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Dicas para devastar uma economia

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A experiência é um processo cumulativo de aprendizagem, em que se sucedem tentativas, acertos, falhas, avanços, recuos, observações e descobertas, que nos capacitam a identificar e reconhecer erros — nossos e dos outros — e impedir que reincidamos neles. Em qualquer campo do conhecimento, o estoque de experiência é formado pelo ajuntamento dos resultados de ações praticadas no passado, tanto as que deram certo, quanto as que se mostraram equivocadas. É como o volume de uma caixa d’água em incessante alteração, em que novas experiências entram continuamente e tentativas frustradas vazam pelo ladrão. Cabe à inteligência, à sensatez, ao amor à verdade e à humildade separar umas das outras e, obviamente, abandonar as que fracassaram.

Na economia não é diferente: os indivíduos (para o próprio bem), assim como as pessoas que integram os governos (supostamente, para o bem comum), precisam discernir entre o verdadeiro e o falso e escoimar o que não funciona, para só então agir com possibilidade de êxito. Há, porém, economistas que, por insensatez, apego a alguma ideologia, desapego à verdade, formação incompleta ou, simplesmente, por orgulho, se recusam a reconhecer os erros — próprios e alheios — e passam a vida martelando, insistindo, reincidindo e persistindo neles, com o artifício retórico de que “dessa vez será diferente”.

Controles de preços, por exemplo, nunca deram bons resultados e jamais poderão funcionar, mas parece muito difícil aprender isso. O livro de Eamonn Butler e Robert Schuettinger, Quarenta Séculos de Controles de Preços e Salários, de 1979, relata contundentemente como é antiga — vem desde a Babilônia — essa mania de repetir os erros, com os consequentes fracassos, sua negação e novas repetições e negações. O Brasil não aparece na obra, mas em nossa história recente, só para citarmos um episódio, tivemos cinco congelamentos de preços entre 1986 e 1991, cujo resultado final foi uma hiperinflação.

Transtorno compulsivo

Chega a ser assombroso que, a essa altura do campeonato, depois de pelo menos 250 anos de discussões decorridos desde que a economia passou a ser considerada uma ciência e de quatro milênios de evidências empíricas, ainda estejamos fadados a suportar economistas com verdadeira tara por controles de preços e por outros erros primários. E — o que é muito pior — ocupando cargos importantes em governos, como está acontecendo hoje no Brasil e em vários outros países, inclusive nos ditos desenvolvidos. Se esse transtorno compulsivo afetasse apenas os economistas e os políticos que lhes dão suporte e abrigo, menos mal, pois, afinal, tratar-se-ia de meros castigos por suas más escolhas; mas, infelizmente, os seus malefícios recaem sobre praticamente todos os 210 milhões de brasileiros, os que “fizeram o L” e os que não caíram no conto do vigário.

Que tal reunirmos alguns dos casos mais corriqueiros de negação da experiência e de turra com os fatos, na forma de uma lista de “maus conselhos”, destruidores da economia de um país? Suponhamos, então, que o Grande Irmão romantizado por Orwell, com o propósito de destruir a economia de certo país para dominá-lo mais facilmente, enviasse o seu principal economista para orientar o presidente e o ministro responsável pela área econômica deste país. Admitamos, ainda, que os dois não entendam patavina do assunto. O que diria o conselheiro?

Provavelmente, começaria por recomendar exatamente a prática que é uma das raízes do problema: a relativização dos direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade e o fomento de desconfiança, repúdio e muitas vezes ódio a uma das instituições mais antigas da civilização, a economia de mercado. Diria que é necessário subordinar essas prerrogativas a um interesse supostamente “superior”, como, por exemplo, os vagos e impalpáveis conceitos de “justiça social”, “igualdade” e “função social da terra”. Estará aconselhando, assim, como se fossem atos justos, a censura, a romanceação da criminalidade e as invasões de propriedades.

O último conselho é que é preciso obedecer à agenda politicamente correta do governo mundial e ajoelhar-se diante dos ambientalistas radicais, porque é imperioso pensar na sobrevivência da humanidade.

O segundo palpite seria para estimular o aumento do controle do governo sobre as vidas dos cidadãos e das empresas, tratando todos sempre como suspeitos e inibindo suas iniciativas. Entre tantos outros resultados desse mau conselho, podemos encaixar a aversão aos lucros, a obrigatoriedade de vacinas duvidosas e a proibição de possuir armas e de blindar carros particulares.

Uma terceira dica seria a de colocar sempre sobre os ombros de “outros” as responsabilidades pelos fracassos das próprias ideias e ações, mentindo sem qualquer pudor e utilizando a torto e direito expressões de efeito, como “herança maldita” e “gabinete do ódio”. Assim, faz crer que as suas ideias são sempre as melhores e ensina a rejeitar com narrativas todo e qualquer fato comprobatório de fracasso. Dois exemplos bastante recentes da fidelidade a esse conselho são a alegação de uma ministra do Meio Ambiente de que o índice recorde de desmatamento ocorrido no último mês de fevereiro deve ser lançado sobre madeireiros que se opõem à sua política, bem como o sábio veredicto do próprio presidente do país de que o problema da fome é provocado pelos gordos, porque comem muito.

Seria também recomendada a prática de concentrar as decisões, centralizando-as no governo federal e, obviamente, nas mãos de poucos. Afinal, todo socialista que se preza precisa empenhar-se para tornar real o sonho acalentado desde os tempos em que passava as tardes à toa no centro acadêmico da faculdade “pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada” em que foi doutrinado, que é o de não dar bola para o conceito de eficiência.

Insinuará, em seguida, que é um excelente truque criar ministérios, secretarias, subsecretarias, diretorias em estatais, comissões, subcomissões, conselhos, foros, grupos de trabalho e quaisquer outros agrupamentos que guardem conformidade com as diretrizes políticas do governo, de preferência que representem “entidades” e setores discriminados da “sociedade civil”. Argumentará que é preciso criar renda e empregos e que para isso ninguém é melhor do que o governo.

O conselho seguinte é importantíssimo: gastar sem dó nem piedade o dinheiro subtraído dos pagadores de impostos, sob a alegação de que esses gastos, além de aquecerem a atividade econômica e gerarem renda e frentes de trabalho, precisam ser direcionados para objetivos “sociais”. Sem dúvida, aconselharia uma “PEC da transição”, um salvo-conduto para gastar o dinheiro dos outros. E sugeriria ao ministro abandonar definitivamente a prática nefasta da responsabilidade fiscal. Mas, e a dívida interna? Ora, isso não é problema…

O próximo pitaco seria para que todos os preços considerados “estratégicos” sejam controlados, direta ou indiretamente, sem pestanejar, uma vez que preços são determinados pelos mercados, que são formados por bandos de interesseiros, ricaços exploradores e patotas de jovens de classe média que passam horas na frente de computadores emitindo ordens de compra e venda. Portanto, é necessário desconfiar do mercado e confiar no governo, que conhece os melhores preços para todos, principalmente para os pobres ávidos por picanhas e cervejinhas, de quem o governo deve ser o pai zeloso e bondoso.

Julgará importante, também, que o orçamento do governo deve ser ajustado sempre pelo lado da receita, ou, em bom português, que não deve existir receio de criar novos impostos e aumentar na medida do possível os já existentes, uma vez que é muito melhor que R$ 1 esteja nas mãos do governo, que cuida de todos, do que em posse de particulares, que só agem movidos por interesses próprios. O governo anterior desonerou a gasolina e o etanol com PIS/Cofins e Cide? Então reonere! O setor de petróleo está lucrando “exorbitantemente”? Opa, então tribute a exportação de óleo cru! Mas, e se os “neoliberais fascistas” reclamarem do aumento do preço da gasolina? Ora, basta inspirar-se em jornalistas amigos e enfatizar, com a mesma desfaçatez, que aumentos nos preços dos combustíveis não prejudicam quem é pobre, só os ricos. E, se a objeção for muito forte, é suficiente fazer um discurso em tom de reprimenda e sugerir que as pessoas precisam andar mais a pé. Os jornalistas e a claque presentes vibrarão de emoção e, às lágrimas, aplaudirão.

Mais uma recomendação crucial é a de jamais privatizar empresas. Pelo contrário, devem-se criar novas estatais e, ainda, tentar reverter privatizações já realizadas. Afinal, os setores “estratégicos” e o “patrimônio público” precisam estar sob o controle do Estado e é um absurdo que particulares lucrem com esses setores e que acionistas de empresas com participação do governo sejam contemplados com dividendos “exorbitantes”, porque somente o governo pode exorbitar, já que só ele tem boas intenções.

Outra instrução importantíssima é que o governo não deve preocupar-se com a inflação. Pensando bem, ao fim e ao cabo, quem garante que inflação é ruim? Isso é coisa de monetaristas, fascistas, conservadores e liberais, porque a inflação é até boa para estimular a economia do país. Por isso é sempre bom declarar para a imprensa amiga que é um absurdo o país ter metas de inflação semelhantes às dos países desenvolvidos e que o ideal é adotar metas “brasileiras”. Sendo assim, é preciso criticar o presidente do Banco Central, descrevendo-o como um sujeito que aprendeu a ser malvado com o avô paterno e que sofre de algum TOC (transtorno obsessivo compulsivo) que o leva, em cada reunião do Copom, a manter a taxa de juros nos píncaros.

O enviado de Oceania certamente recomendará também o discurso e a prática em favor do “fortalecimento do mercado interno”, citando o exemplo louvável do companheiro patriota que preside a Argentina, que, pensando no bem-estar do seu povo, proibiu a exportação de carne. E enfatizará que não é preciso ninguém se preocupar com pormenores tais como déficit comercial e taxa de câmbio, pois isso pode ficar para depois…

Outra sugestão é para que fortaleça os sindicatos e faça o possível e o impossível para revogar a reforma trabalhista de 2018, porque sem sindicatos fortes os capitalistas vão continuar a explorar os seus funcionários impiedosamente e, além disso, o governo precisa do apoio deles para o bem da república popular democrática sindicalista. No entanto, se por acaso a detestável aritmética disser que só é possível conceder R$ 18 de aumento no salário mínimo, é só explicar na imprensa, sempre dócil e de joelhos, que a culpa é do governo anterior. No dia seguinte, isso será manchete em todos os jornais.

O último conselho é que é preciso obedecer à agenda politicamente correta do governo mundial e ajoelhar-se diante dos ambientalistas radicais, porque é imperioso pensar na sobrevivência da humanidade. É importantíssimo fiscalizar se as empresas estão se adaptando ao protocolo ESG, nomear funcionários para verificarem as eructações de bois e vacas nos pastos e punir todas as empresas que tratam essa agenda ambientalista radical com o único adjetivo cabível: ridícula. E, naturalmente, aceitar a falácia de que a Amazônia é o “pulmão do mundo” e, portanto, não deve pertencer a nenhum país específico.

Missão cumprida! O enviado do Grande Irmão pode voltar tranquilo para Oceania, na certeza de que, se esses 13 — sim, coincidentemente, o número é esse — conselhos forem fielmente seguidos, será tiro e queda: em pouco tempo a economia desse país estará arrasada.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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