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A “República feminista” avança inabalavelmente

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Estou ciente de que enfrentamos diversos problemas e o assunto não está no centro do debate, mas fico particularmente incomodado com esse tipo de política; refiro-me a uma inclusão indigesta na proposta de emenda constitucional sobre reforma eleitoral para 2022, que, de resto, inclui vários outros tópicos discutíveis. Conforme a CNN, tem-se o seguinte: “Outra mudança, com o objetivo de incentivar a participação de mulheres na política, é fazer com que os votos dados a candidatas à Câmara dos Deputados contem em dobro nos critérios de distribuição de recursos públicos pelo Fundo Partidário. O texto propõe ainda um aumento do percentual mínimo reservado às mulheres nos Legislativos dos três níveis de governo: 15% em 2022 (Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas) e 2024 (Câmaras Municipais); 18% em 2026 e 2028; e 22% em 2030 e 2032, respectivamente.”

Já critiquei mais de uma vez neste espaço a persistência em fazer avançarem políticas de estabelecimento de privilégios para mulheres no Legislativo, sob o pretexto de supostamente favorecer a sua participação nessa atividade. Em 2015, comentei a Proposta de Emenda à Constituição nº 68, que chamei de “proposta machista”, que na época avançava na Câmara dos Deputados, determinando “a obrigatoriedade de um percentual mínimo de mulheres ocupando cargos públicos na própria Câmara, nas assembleias legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e em câmaras municipais”. Na prática, o projeto impunha “a existência de COTAS para o sexo feminino em um dos poderes da República”.

Deixando claro não haver qualquer problema com a presença de mulheres na política, ressaltando-se lideranças como a premiê britânica Margaret Thatcher e a caríssima professora Sandra Cavalcanti, registrei à época minha tristeza por tantos políticos, em matéria “que diz respeito diretamente à soberania da escolha direta do povo – regrada pelos parâmetros institucionais e constitucionais”, agirem em concordância para “relativizar de maneira abjeta esse imperativo da democracia representativa”.

Ressaltei que a proposta era machista porque, se pretende tutelar o voto de todos, determinando que certo percentual de determinada faixa da sociedade – as mulheres – forçosamente tem que ocupar determinadas posições no Parlamento, à revelia da questão quanto a se os cidadãos assim decidiram, ela, por óbvio, também pretende tutelar as mulheres. Se as mulheres não querem se candidatar, ou se as mulheres não querem votar em mulheres, surge o legislador iluminado e progressista para obrigá-las a se curvarem a esse propósito. Tudo, naturalmente, dizendo-se o mais apaixonado apóstolo da democracia!

Mais adiante, em 2019, lá estava eu criticando a deputada Tabata Amaral, do PDT, e suas colegas, que estavam militando pelas cotas de mulheres no Parlamento. A ideia era que, em caso de eleições para definição de dois terços das cadeiras da casa, metade fosse obrigatoriamente feminina. Isso porque supostamente teríamos que alcançar, mesmo que à força, uma “igualdade de representatividade no Legislativo”. À época, comentei: “Na verdade, Tabata e suas colegas devem saber que não há como garantir, isso sim, a representatividade do cidadão, homem ou mulher, sem permitir que ele eleja quem quiser, à revelia de características como sexo, cor de pele ou time de futebol. A História do século XX está repleta de tentativas de “normatizar” as escolhas populares, restringindo as composições parlamentares a determinados contornos, em que categorias específicas precisam estar representadas, todas elas nitidamente autoritárias, feitas por quem se considera ungido da missão de tutelar o voto alheio”.

Em 2020, contestei o TSE, que, sob orgulhosos aplausos de Luiz Roberto Barroso, aprovou a necessidade de uma divisão proporcional dos fundos de campanha e do tempo de propaganda eleitoral entre candidatos negros e brancos. Pois agora, depois de terem garantido o estabelecimento de percentuais mínimos de candidaturas de mulheres nos partidos a cada eleição, já querem exigir, vejam só, que as mulheres sejam fator de vantagens na distribuição do já suficientemente escandaloso fundo partidário, bem como querem aumentar gradativamente os privilégios na sua distribuição nas cadeiras legislativas.

Fiquem à vontade para me acusar de machismo, misoginia ou qualquer outra asneira similar por insistir tanto nessa discussão, mas não deixarei de atentar para ela. Por quê? Porque, a meu ver, não se trata de um detalhe secundário; é uma verdadeira perversão do sistema representativo para direcionar o resultado da preferência espontânea da sociedade e de seus atores – e, eis o pior de tudo, já está normalizado. Simplesmente quase não se contesta: essa atrocidade já é recepcionada com constrangedora quietude.

Abre-se uma brecha; se o sistema democrático-representativo pode ser manipulado dessa forma em favor de um grupo, pode sê-lo também em favor de diversos outros. Já se pretendeu, no passado, fazer estultice semelhante; o identitarismo procura produzir hoje uma “República feminista”, tal como na década de 60, por exemplo, os brizolistas queriam a “República sindicalista”. Era o antiliberalismo corporativista que, em especial na primeira metade do século XX, militava por distribuir os “representantes” da sociedade a partir de uma divisão “artificialesca” em categorias, grupos e profissões, determinados previamente e não pela expressão inteiramente aberta de sua livre vontade.

A diferença é que havia resistência. A “República feminista”, de 2015 para cá, parece apenas avançar inabalavelmente, sem que o que caracteriza óbvia agressão à democracia seja combatido e revertido.

Continuarei protestando contra esse absurdo e os precedentes que abre. Se por isso integro as dantescas forças do passado reacionário, que com elas eu seja tragado. Ratifico, entretanto, que sou contra e morrerei contra.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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