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Vargas e a importância da politização dos políticos

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Em seu livro de memórias Tudo a declarar, publicado pela editora Nova Fronteira em 1989, o pessedista Armando Falcão, que foi ministro nos governos de Juscelino Kubitschek e Ernesto Geisel, relata o que o ex-presidente Eurico Gaspar Dutra confidenciou a respeito da atmosfera criada para o golpe de 1937, que estabeleceu a ditadura do Estado Novo.

Reproduz Falcão:

“Depois do levante comunista de 35, as Forças Armadas começaram a ver o Senado e a Câmara com apreensão e desconfiança, dada a sua ineficiência na contribuição devida aos planos para liquidar a subversão. Getúlio soube tirar partido disso. Com habilidade, vivia chamando a atenção de chefes militares para o fato de que o Congresso não lhe dava a força devida para preservar a ordem e combater eficazmente o perigo comunista. Ele, Vargas, não falava formalmente em golpe. Apenas um trabalho sutil, getuliano, de preparação dos espíritos. Com Dutra, Vargas às vezes era mais explícito.

‘Está vendo, ministro, com esse Congresso não dá para resolver os graves problemas do país.’

‘Presidente, use sua liderança. Pressione os políticos para arrancar as medidas que reforcem o governo, principalmente na luta contra a subversão.’

‘É inútil, ministro, não adianta. Deputado e senador só querem saber de politicagem. Falam, falam e não resolvem nada. Não adianta mais insistir. Estamos perdendo o nosso tempo. Esse Congresso não vai nunca cooperar em nada.’”

Dutra afirmou a Falcão que esse gênero de retórica o convenceu a chancelar a trama golpista de Vargas. O que ocorreu à época: os problemas e vícios dos parlamentares, dos ocupantes do Congresso – perfeitamente possível, diga-se de passagem, reconhecer a realidade desses vícios – levaram ao crescimento de um discurso que via no caudilho gaúcho uma figura virtuosa, acima dos políticos imorais, bem posicionada para desmontar os malfeitos deles e implantar o reinado do bem sobre a nação brasileira.

O que Vargas conseguiu perante os varguistas – como explicaria bem o professor Thomas Giulliano no documentário “Era Vargas: o Crepúsculo de um Ídolo”, da produtora Brasil Paralelo, em que figurei – foi transcender a política. Para os varguistas, Vargas não era um político. Era um salvador, um herói, o “pai dos pobres” (um mito?). Os outros eram os malditos políticos, os reles mortais, os criminosos que empesteavam o infame Poder Legislativo com interesses venais, ao gosto da ideologia castilhista do Rio Grande do Sul em que Getúlio foi gestado.

Os passos seguidos por Vargas servem de alerta aos dias de hoje – e sempre. Não há nada que conste mais perfeitamente da missão dos liberais que chamar a atenção para a limitação do humano e para a verdade de que nenhum indivíduo, sob nenhum pretexto, pode deter todo o poder, alegando merecê-lo e estar acima dos demais.

Vivemos dias em que tudo, até o que menos deveria, está sendo objeto de politização. Programas de televisão, remédios, tudo atualmente se transformou em peça de conflagração político-ideológica. Já quase não se deixa nenhuma esfera da vida, mesmo as mais dignas, fora da profanação da política, que nada tem de essencialmente repugnante se for reservada àquilo a que compete.

No entanto, ao mesmo tempo, aqueles que mais deveriam ser vistos sob a ótica da política, os políticos, estão sendo postos para fora da lógica da política – ou se quer que eles sejam retirados dela. De um lado, ao ser reconhecido o mérito no trabalho de um político, questiona-se que ele tem interesses políticos ao agir. Ora, qual a surpresa e qual o absurdo? Políticos são, ora bolas, políticos. Que outros interesses deveriam ter?

É da natureza deles querer fazer publicidade de suas ações, buscar reeleições ou ascensões. É assim que o mundo é, é assim que o mundo gira. Por que o escândalo? É evidente que existem atitudes espetaculosas cujas baixaria e falta de senso de oportunidade merecem ser apontadas. Há momentos em que os políticos deveriam pensar menos nos holofotes e mais na vida da população – até porque disso em boa medida dependem os seus próprios interesses políticos.

Entretanto, alguma dose desses interesses sempre estará presente e os políticos devem ser julgados levando-se isso em conta. O pensamento que demanda dos políticos que sejam entidades sacrossantas, alheias aos seus interesses e aos interesses de quem os elegeu, é precisamente o pensamento antiliberal. O liberalismo brasileiro, desde o teórico Silvestre Pinheiro Ferreira, é pautado na representação de interesses.

Por outro lado, nenhum político está acima da política e aqueles que conseguem fazer parecer que assim é são os mais políticos de todos, no sentido pejorativo da palavra. Vargas era um animal político que se tornou, aos olhos de muitos, o “pai dos pobres” contra os políticos do mal.

Nenhum, absolutamente nenhum político está acima da política. Precisamos de uma percepção que politize os políticos; eles sim devem ser enxergados sob a ótica da política, mais do que qualquer outra coisa. Façamos isso e não viremos tudo de cabeça para baixo.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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