A Mão Estatal Invisível que Tira e a Visível que Dá: Expondo a Fraude do Bolsa-Família

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BERNARDO SANTORO*

Estou republicando um texto meu de 2011 sobre o bolsa-família, onde eu argumento que esse programa na verdade não costuma funcionar como um redistribuidor de renda, mas sim como um restituidor de tributos. Em breve escreverei um texto inédito explicando porquê esse sistema moralmente fraudulento foi relativamente bem sucedido e uma visão complementar sobre esse mecanismo em outras áreas da economia.

1 – Introdução
A atual presidente Dilma Rousseff declarou1, no dia 01/03/2011, o reajuste dos valores do bolsa-família. Segundo o portal oficial do programa do Governo2, o bolsa-família seria o maior e mais ambicioso programa de transferência de renda da história do Brasil, combatendo a fome e a miséria e promovendo a emancipação das famílias mais pobres do Brasil.
Esse artigo não vai aqui discutir sobre a moralidade, justiça e utilidade de uma transferência de renda forçada do setor produtivo da sociedade para o setor improdutivo da sociedade3, o que queremos discutir hoje é se o bolsa-família efetivamente transfere ou não renda para a parcela mais pobre da sociedade, e vamos comprovar que essa transferência não ocorre.
Na verdade, o próprio pobre paga pela sua bolsa-família.
2 – Quem são os beneficiários do bolsa-família?
Os beneficiários do Bolsa-Família são, de acordo com o “Manual de Orientação sobre o Bolsa-Família na Saúde”4, famílias com renda por pessoa de R$ 140,00 por mês. Mas essa regra não é tão simples assim, principalmente porque a lei trabalha com duas faixas distintas de renda: a de famílias que ganham até R$ 70,00 por mês e a que ganham entre R$ 70,01 e R$ 140,00;
De acordo com as novas regras do Bolsa-Família, fica assim o pagamento do Bolsa-Família:
(i) Para famílias com renda até R$ 70,00 por pessoa:
Benefício básico de R$ 70,00 + R$ 32,00 por criança até 15 anos (máximo de três crianças) + R$ 38,00 por adolescente entre 16 e 17 anos (máximo de dois adolescentes).
Com isso, uma família, para receber o benefício máximo do Bolsa-Família, precisaria estar composta por pai, mãe, três filhos até quinze anos e dois filhos entre 16 e 17 anos, ganhando assim o básico (R$ 70,00), mais os bônus por criança (R$ 32,00 X 3) e por adolescente (R$ 38,00 X 2).
Somando tudo: R$ 70,00 + (R$ 32,00 x 3) + (R$ 38,00 x 2) = R$ 70,00 + R$ 96,00 + R$ 76,00 =
R$ 242,00 (duzentos e quarenta e dois reais).
(ii) Para famílias com renda entre R$ 70,01 e R$ 140,00 por pessoa:
Para essas famílias já não há a bolsa básica de R$ 70,00. Essas recebem apenas o montante relativo às crianças e adolescentes, logo, R$ 32,00 por criança até 15 anos (máximo de três crianças) + R$ 38,00 por adolescente entre 16 e 17 anos (máximo de dois adolescentes).
A mesma família de pai, mãe, três filhos até quinze anos e dois filhos entre 16 e 17 anos, mas ganhando uma renda média acima de R$ 70,00 e até R$ 140,00, ganha então, no máximo, os bônus por criança (R$ 32,00 X 3) e por adolescente (R$ 38,00 X 2).
Somando tudo: (R$ 32,00 x 3) + (R$ 38,00 x 2) = R$ 96,00 + R$ 76,00 =
R$ 172,00 (cento e setenta e dois reais).
3 – Analisando o benefício e alcance do Bolsa-Família

Apenas mostrar números governamentais nunca é o bastante, afinal, números podem ser muito bonitos se não analisados criticamente.
Para que uma família ganhe a bolsa máxima de R$ 242,00, ela precisaria, como visto, ser composta de sete pessoas e ganhar uma média, por pessoa, de até R$ 70,00. Isso significa, de fato, que para uma família ganhar o benefício máximo, o pai, a mãe e os filhos devem ganhar, no máximo, em conjunto, R$ 70 X 7 (número de pessoas dessa família) = R$ 490,00.
Isso significa que uma família com pai, mãe e dois adolescentes não podem conseguir ganhar, juntos, o equivalente a um salário mínimo, que hoje vale R$ 545,00. Mesmo que a família fosse monoparental, ou seja, só a mãe ou o pai estariam presentes (o que é muito comum na realidade brasileira), ainda assim seria altamente improvável que uma família conseguisse perceber apenas essa quantia. Essa visão é corroborada pelo estudo do IBGE, órgão governamental, demonstrando que a taxa de desocupação do brasileiro encontra-se em 6,7% e a renda mensal por brasileiro economicamente ativo (e não por família, que possui em regra mais de um brasileiro economicamente ativo) é de R$ 971,49.5
O próprio governo admite essa situação no discurso presidencial supracitado, explicando que, com o atual reajuste, o Bolsa-Família passará a pagar, em média, R$ 115,00 (cento e quinze reais) por família.
Portanto, o Bolsa-Família atinge, com uma remuneração de quase-esmola, uma inacreditavelmente imensa parcela da população brasileira, que hoje seria o equivalente a 12,8 milhões de famílias6.
4 – A mão invisível do Governo que tira e a mão visível do Governo que dá

O sistema tributário brasileiro é conhecido aqui e alhures como um dos mais confusos e injustos do mundo. Ele é confuso porque possui uma incrível variedade de tipos e subtipos7, com vários deles possuindo, inclusive, o mesmo fato gerador. Injusto porque massacra o setor produtivo brasileiro em favor do setor parasitário brasileiro. Mas é ainda mais injusto porque o brasileiro, em regra, não sabe que paga essa maciça quantidade de impostos.
Segundo amplamente noticiado pela imprensa no final de 20108, em cima de Nota Oficial da Receita Federal do Brasil, a carga tributária brasileira relativa a bens e serviços correspondem a 48,7% da receita tributária total. Ou seja, praticamente metade da carga tributária brasileira incide sobre bens e serviços.
Tributos sobre bens e serviços são, em regra, tributos indiretos, e tais tributos costumam ter seu valor embutido no preço do bem ou serviço comprado, sem estar discriminado na nota de compra. O consumidor, que em última análise é quem paga esse tributo indireto, não vê o quanto do preço pago refere-se ao custo de produção do bem ou serviço, e quanto refere-se ao tributo.
Ou seja, o consumidor, pagador do imposto indireto de bem ou serviço, não sabe o quanto paga de imposto indireto.
E o imposto indireto, invisível para quem paga, é um imposto altamente democrático, pois todas as pessoas, ricas ou pobres, consomem bens e serviços, e não há distinção de preço entre eles.
Em consequência disso, o IPEA, órgão do governo, publicou em meados de 2009, um trabalho chamado “Receita Pública: quem paga e como se gasta no Brasil”. Segundo esse estudo9, famílias com renda mensal de até dois salários mínimos perdem 53,4% do poder de compra do seu salário por conta de tributos. Partindo do fato de que pessoas pobres em geral são isentas de tributos diretos, pode se chegar à conclusão de que praticamente a totalidade desses tributos são pagos através de tributos indiretos, ou seja, tributos que o pobre não vê que paga10.
Portanto, o pobre tem a ilusão, no Brasil, de que paga pouquíssimo ou nenhum imposto, já que praticamente todo o imposto que paga vem disfarçado no seu consumo, e representa, repisa-se, comprometimento de mais da metade do seu orçamento.
Agora será desvendado o mais cruel sistema de compra de votos nunca antes visto na história desse país11.
Como já visto, o alvo do programa Bolsa-Família é exatamente o pobre cuja renda familiar nunca, em hipótese alguma, ultrapassará dois salários mínimos (na verdade, sem que haja fraude, restou comprovado que não há possibilidade dessa renda ultrapassar sequer R$ 500,00, para que se ganhe a bolsa maior de R$ 242,00).
Como visto também, esse cidadão pobre perde mais da metade do que ganha em tributos.
Logo, a mão invisível que rouba dele metade do que produz sem que ele perceba, através de impostos, é a mesma que vai devolver parte do que lhe roubou através do Bolsa-Família, só que, desta feita, de maneira bem visível, para que ele possa se sentir ajudado pelo Governo.
Na hipótese média, como já demonstrado por contas e pesquisas do próprio Governo, com uma família ganhando um salário mínimo de R$ 545,00, esse salário só terá poder de compra real de R$ 253,97 (pois 53,4% do salário foi perdido para o Governo a título de impostos).
O governo rouba de cada família pobre que ganha um salário mínimo, sem que a família tenha visto, R$ 291,03, e devolve, a título de Bolsa-Família, na média, R$ 115,00 (conforme declaração presidencial).
O Governo teve dessa família um lucro INICIAL de R$ 176,03.
Inicial por que? Ora, em regra, famílias com esse tipo de renda não costumam fazer poupança, ou seja, consomem toda a receita familiar. Logo, esses R$ 115,00 entregues a título de Bolsa-Família retorna ao consumo, incidindo outra vez os impostos indiretos que retiram 53,4% do poder de compra da família. Logo, desse dinheiro da Bolsa-Família, somente R$ 53,59 serão aproveitados pela família beneficiária, e o governo retoma para si, na média, R$ 61,41.
Em suma, uma família que recebe um salário-mínimo por mês vai receber, de fato, de auxílio de Bolsa-Família, R$ 53,59 (já descontados os impostos indiretos secundários), tendo pago a quantia original de imposto indireto de R$ 291,03. Resultado: o Governo ganhou R$ 237,44 de uma família que ganha salário-mínimo, já descontado o Bolsa-Família, e ainda comprou o voto da mesma, com o próprio dinheiro dessa família, para mais um mandato de 4 anos.
Ainda não sei quem foi o gênio do mal que bolou esse esquema, mas certamente o quero longe deste país.
Claro que sempre vai haver o exemplo mais dramático, qual seja, a família que não ganha, via trabalho, qualquer dinheiro, e se encaixa em todos os requisitos legais para ter direito ao benefício máximo (ter na família três crianças e dois adolescentes). Nesse caso, o Governo não receberá originalmente nada e pagará R$ 242,00, mas terá os impostos indiretos de 53,4% incidindo sobre esse valor, sobrando como poder de compra apenas R$ 112,77, com o Governo tomando de volta R$ 129,23.
Nesse exemplo dramático, que é a melhor “ajuda” dada pelo Governo, o mesmo acha que vai resolver a vida de uma família com pai, mãe, três crianças e dois adolescentes, com R$ 112,77, ou US$ 68,55?12
Eu acho que não. E o Banco Mundial concorda comigo. Se sete pessoas vivem com aproximadamente 70 dólares por mês, então cada uma vive com 10 dólares por mês, ou ainda 33 centavos de dólar por dia. O Banco Mundial define a pobreza extrema como viver com menos de um dólar por dia, como é o caso13.
E nessa equação de maldade, uma família que ganha um salário-mínimo por mês consegue sustentar, conforme demonstrado, a sua própria bolsa-família, e ainda sobra dinheiro roubado pelo Governo para pagar dois exemplos extremos de famílias com nenhuma renda e sete membros!
Resta mais do que comprovado que o Governo nem precisa roubar dos ricos para dar Bolsa-Família para os pobres. Os próprios pobres auto-sustentam esse sistema podre de cooptação econômica e mental.
5 -Conclusão

Esse sistema de corrupção e cooptação de mentes deve ser interrompido imediatamente. As pessoas em geral precisam ser imediatamente conscientizadas de que não são elas quem precisam do governo, o governo é que precisa das pessoas. Essa é apenas mais uma prova de que o Governo cria dificuldades para vender facilidades.
O Bolsa-Família é um programa de controle social, sem nenhuma função prática, e simplesmente não consegue fazer o que se predispõe, que é a transferência de renda, conforme comprovado aqui. O que o Governo faz nada mais é do que transferir a renda do pobre para si mesmo, e depois devolver uma parcela dessa transferência para os mesmos explorados. Não há dinheiro de ricos envolvido nessa transação.
O que realmente vai melhorar esse país é o respeito ao direito de propriedade, diminuição do Governo e dos impostos, livre-iniciativa e prosperidade econômica baseada em poupança e investimentos. Pautar o crescimento do país em dinheiro impresso do nada, gastos estatais e transferências mentirosas de renda, como quer o projeto petista-estatista atual, vai levar o Brasil a um inescapável ciclo que, a princípio, gerará algum conforto consumista, mas que, por fim, resultará na maior crise econômica da história desse país. A hora da mudança só pode ser agora.
NOTAS

1 Para ver a reportagem online completa, acesse http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/03/dilma-anuncia-reajuste-de-ate-45-dos-beneficios-do-bolsa-familia.html

2 Portal oficial do Bolsa-Família – http://bolsafamilia.datasus.gov.br/w3c/bfa.asp

3 Não podemos nos escusar de afirmar categoricamente que somos contra a transferência de renda do setor produtivo da sociedade para o setor improdutivo da sociedade, por ser injusto, imoral e inútil. Injusto porque não dá o que é de alguém de acordo com sua capacidade e produtividade (máxima aristotélica). Imoral por tratar-se de verdadeiro roubo, travestido de “direito” porque um grupo de ladrões (governo), que detêm o poder, editaram uma norma jurídica legalizando algo que é ilegítimo. Inútil porque não resolve a situação de pobreza do beneficiado (isso quando o beneficiado é mesmo pobre, o que não acontece em boa parte dos casos), e cria um mecanismo de perpetuação dos ladrões no poder. Este autor aborda superficialmente o tema emhttp://www.pliber.org.br/Artigos/Details/13, subitem 2.2, onde demonstra que o Banco Central funciona como um transferidor de renda do setor produtivo para o setor improdutivo da sociedade, em especial a classe mais improdutiva da sociedade: a classe política. Quem tiver interesse em aprofundar-se no assunto, leia o artigo de Lorenz Kraus em http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=832.

4 Disponível em http://bolsafamilia.datasus.gov.br/documentos_bfa/MANUAL_PBF_BOLSAFAMILIA_SAUDE2009.PDF

5 Dados disponíveis em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1720&id_pagina=1

6 Esses dados são do Governo, apresentados emhttp://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2010/dezembro/bolsa-familia-atinge-100-das-familias-com-direito-ao-beneficio.

7 Site especializado lista 85 tipos de tributos no Brasil em http://www.portaltributario.com.br/tributos.htm.

8 Disponível em http://economia.estadao.com.br/noticias/economa+brasl,trbutacao-de-bens-e-servcos-no-brasl-esta-acma-da-meda-de-pa,not_33978,0.htm.

9 Disponível em http://biblioteca.planejamento.gov.br/biblioteca-tematica-1/textos/gestao-publica-acoes-governamentais/texto-50-receita-publica-quem-paga-e-como-se-gasta-no-brasil.pdf.

10 As exceções a essa regra são o IPTU e o IPVA, impostos diretos pagos também por pessoas pobres, mas impostos sobre propriedade representam apenas 3,3% da arrecadação estatal, segundo a reportagem da nota 8, logo acima. A base de cálculo de imóveis situados em localidades de baixa renda são sensivelmente menores que a base de cálculo de imóveis de luxo – isso quando não há isenção – e IPVA de carros populares são bem inferiores a carros de luxo.

11 Paráfrase de uma figura lamentável da história brasileira.

12 Câmbio de 07/03/2011, com dólar comercial a R$ 1,645. Retirado dehttp://economia.uol.com.br/cotacoes/cambio/dolar-comercial-estados-unidos-principal.jhtm.

13 Definição extraída de http://pt.wikipedia.org/wiki/Pobreza.
*DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL

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