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Afinal de contas, quem é a Zelite?

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MARIO GUERREIRO *

Quem é este ser misterioso? Parece um nome de mulher, filha de Zelão e Afrodite. Mas n’é não. Parece nome de uma antiga marca de televisão. Mas a marca não era Zelite e sim Zenith, e a grafia desta palavra em bom português é “zênite”.

Porém, não se trata de um nome de uma mulher. Zênite é um termo da Astronomia: o ponto em que a vertical de um lugar corta a esfera celeste acima do horizonte. E ainda não fui apresentado a nenhuma mulher com esse nome…

Em Astronomia, o ponto diametralmente oposto ao zênite é o nadir. Por incrível que pareça, esse era o nome de uma vizinha minha: a feiosa e linguaruda dona Nadir.

Mas quem é a Zelite? Bem, esta foi uma expressão criada pelo Elio Gaspari para reproduzir graficamente “as elite” – com erro de concordância nominal mesmo – conforme saía da boca de Lulla eivada de conotações fortemente pejorativas – uma failure-word, de acordo com o filósofo Gilbert Ryle.

E, como se sabe, a concordância gramatical passou a ser mera questão de opção, segundo a prof.a Eluiza Rrámus, autora da cartilha do MEC Por Um Mundo Melhor (título este sem nenhuma alusão irônica da parte da autora).

Isso, por si só, já era um rematado contrassenso, uma vez que, ao vituperar contra “as elite”, Lulla não se dava conta de que ele mesmo saiu de uma: a dos metalúrgicos do ABC – elite do proletariado brasileiro – para entrar noutra: a elite política brasileira.

Lulla nunca soube o que estava dizendo e seus eleitores nunca souberam em quem estavam votando…

E embora ele já tenha se aburguesado há muito tempo, ainda há milhões de brasileiros que o tomam como um simples operário. É o mito marxista do burguês depravado e corrupto contrastando com o proletário puro e honesto.

No entanto, se ele errou na concordância gramatical, acertou em cheio – porém sem querer – ao usar o termo no plural, pois não há uma só elite, porém vários tipos de elite na sociedade.

A palavra “elite” é um galicismo adotado por várias línguas. Em francês “élite” vem de um particípio passado arcaico do verbo “élire”: escolher, significando portanto: escolhido. Mas essa palavra não diz “escolhido por quem?”, “dentre quais?”, ”por que critério?”

E justamente por não dizer essas coisas, permite que usemos o termo no plural; tudo dependendo de quem escolheu, entre quais escolheu e por quais critérios.

Pode ser o caso de um escolhido por Deus para realizar uma missão, como foi o caso de Moisés escolhido para conduzir seu povo à Terra Prometida ou, com a morte do líder religioso, o de Josué, para entrar na Terra Prometida.

Permitam-me uma digressão para contar uma estorinha que não sei se é um relato histórico ou uma anedota, mas se non è vera, è molto ben’ trovata:

Numa reunião na ONU, o representante de Israel iniciou sua fala dizendo: “Antes de dizer o que tenho para dizer, gostaria de fazer uma revelação. Quando tocou com seu cajado numa rocha e saiu água pura e cristalina, Moisés aproveitou para tomar um banho. Após o banho, quando foi vestir sua roupa, verificou que ela tinha sido roubada por um palestino…”.

A essa altura, o representante da Autoridade Palestina interrompeu para protestar: “Isto é um absurdo! Naquele tempo, não havia palestinos naquele lugar!”

E o representante de Israel então completou: “O representante da Autoridade Palestina acabou de reconhecer quem chegou primeiro naquele lugar”.

Voltando à vaca fria… Mas os escolhidos não são tão-somente os predestinados eleitos por Deus. Podem ser os eleitos, os escolhidos pelo eleitorado para este ou aquele cargo eletivo.

A diferença entre ambos é bastante simples: os eleitos (escolhidos) por Deus são necessariamente os melhores – uma vez que é da natureza divina sempre escolher os melhores – mas os escolhidos (eleitos) pelo povo não são necessariamente os melhores; quando muito os que o povo julga que sejam.

Deus não pode se enganar, mas o povo frequentemente se engana, e redondamente. E a maior prova disto que afirmo é o povo ter errado e reincidido no erro ao eleger e reeleger Lulla e ainda por cima eleger, como governanta da casa, uma medíocre burocrata indicada por ele.

Errar é humano, mas repetir duas vezes o mesmo erro é burrice ou ignorância, talvez ambas.

Todavia, além de uma elite religiosa e uma elite política, há também uma econômica – não necessariamente identificada com a política – uma intelectual, uma artística, uma empresarial, uma científica, uma tecnológica, uma militar, etc.

Em síntese, a elite é o que também é chamado de la crème de la crème (o creme do creme), os melhores dos melhores, independentemente de seu setor de atuação em partidos políticos, áreas empresariais ou mesmo em times de futebol, como o Barcelona e o Milan.

Cabe até falar numa elite do proletariado. Ao menos era assim que Lênin considerava os membros componentes do Comitê Central do Partido Comunista da URSS, embora a maioria dos membros do referido Comitê não pertencesse à classe proletária, a começar pelo próprio Vladimir Ílitch Uliánov, nome de guerra: Lênin, membro da burguesia e bacharel em Direito pela Universidade de Kazan.

Mas assim como no Brasil d’antanho, com seu “racismo cordial”, quando um negro se destacava por seus méritos ou sua educação costumava ser chamado de “negro de alma branca”, Lênin era um “burguês de alma proletária”, como Tarso Genro e sua filha Luciana, como Eduardo Suplicy e sua ex-esposa Martaxa Suplício Em Si e muitos outros nesta Terra Brasilis, a Bruzundanga de Lima Barreto.

Apesar do tom galhofeiro, estou falando sério. O epíteto conferido a Lênin está baseado na distinção feita por um famoso filósofo marxista, ele mesmo filho de um rico banqueiro húngaro: Georgy Lukács.

Para resolver essa aparente incongruência em que advogados burgueses e filhos de banqueiros eram fervorosos militantes das hostes marxistas, Lukács afirmou o seguinte:

Uma coisa é a “situação de classe”- um indivíduo não escolhe nascer em nenhuma classe social, muito menos na burguesia. Outra coisa, e bem diferente, a “consciência de classe” – mesmo tendo nascido burguês, um indivíduo pode assumir a posição ideológica da classe proletária.

Embora o filósofo marxista húngaro parecesse estar argumentando em causa própria, para justificar como o filho de um rico banqueiro poderia estar apoiando a revolução do proletariado, ele não deixava de ter inteiramente razão.

País, lugar e hora de nascimento são coisas que ninguém escolhe, mas ideologia é fruto de uma escolha individual ou de contaminação social contando com a ausência de senso crítico do contaminado ou massificado.

No Brasil, já tivemos e ainda temos exemplos de gente muito rica apoiando revolução comunista. Uns fazendo isso por pura beocidade ou modismo, mas outros por puro oportunismo. Como se explica?

Com a possível vitória da revolução, eles ambicionavam pertencer a outra elite: a dos privilegiados da Nomenklatura, como os porcos Napoleon e Snowball na excelente sátira de George Orwell: Animal Farm (A Fazenda dos Animais).

As atuais elites governante e empresarial da Rússia são compostas, em sua maioria, de ex-membros da KGB desmobilizada por Bóris Yéltsin, a começar pelo ex-chefe da mesma Vladimir Pútin, que mais parecia Raspútin, e seu sucessor e fiel seguidor Andrei Medvdev.

Os poucos não-desmemoriados desta Ilha dos Lestrigônios – na Odisséia de Homero, uma ilha que produzia a amnésia nos que iam para ela e comiam raízes de lótus – devem estar lembrados de um Governador de um Estado do Nordeste – riquíssimo usineiro cassado pela Revolução de 1964.

Após 1985, com a anistia supostamente “ampla, geral e irrestrita”, ele retornou ao Brasil e fundou um partido político, aceitando a “democracia burguesa” como um meio para acabar com a mesma, seguindo a doutrina de Antonio Gramsci, o grande guru dos marxistas pós-modernos.

Retornando ao busílis da questão: Quem escolhe os eleitos (escolhidos)? Como vimos, pode ser Deus, podem ser os eleitores, pode ser o Presidente da República – a quem cabe nomear seus ministros – podem ser concursos públicos para uma série de cargos no funcionalismo.

[É uma pena que políticos, diferentemente de juízes e promotores, não sejam escolhidos por concurso público. Não é democrático? Como não?! Nada mais democrático do que um concurso aberto a todos os cidadãos, independentemente de classe social, raça, religião, etc].

E assim como há vários tipos de elite, há também vários critérios para se pertencer a um deles: eleição, nomeação, concurso no que se refere à esfera pública. No que diz respeito à esfera privada, o critério é a escolha do empregador e esta costuma estar baseada na necessidade da empresa, competência, eficiência, dedicação do empregado ao trabalho, etc.

Apesar de existirem vários tipos de elite, cada qual com suas peculiares feições, nada impede que um indivíduo pertença a mais de um desses tipos. Ele pode pertencer à elite política e, ao mesmo tempo, à elite econômica – coisa bastante freqüente, mas não necessária.

Ele pode pertencer à elite intelectual e à elite política – coisa comum nos saudosos tempos de Joaquim Nabuco, Visconde de Cairu, Barão do Rio Branco e outras ilustres figuras do império.

Coisa menos freqüente na Velha República e quase inexistente na Novíssima República de 1988 em que há uma elite política simplesmente porque há um grupo de homens no Poder.

O termo elite perdeu totalmente seu sentido valorativo, restando apenas o descritivo.

Qual a diferença entre esses dois sentidos? Vou dar meu exemplo preferido: conta-se que Tchaikowsky, ao assistir pela primeira vez um drama musical (Wort-Ton Drama) de Wagner, exclamou furioso: “Isto não é música!”

Se ele estivesse pretendendo se expressar num sentido descritivo, teria emitido uma proposição gritantemente falsa, uma vez que “música” é “uma sucessão de frequências sonoras audíveis, contendo altura, duração, timbre e intensidade, e organizadas por um sistema harmônico”.

E tudo isto está presente tanto num drama musical wagneriano como num despretensioso sambinha de botequim.

Mas ele pretendia obviamente um sentido valorativo, ele queria dizer: “Isso não é (boa) música” ou “Isto não é música (que preste)”. Neste outro sentido, ele estaria dizendo uma verdade, ao menos para os admiradores de Johannes Brahms na época, que detestavam a música wagneriana.

Adotando o modo de expressão de Tchaikowsky, poder-se-ia dizer dos homens que estão atualmente no Poder: “Isso não é elite (que preste)!”.

Todavia, excelentes ou lamentáveis, todo país tem suas elites e não poderia deixar de tê-las, assim como não poderia deixar de ter líderes e liderados. Não se trata de uma questão de opção, mas sim de uma exigência da organização sociopolítica, qualquer que seja ela.

Além disso, é muito importante não esquecer que os membros de uma elite são aqueles que, dentre seu grupo específico, destacam-se por seus talentos e méritos pessoais, de acordo com a meritocracia, ou são escolhidos pelo voto de quem os julga possuidores de tais coisas.

É conhecida a declaração de Lulla logo após sua primeira eleição: “Não fui eleito Presidente por meus méritos ou como resultado da minha inteligência.”

Esta é uma evidência de que o status de pertença a uma elite tem um caráter comparativo e relativo. Na terra dos cegos quem tem um olho é rei, na terra dos analfabetos quem leu apenas um livro pertence à elite intelectual.

 

* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.

 

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