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Como o marco civil serviu de base jurídica para a retirada do whatsapp

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zapO Brasil ficou estarrecido, nas últimas 24 horas, com o bloqueio do whatsapp, aplicativo de internet usado por mais da metade da população brasileira (!), com a finalidade de comunicação por voz, vídeo e texto, em virtude de decisão da justiça paulista, mais especificamente de uma vara criminal de São Bernardo do Campo.

O texto que constava no site do TJSP dispunha claramente que a decisão estava baseada no Marco Civil da Internet, como se vê:

“A 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo determinou a operadoras de telefonia o bloqueio do aplicativo WhatsApp, pelo período de 48 horas. O prazo passa a contar a partir da 0 hora seguinte ao recebimento do ofício da Justiça.

A decisão foi proferida em um procedimento criminal, que corre em segredo de justiça. Isso porque o WhatsApp não atendeu a uma determinação judicial de 23 de julho de 2015. Em 7 de agosto de 2015, a empresa foi novamente notificada, sendo fixada multa em caso de não cumprimento.

Como, ainda assim, a empresa não atendeu à determinação judicial, o Ministério Público requereu o bloqueio dos serviços pelo prazo de 48 horas, com base na lei do Marco Civil da internet, o que foi deferido pela juíza Sandra Regina Nostre Marques.”

Mas, como, exatamente, uma lei que supostamente defende a inviolabilidade de dados, garante ao Estado o direito de tomar dados da iniciativa privada?

Cumpre esclarecer que, supostamente, é verdade ser intenção do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) proteger o sigilo de dados de usuários da internet. Portanto, quando um “especialista” bocó como o pesquisador em telecomunicações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Rafael Zanatta diz, no Estado de Minas, que “bloquear o whatsapp é contra o Marco Civil“, ele não está totalmente errado, desde que a questão esteja ligada ao direito de concorrência e liberdade empresarial, o que simplesmente não é o caso.

O whatsapp não foi bloqueado porque alguém como o Presidente da Vivo, que vive dizendo que o aplicativo é ilegal, entrou na justiça para esse fim. O próprio Presidente da Anatel já deu entrevistas dizendo que o whatsapp é legal, e portanto não pode ser bloqueado por, supostamente, fazer concorrência com operadoras de celular.

Uma breve conferida em artigos como o segundo e o quarto da lei em comento, que reiteram a importância da concorrência e da liberdade, já seriam mais que suficientes para entendermos que o whatsapp é legítimo.

Também não é o famoso artigo nono da lei, que institui a “neutralidade da rede”, que garante o bloqueio ou o não bloqueio do whatsapp.

A neutralidade não pode servir como fonte de bloqueio porque o aplicativo, pela sua própria lógica, trabalha dentro do conceito de neutralidade, não preferindo usuários em detrimento de outros.

A neutralidade não pode servir, também, como fonte de desbloqueio, como sugeriu o “especialista”, por defender a liberdade de empreender, pois embora a liberdade de empreender seja uma regra geral do marco civil, como toda regra geral no direito, pode ser afastada por regra especial.

E a regra especial, contida no próprio Marco Civil, é clara no sentido de que, em determinados casos, a justiça pode sim interferir no funcionamento de um programa, desde que a empresa descumpra ordens legais ou jurídicas brasileiras.

Então agora devemos deixar claro o motivo pelo qual o whatsapp foi bloqueado: não foi porque ele faz ou deixa de fazer concorrência com operadoras de celular, mas sim porque ele descumpriu uma decisão judicial.

E a decisão judicial em si encerra uma contradição do Marco Civil da Internet que envolve diretamente o whatsapp.

Ao mesmo tempo que, como critério geral, o Marco Civil da internet argumente que o sigilo de dados é inviolável, também destaca que ele pode ser violado pelo Estado desde que haja ordem judicial. O artigo sétimo é bem específico quanto a isso, e o artigo 11 reforça ainda mais essa posição.

O artigo 12, inclusive, traz uma série de sanções para empresas que violam o sigilo de dados, ou seja, que violam o artigo 11. Dentre essas sanções, está até a proibição de suas atividades.

Mas como visto, o whatsapp não foi proibido, ainda que momentaneamente, por violar o artigo 11, que defende os dados, mas sim por violar o artigo 15, que é o artigo que regulamenta a entrega de dados para o Governo em virtude de ordem judicial.

O artigo 15 do Marco Civil é muito curioso, pois ele entra em clara contradição com a visão geral de sigilo de dados. Ele obriga que aplicativos guardem todos os dados de todo mundo por pelo menos seis meses, mesmo que a empresa do aplicativo não queira guardá-los, ou, mais ironicamente, que o programa seja programado a não guardá-los.

Ou seja, o artigo 15 obriga programas ultra respeitosos sobre privacidade de dados a serem violadores de dados, ainda que por curto período de tempo.

E vai ainda mais longe no seu parágrafo, ao dar ao poder judiciário a garantia de obrigar esse aplicativo a guardar dados de usuários por ainda mais tempo, caso seja de interesse do Governo, desde que haja decisão prévia. Ou seja, aplicativos são obrigados a violar e guardar dados de usuários por, no mínimo, seis meses, mas podendo violar e guardar por mais tempo ainda, por ordem judicial.

A microsoft desrespeitou a ordem judicial de entrega de dados exigidos pela justiça justamente porque o whatsapp deleta imediatamente de seu banco de dados todas as mensagens de seus usuários. Ou seja, o whatsapp não tem como cumprir a entrega de dados por eles não existem mais! É um programa, por incrível que pareça, que tenta defender a privacidade de quem o usa.

Não podendo cumprir a ordem judicial nos termos do caput do art. 15, as sanções serão aplicadas nos termos do parágrafo quarto do mesmo artigo, que dispõe: “na aplicação de sanções pelo descumprimento ao disposto neste artigo, serão considerados a natureza e a gravidade da infração, os danos dela resultantes, eventual vantagem auferida pelo infrator, as circunstâncias agravantes, os antecedentes do infrator e a reincidência”.

Há de se reparar que, pelo art. 12, quem abusa dos dados dos seus consumidores receberá penas previamente estabelecidas e com gradação. Já quem defende os dados dos seus consumidores até mesmo do seu Governo, nos termos do art. 15, não tem penas previamente estabelecidas, podendo receber, de fato, qualquer pena, já que o parágrafo quarto dá ao juiz a prerrogativa arbitrária de aplicar qualquer sanção, confiando totalmente na razoabilidade do julgador, que nem sempre existe, como foi o caso onde, por um capricho de vaidade, retirou o whatsapp de cem milhões de brasileiros por não ver cumprida uma decisão sua que a microsoft estava faticamente impossibilitada de cumprir.

Fica então esclarecida a base jurídica para essa maluca, porém legal, decisão judicial, que fez com que um juiz com ego ferido, no interior de São Paulo, pudesse prejudicar todo um país.

Isso, claro, com a autorização de Dilma Rousseff, Alessandro Molon (relator ex-petista do Marco Civil) e todo congressista que votou nessa péssima lei autoritária e interventora. Mais uma porcaria para botar na conta do PT.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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