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Ainda sobre a Portuguesa. Ou: vamos rasgar os contratos?

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Meu colega Bernardo Santoro escreveu, nesta terça-feira, uma réplica ao meu comentário da última sexta-feira, acerca do imbróglio envolvendo a perda de pontos pela Portuguesa de Desportos e o seu conseqüente rebaixamento para a segunda divisão, no lugar do Fluminense.  Ainda que me sinta pouco habilitado para responder ao brilhante jurista, especialmente porque esta não é a minha seara, arrisco aqui mais alguns comentários, principalmente tentando situar o caso no âmbito da doutrina liberal.

Em primeiro lugar, embora eu tenha feito referência ao “rule of Law” em meu comentário original, a fim de marcar a primazia do respeito às regras sobre a vontade e/ou subjetividade dos julgadores e das partes interessadas, não acho que uma analogia com o direito penal seja uma boa analogia.  O caso em tela trata de aplicação de penalidade por descumprimento de contrato.  Sim, o regulamento da competição, devidamente assinado por todos os clubes, antes de seu início, nada mais é do que um contrato privado entre todas as partes e a CBF, cujo conteúdo dispõe sobre as regras a serem seguidas e respeitadas por todos, contemplando direitos e obrigações dos signatários.

Se a penalidade imposta à Lusa e ao Flamengo é ou não severa demais, isso deveria ter sido discutido antes da aceitação do regulamento pelos clubes.  A pena em tela não tem o objetivo de recompor o “status quo ante”, até porque é aplicável mesmo que o infrator perca a partida e não lucre nada com o “delito”.  A perda de três pontos, qualquer que seja o resultado do jogo, serve para coibir o “delito”, não para restituir um eventual dano causado – note-se que, embora o infrator perca os pontos da partida, o seu adversário não ganha nada.  E, cá entre nós, parece que ela cumpre o seu objetivo, uma vez que, durante todo o campeonato, só houve os casos da Portuguesa e do Flamengo, ambos, coincidentemente, na última rodada.

Agora, falemos de contratos: para os liberais, o contrato assinado de forma livre e voluntária é quase sagrado.  Não por acaso, de acordo com a doutrina liberal clássica, uma das razões para a existência do Estado é justamente fazer valer os contratos (“enforcement of contracts”).  Um velho ditado liberal diz que “o combinado não é caro nem barato”.  É claro que podem haver situações em que o cumprimento do pactuado se torna impossível por razões que fogem à vontade das partes, isentando o infrator das respectivas penalidades.  São os casos de “força maior” e “fato do príncipe”, este último aplicado principalmente a contratos administrativos.  Salvo melhor juízo, não é habitual falar-se de dano ou culpa quando se trata de execução de contratos.

No caso em questão, a alegação de força maior seria totalmente imprópria, já que não se tem notícia de quaisquer circunstâncias ou fatos extraordinários que tivessem impedido o clube paulista de cumprir o regulamento.  O Bernardo alega que a falta de publicidade dos fatos pela CBF poderia caracterizar co-culpabilidade, denotando, com alguma boa vontade, um “fato do príncipe”.  O problema deste argumento é que o regulamento e os códigos disciplinares da CBF são claros ao afirmar que a responsabilidade pela gerência e execução das penalidades disciplinares dos atletas é exclusiva dos clubes.

Finalmente, gostaria de comentar o último parágrafo do texto do Bernardo, abaixo transcrito:

Por fim, não custa lembrar, o homem virtuoso se revela no momento em que se pode escolher entre a virtude e o vício, entre a justiça e a injustiça. Se a única escolha disponível for a virtude, não há valor nessa escolha. Pela terceira vez em menos de vinte anos, o Fluminense pode escolher entre a virtude e o vício. Em todas as vezes, a escolha não foi feliz, o que não condiz com a propalada grandeza do clube.

Não pretendo discutir aqui os fatos pretéritos que estigmatizaram o clube das laranjeiras e o transformaram no “Rei do Tapetão”.  Mas, neste caso particular, já que estamos falando de escolhas, qual era a alternativa?  O clube tricolor agiu para estar nesta situação ou só faz parte de todo esse imbróglio porque fortuitamente terminou o torneio na 16ª posição (a primeira na zona do rebaixamento)?  O que deveria aquele clube fazer para tornar-se virtuoso, meu caro Bernardo?  Exigir jogar a segunda divisão em 2014, rasgando a regra e o regulamento que ele mesmo assinou?  Impedir que o procurador apresentasse a denúncia ao tribunal? A mim parece óbvio que o Fluminense não escolheu nada.  É beneficiário ou vítima, dependendo da interpretação de cada um, de fatos e circunstâncias absolutamente alheios à sua vontade.

Eu posso entender a revolta popular, movida pela paixão dos torcedores rivais, especialmente em vista do passado cheio de “tapetões” do tricolor.  Mas os juízes, ainda que num tribunal privado, como o STJD, não podem e não devem pautar suas decisões em função do clamor popular.  Esse é o caminho mais curto para a injustiça.

A propósito: o time do Criciúma terminou a competição com o mesmo número de pontos do Fluminense, ficando uma colocação acima em virtude do número de vitórias obtidas.  Será que estaríamos aqui discutindo esse assunto se, no lugar do tricolor, como candidato a beneficiário direto da lambança do clube paulista, estivesse o pequeno Criciúma?  Não creio.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

Um comentário em “Ainda sobre a Portuguesa. Ou: vamos rasgar os contratos?

  • Bernardo Santoro
    18/12/2013 em 12:19 pm
    Permalink

    Meu caro, como Presidente do Fluminense, eu teria me posicionado contra a punição e feito pressão política contra a decisão. A Portuguesa foi claramente atropelada no processo, e mesmo com caráter coibitivo, a pena excede em muito qualquer critério de razoabilidade, é está dentro do âmbito de competência de um órgão judiciário corrigir distorções. Por isso existe julgamento, e não mera aplicação de pena.

    Abraço!

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