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“Para entender Rothbard”: uma apresentação ao fundador do anarcocapitalismo

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São cada vez mais necessários, para a divulgação de ideias, opúsculos que forneçam sínteses capazes de despertar a atenção do potencial interessado em determinado tema ou autor. Para entender Rothbard, lançamento da LVM Editora com que fui presenteado, é um exemplar dessa proposta, reunindo informações essenciais sobre o fundador do anarcocapitalismo, Murray Rothbard (1926-1995).

O autor é o professor Adriano Paranaíba, economista e doutor em Transportes que integra os quadros do Instituto Mises Brasil. Esse acadêmico goiano é conhecido no movimento liberal e libertário brasileiro por seu bom humor bastante peculiar e sua personalidade solícita e expansiva. Paranaíba introduz seu trabalho prometendo expor, “de forma clara e objetiva, o essencial que precisamos saber sobre esse importante autor (Rothbard), não só para a Escola Austríaca de Economia, mas para as ciências econômicas como um todo”. A meta é mesmo ser um ponto de partida para a compreensão de um pensador tão controverso – adjetivação que, aliás, não fica sem exame no texto de Paranaíba – que, sem ser demasiado complexo, não deixe de apresentar a diversidade de searas em que Rothbard adentrou em suas obras.

O leitor precisa saber sobre Paranaíba que ele é um anarcocapitalista de quatro costados, notabilizando-se por seus comentários deliciosamente sarcásticos contra os abusos do Estado em suas palestras. Rothbard é, para ele, portanto, uma referência fundamental, o que ele não esconde em momento algum, tornando algumas partes do livro inevitavelmente elogios ao autor estudado – ele chega a escrever que se inspira em Rothbard até na indumentária que usa.

Alguns analistas diriam que essa não é uma perspectiva ideal, sendo preferível uma abordagem mais distanciada do objeto de estudo; entretanto, o professor Antonio Paim (1927-2021), em seu prefácio a meu próprio livro Lacerda: A Virtude da Polêmica, comenta precisamente que, em certa medida, “a franca adesão às ideias do personagem estudado, na circunstância de que se trata, requeria postura diversa”, pois Carlos Lacerda (1914-1977), “no exercício de sua liderança, requeria ‘tempo integral’”. Lacerda era um político e exerceu cargos eletivos no Estado, o que nunca aconteceu a Rothbard, mas creio que Paranaíba se porta muito dignamente em sua própria versão da “dedicação em tempo integral” a um personagem inevitável do pensamento político-econômico do século XX.

Atento às modernidades, ele insere em seu primeiro capítulo, “O que a inteligência artificial sabe sobre Rothbard?”, uma reflexão sobre a apresentação biográfica do intelectual anarcocapitalista que ele conseguiu obter através do famigerado Chat GTP. Sua conclusão mais relevante nesse primeiro capítulo provocativo é a de que as ideias rothbardianas são consideradas polêmicas, mas raramente enfrentadas pelos adversários com argumentos que transcendam as rotulações e imprecações.

Em “O indivíduo Rothbard”, Paranaíba relaciona uma brevíssima exposição biográfica do economista da Escola Austríaca, situando-o como pupilo de Ludwig von Mises e alvo de críticas à esquerda e à direita. Aparece aí também uma crítica a Rothbard: ao apreciar o capítulo “As crianças e seus direitos” do livro A Ética da Liberdade, nosso autor o define como um capítulo “muito ruim”, porque nele Rothbard “faz uma defesa do porquê a pessoa não pode ter determinados direitos positivos e acabou sendo infeliz em sua argumentação”, abrindo margem à ideia no mínimo – no mínimo mesmo – questionável da comercialização de filhos.

Em “Uma entrevista com Walter Block”, Paranaíba traz o olhar direto de alguém que conheceu e manteve relação de amizade com Rothbard, o também integrante da Escola Austríaca Walter Block. Já “Filosofia e história para explicar a economia” evidencia que o pensamento rothbardiano ia além da mera análise econômica, ressaltando-se a dimensão do pensamento político, das raízes filosóficas e dos embasamentos históricos que Rothbard procurava conferir a suas alegações. Pontua ainda a associação que empreendeu de seus argumentos ao campo de estudo delineado pelo conceito de Praxeologia edificado pelo seu mestre Mises, que se propunha a ser a ciência da ação humana, da qual a Economia propriamente dita, na leitura misesiana, seria caudatária.

O capítulo “A ética libertária de Rothbard” pontua o modo como Rothbard alicerça seu sistema ético anarquista no princípio da não-agressão e no direito de propriedade. Permito-me apenas uma observação quanto a esse momento do livro: Paranaíba tem razão ao pontuar que Rothbard se inspirou em autores como Lysander Spooner (1808-1887) e Benjamin Tucker (1854-1939), mas penso ser importante enfatizar as distinções que exibia em relação a essas inspirações. O libertarianismo como o conhecemos no século XX, bem como o anarquismo de mercado ou anarcocapitalismo, são mesmo novidades; o pensamento dos autores do século XIX que por vezes são chamados de anarcoindividualistas estava vinculado em maior ou menor grau ao utopismo de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) e manifestava, por exemplo, antipatia em relação à grande propriedade. No fim das contas, Rothbard é mesmo o fundador de uma nova doutrina social e política.

Em “O opus magnum: Indivíduo, Economia e Estado, o autor analisa a obra magna de Rothbard, enfatizando a importância central que este conferia à lei de oferta e demanda, as reorganizações que propôs ao estudo da Economia, seu firme individualismo metodológico e seu atrelamento do monopolismo à atuação estatal. Um aspecto específico desse clássico rothbardiano, sua análise do problema do intervencionismo, é objeto de síntese em um capítulo próprio do livro de Paranaíba, “O diagnóstico perfeito do intervencionismo econômico”, em que se elucida a classificação de Rothbard do fenômeno do intervencionismo em três categorias: o intervencionismo autístico, que se dá quando se impede a ação da pessoa ou de sua propriedade sem nada ser oferecido em troca, como nos casos de homicídio ou agressão física; o intervencionismo binário, em que o Estado obriga o indivíduo a executar uma determinada ação em troca de um serviço, como nos casos do imposto de renda ou do alistamento militar obrigatório; e o intervencionismo triangular, em que “o Estado interfere nas trocas que outras pessoas querem fazer entre si”, promovendo um controle de produtos ou de preços.

O capítulo Rothbard: atual e impetuoso conclui o texto de Paranaíba sustentando que as críticas rothbardianas ainda são úteis para pensar os problemas contemporâneos, além de promover ligeira apreciação do pequeno livro Anatomia do Estado. O doutor em Empreendedorismo pela universidade de Oklahoma Fernando Monteiro d’Andrea encerra o opúsculo, a convite do autor, com um posfácio analisando o conceito de empreendedorismo na concepção rothbardiana e de que maneira ele confronta e complementa as elaborações de outros economistas, especialmente outros membros da Escola Austríaca.

Não é segredo para ninguém que não professo a convicção anarcocapitalista. Entretanto, procuro não exibir preconceitos sistemáticos com autores e tenho julgado, desde que adentrei ao movimento liberal, que as tentativas anarcocapitalistas de justificar a dinâmica de sua sociedade ideal de serviços totalmente desestatizados podem oferecer, mesmo para quem não pretenda avançar ao extremo da dissolução completa, insights para pensar formas criativas de reduzir o papel estatal e sua esfera de influência. Mais do que explorar essa utilidade, no entanto, ressalto que Paranaíba se esforça por demonstrar que Rothbard vai além da pregação de uma agenda polêmica e constrói um arsenal teórico digno de ser objeto de reflexão. Impõe-se, no mínimo, conhecer, quer seja para seguir, para criticar ou para construir novas elaborações propositivas sobre o trabalho alheio. O opúsculo de Adriano Paranaíba pode cumprir esse papel de um primeiríssimo tateio da intrepidez tão peculiar desse pensador norte-americano.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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