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A tragédia do ultra-garantismo penal brasileiro

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BERNARDO SANTORO*

Diz o ditado popular que “a esperança é a última que morre”. Quem inventou essa frase não conhecia o direito processual penal brasileiro. A última coisa que morre no Brasil não é a esperança, é um processo penal. É mais fácil um zumbi morrer do que um processo penal brasileiro, especialmente se você for rico.

Um professor de direito penal uma vez me disse: “Bernardo, o melhor advogado penalista é aquele que consegue enrolar o trânsito em julgado de um processo até a pena prescrever“. E essa grande técnica advocatícia brasileira só é possível porque o Brasil adotou o ultra-garantismo penal.

Em virtude da eterna desconfiança sobre o aparelho estatal e da valorização da liberdade, o liberal é um sujeito minimalista e garantista por natureza.

Minimalista é aquele sujeito que acha que o direito penal só deve ser utilizado em última instância, e que a melhor maneira de ser compor agressor de atos pouco violentos e agredido é com indenizações pecuniárias em favor deste último.

Garantista é aquele que entende ser essencial um julgamento penal justo, com amplo direito de defesa e contraditório.

Todo liberal, portanto, defende o que o prof. Rogério Greco chama de pilares do garantismo penal: (i) não há pena sem crime; (ii) não há crime sem lei; (iii) não há lei penal sem necessidade; (iv) não há necessidade sem ofensa; (v) não há ofensa sem ação; (vi) não há ação sem culpa; (vii) não há culpa sem processo; (viii) não há processo sem acusação; (ix) não há acusação sem provas; e (x) não há prova sem defesa.

Só que uma coisa é ampla defesa, outra coisa é irrestrita defesa. No Brasil, quem tem dinheiro tem defesa irrestrita, defesa ad aeternum, defesa que nunca acaba. São tantos recursos, tantas protelações, tantas manifestações que praticamente inviabilizam o cumprimento de pena.

Um caso emblemático é o do ex-jogador Edmundo, responsável e condenado por um acidente que matou três pessoas em 1995. Seu advogado conseguiu protelar o trânsito em julgado da decisão por 16 anos e sua pena foi declarada prescrita pelo Min. Joaquim Barbosa.

Podemos elencar aqui, no âmbito penal, os seguintes recursos: recurso em sentido estrito; apelação; recurso especial; recurso extraordinário; embargos de declaração; embargos infringentes; revisão criminal; carta testemunhável e agravo. Como não sou um especialista em direito penal, não me surpreenderia se tivesse mais. É recurso demais!

E aí vem a questão dos mensaleiros: não é absurda a tese de que cabem embargos infringentes em sede de STF. Os juristas que defendem a tese oposta falam que os embargos infringentes não foram regulados pela lei 8.038/90. Só que essa lei é clara no sentido de apenas regular procedimentos, e quem cria realmente o recurso é o Código de Processo Penal, que é dúbio a respeito da aplicação do recurso em sede de STF.

Esse posicionamento pode ser corroborado com o fato da lei 8039/90 não regular o procedimento dos embargos de declaração, e ainda assim esses embargos são recorrentes no STF, tendo eu mesmo já conseguido reverter decisões em meu favor por esse instrumento na minha prática profissional.

Em suma, mesmo que uma interpretação mais razoável prevaleça (o que parece que não vai acontecer), a interpretação pró-mensaleiros não é absurda, e caso haja uma reabertura do processo, o próprio resultado material do novo julgamento será irrelevante para os acusados. Mais importante para os réus é dar tempo suficiente para a prescrição acontecer, como o jornal O Globo já noticiou.

O instituto da prescrição é muito cruel, porque as vítimas e a sociedade “ganham, mas não levam”. E os criminosos, condenados, saem livres para praticar mais crimes com a certeza da impunidade. Do ponto de vista social, essa decisão cria ainda mais incentivos para que membros da sociedade descumpram a lei em bases regulares e em grandes quantidades.

Esse julgamento está a uma semana de redimir ou afundar de vez a imagem do direito brasileiro.

*DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL


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