns beliscões, puxões de orelha e palmadas na bunda quando era criança.
E será que o Congresso não tinha nada de mais relevante a fazer para o País do que intervir na vida privada dos cidadãos?
Tanto a educação informal – a que é dada na esfera privada do lar – como a educação formal – a das escolas, colégios e universidades – precisam adotar o binômio punição / recompensa, inibindo e incentivando atitudes respectivamente negativas ou positivas.
Além disso, ambas as formas de educação devem se inspirar na axiologia jurídica em que é levada em consideração a maior ou menor gravidade dos bens e valores aviltados correspondendo a maior ou menor gravidade das punições aplicadas.
Muitos pais não seguem corretamente essa orientação: aplicam punições severas a pequenas transgressões e punições leves a graves transgressões, isto quando não punem o que deve ser punido e não recompensam o que deve ser recompensado. E o quase inevitável resultado é um adulto com valores invertidos.
E o que é pior: não bastasse essa péssima educação que os pais geralmente dão aos seus filhos, a maioria dos países possui um Estado deseducador fazendo leis em franco desrespeito aos direitos individuais e intervindo na privacidade dos lares com medidas paternalistas e autoritárias.
Recentemente foi aprovada no Senado, a absurda lei da tolerância zero ao álcool em motoristas. Quem por acaso tiver comido um bombom recheado de licor ou tiver tomado um xarope para tosse com álcool na composição corre o risco de ser enquadrado.
A referida lei estabelece detenção de 6 meses até 3 anos para quem conduzir veículo com um grau etílico diferente de zero, multa e suspensão do direito de dirigir.
Não se pode negar que aquele que dirige seu carro embriagado tem seus reflexos prejudicados e assume o risco de provocar graves acidentes e atropelamentos com possíveis mortes em ambos os casos.
Não se pode negar que o número de acidentes e atropelamentos tem aumentado assustadoramente em todo o Brasil e está exigindo medidas preventivas – programas de educação de motoristas e pedestres – como também punições mais severas para os transgressores.
A lei votada pelo Senado prevê pena de 1 a 4 anos para quem provocar lesões corporais leves, 3 a 8 anos para lesões corporais graves, 6 a 12 anos para lesões corporais gravíssimas e 8 a 16 anos no caso de morte.
Não obstante isso, um copo de cerveja ou uma taça de vinho dificilmente provocam a perda de reflexos. E, além disso, muitos dos acidentes e atropelamentos são provocados por excesso de velocidade e imprudência de motoristas com grau zero de álcool no sangue.
Mais freqüente do que a má conservação e sinalização de ruas e rodovias, mais freqüente do que o teor de grau etílico no sangue dos motoristas, a alta velocidade e a imprudência de motoristas são as verdadeiras causas dessa tragédia que se transformou o trânsito.
Mas nossos legisladores carecem de bom senso e moderação. Raramente criam leis levando em consideração a máxima aristotélica de que a virtude está no meio-termo. Por exemplo: a coragem é o meio-termo entre a covardia (falta de coragem) e a temeridade (excesso de coragem).
Parecem padecer de distúrbio bipolar: é oito ou oitenta! Deixam correrem soltas as piores condutas dos cidadãos ou criam leis draconianas, que são geradas apenas para apresentar serviço e persuadir incautos eleitores, destinadas que estão a não sair do papel. E enquanto isso, a corrupção rola solta no governo…
Como dizem os alemães: Papier ist geduldig (O papel é paciente). Por quê? Ora, ele aceita tudo e não reclama de nada…
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* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.
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