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“A farmácia de Ayn Rand” – uma questão de comunicação

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O professor Dennys Garcia Xavier, intrépido divulgador do liberalismo – sempre com muito bom humor – e doutor em Filosofia Antiga, trouxe à luz mais um livro sobre a filosofia objetivista, fundada pela pensadora russo-americana Ayn Rand: A farmácia de Ayn Rand: doses de anticoletivismo. O lançamento de 2021 é mais uma vez da LVM Editora.

Acompanho o trabalho de Dennys, já tendo resenhado a coletânea da Coleção Breves Lições sobre a mesma autora, Ayn Rand e os devaneios do coletivismo, com artigos de diferentes autores, muitos deles do próprio Dennys, organizados por ele, para formular uma apresentação sintética e abrangente do pensamento da filósofa. Dennys também teve participação no lançamento de uma obra da própria Rand, A Virtude do Egoísmo, que resume seus postulados filosóficos.

Neste novo livro, Dennys ressalta que, a despeito de se concordar ou não com a filosofia de Ayn Rand, é forçoso reconhecer que um dos grandes méritos de sua proposta de pensamento está no apelo feito à razão contra a ingenuidade ou crueldade dos coletivismos, geralmente emocionalistas e por natureza desajuizados. Em uma época de tantos recursos ao vitimismo, em que até palavras inofensivas internalizadas há séculos em um idioma se transformam em ofensivas opressoras contra as minorias, em que tantos pretendem silenciar as vozes divergentes apenas porque incomodam suas suscetibilidades particulares, esse tom do Objetivismo soa chocante, perturbador, incisivo, até cáustico.

Esse potencial provocante, na visão do autor, explica a importância de divulgar as ideias de Ayn Rand: elas podem contribuir para estimular a reação ao estado contemporâneo do debate público – ou, como me acostumei a dizer, ao que se pretende que seja um debate público neste país. No proêmio, Dennys sustenta que a filósofa “dispõe de repertório incrivelmente eficaz, que anseia por aniquilar, por destruir, linha a linha, cada um deles e restituir aos indivíduos condição digna e altiva”, sendo “impossível ficar apático diante dele”.

Com apresentação de Elaine Helena Barth de Souza, o livro está estruturado em duas partes e um apêndice. Segundo Dennys, a proposta é “dar a conhecer, em linguagem tão acessível quanto cientificamente criteriosa, alguns dos conceitos fundamentais do Objetivismo, construindo, desse modo, uma espécie de pequena “farmácia”, com leves – e decisivas – doses de anticoletivismo, de antiestatismo, de racionalidade e de egoísmo virtuoso”.

De fato, na segunda parte do livro, dividida nos capítulos “O Objetivismo”, “A Ética Objetivista”, “O Coletivismo”, “O Racismo e o Capitalismo” e “A Felicidade”, Dennys resume em pequenos apontamentos a filosofia de Ayn Rand. Como não poderia deixar de ser, não localizei nada inédito, nenhuma grande novidade nesses capítulos em relação aos livros anteriormente mencionados em que Dennys também trabalhou para divulgá-la. A filosofia apresentada como objeto de estudo, afinal, é a mesma.

O diferencial do livro é o formato de apresentação. Dennys aqui efetivamente escreve como se conversasse diretamente com o leitor, quase no estilo informal com que interage com o público através de suas redes sociais. Se um dos principais motivos para ele, um especialista em Filosofia Antiga, ter acreditado que a divulgação de Rand contribui para o debate no Brasil foi o estilo de comunicação adotado pela autora, nada mais adequado que ele mesmo diversificar as formas de apresentação da mesma mensagem, procurando atingir públicos diferentes.

No mesmo espírito, o apêndice do livro reproduz um diálogo entre Dennys e a popular nutricionista e influencer Lara Nesteruk, dando conta da influência que a filosofia objetivista teve sobre suas vidas e reflexões. O diálogo é mais um formato de divulgação eficaz e atrativo para boa parte dos leitores.

A única real novidade teórica deste livro, no entanto, reside em sua primeira parte. Nesta, dividida entre os capítulos “O Nascimento da Filosofia” e “Elementos essenciais”, Dennys aborda, a partir dos pensadores pré-socráticos, o nascimento da argumentação e da perquirição filosóficas como um contraste em relação ao pensamento mítico, bem como expõe o contexto histórico em que essa transformação tão importante para a civilização ocidental foi operada. A relevância do reconhecimento do real, da razão como instrumento para apreciá-lo e da liberdade como condição para exercê-la são desdobramentos da elaboração grega clássica que desembocaram na nossa civilização e seriam refletidos, à sua maneira, na filosofia de Ayn Rand, uma admiradora de Aristóteles – ainda que ela eventualmente faça, como admite Dennys em determinado momento deste trabalho, uma apropriação selecionada da filosofia do estagirita, abandonando elementos metafísicos localizáveis em sua obra.

Dennys também recorre a citações variadas de autores que analisaram Ayn Rand ou os temas provocados por sua obra, desde os brasileiros Roberto Rachewsky e Bruno Garschagen até o canadense-americano Stephen Hicks. Essas citações acrescentam à variedade estrutural do livro, cuja dinâmica certamente foi propositada e cumpre o papel para o qual foi disposta.

Minhas aprovações ao pensamento de Ayn Rand permanecem as mesmas, assim como minhas reprovações. A maioria destas últimas, no entanto, como o próprio Objetivismo, transcende a temática propriamente do campo do liberalismo. Por exemplo, experimento profunda alergia à ideia declarada, inerente às premissas objetivistas, de que os que discordem de algumas de suas formulações estão sendo invariavelmente escravos de um irracionalismo sentimental, atitude que, atrevo-me a dizer, talvez seja muitas vezes mais emocional do que os objetivistas se permitem confessar.

No campo liberal, compartilhamos, eu e Ayn Rand, o desejo de que se multipliquem indivíduos mais conscientes, sóbrios, que valorizem a razão e não se deixem cegar pelos defensores do estatismo inveterado, apelando a emoções superficiais e abdicando de avaliar as causas e consequências que circundam os fatos. Nesse propósito particular, estamos conjugados, e o Objetivismo se soma a outras correntes liberais na luta por pluralizar as ideias no Brasil.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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